Era apenas mais um entre tantos, buscando sustento para si e sua família. Mas o dia que começou com esperança acabou por se transformar num pesadelo de violência e desespero.
“Saí de manhã para o comboio, como sempre. Às 15h30 estava no meu posto, a vender. Foi quando tudo começou a ficar cheio, as pessoas queriam ir para casa de chapa. Do nada, a polícia apareceu”, relatou ele, visivelmente emocionado, enquanto tirava a sua camisa com dificuldade para mostrar o estrago feito no seu corpo por chambocos da polícia.
Já eram 16 horas, período determinado por Mondlane para se entoar o hino nacional, as ruas, até então movimentadas, tornaram-se um campo de caos. “As pessoas queriam entoar o hino, mas a polícia não deixou. Começaram a lançar gás lacrimogéneo. Todos correram, eu também. Só queria sair dali”, explicou.
Enquanto tentava se afastar, foi cercado por agentes da polícia. “Levantei as mãos, disse que não estava na manifestação, mas mesmo assim levaram-me. Dentro do carro, começaram a me bater sem parar. Diziam que eu ia morrer naquele dia.”
O jovem descreveu com detalhes o suplício que enfrentou. “Roubaram o meu telemóvel e 900 meticais que estavam no bolso. Não pararam de me torturar, mesmo quando um superior ligou e sugeriu que me libertasse.” A decisão, no entanto, foi adiar a libertação, temendo a reação da população caso ele fosse solto num lugar público.
Já na Força de Intervenção Rápida, o cenário se agravou. “Fui recebido com mais agressões. Um comandante, mais violento que os outros, bateu-me com chambocos até cansar. Depois passou o chamboco para os colegas.”
Sem forças para resistir, o jovem entregou as senhas do telemóvel, que foi revistado pelos agentes. “Eles abriram o meu WhatsApp, leram as mensagens, viram os grupos de que faço parte. Questionaram-me se estava envolvido nas manifestações. Disse que não, mas isso não os convenceu.”
Após horas de sofrimento, foi levado para outro local, onde novos agentes, ao verem seu estado físico, interromperam os maus-tratos. “Graças a Deus, não fui torturado mais ali. Mas fiquei com dores em todo o corpo e sem nada do que levei ao trabalho.”
No fim, a polícia decidiu libertá-lo em segredo, longe do olhar público. Perguntaram onde vivia e o deixaram num ponto de transporte, como se tivessem feito um favor ao deixarem o jovem vivo.
A história desse jovem não é apenas um testemunho de violência, mas também um retrato da insegurança vivida por muitos moçambicanos nesses últimos dias. Quem tenta manifestar, ou quem tenta calar e guardar as suas frustrações com medo de represálias, também sobre com a brutalidade policial, que chega a atingir menores de idade.
Sua voz ecoa um grito de justiça, num país onde a brutalidade policial se agudizou e continua a ser uma ferida aberta na luta pela democracia e pelo respeito aos direitos humanos. A polícia não poupa esforços para manter “Ordem e tranquilidade pública”, mesmo que seja necessário criar tumultos e oprimir o cidadão que merece a sua proteção. (Bendito Nascimento)