O liricíssimo do vândalo, como Azagaia tão ferozmente descreve, não é apenas poesia. É um grito. Uma batida incansável que ecoa nas ruas, nos becos, nos escombros de um sistema que prefere condenar a compreender.
Os vândalos são os produtos mais visíveis de uma sociedade que os marginalizou. Não nasceram vândalos. Não acordaram um dia e decidiram desafiar a ordem, incendiar ruas ou tomar à força o que lhes foi negado. Eles foram criados pelo abandono, moldados pela fome e esculpidos pelo descaso. “Mamparas de duas caras”, eles observam, com a lucidez crua de quem vive na margem.
Enquanto o doutor discursa da segurança da sua mansão, o vândalo grita da rua incolor que o viu crescer. Para cada apartamento de luxo, há 16 pilhas de lixo. Para cada discurso moralista, há uma geração que cresce sem escolas, sem empregos, sem dignidade. O vândalo não pede nada além do básico: pão, escola, respeito. Mas é chamado de marginal, criminoso, delinquente.
Azagaia transforma esse grito em arte. Com suas rimas afiadas, ele revela o lado de dentro das grades, o cheiro do asfalto queimado, a revolta de um povo que aprendeu a viver sem escolha. “Marginais existem porque alguém marginaliza”, ele denuncia. Não há poesia mais honesta do que essa.
E é justamente por isso que a voz do vândalo assusta. Não pelo vandalismo em si, mas pela verdade que ele carrega. Ele não precisa de WikiLeaks para expor a podridão de um sistema corrompido. Ele é a prova viva do fracasso de uma sociedade que cria e depois abandona.
Mas enquanto o sistema os chama de “burros, sujos, marginais”, eles se organizam. Nas ruas, encontram a força que lhes foi negada. Nos becos, conspiram contra a opressão. Cada pedra atirada é um recado; cada pneu queimado é um grito de socorro. E, quando os rádios silenciam a música, as ruas a cantam ainda mais alto.
No fundo, o vândalo é o reflexo da sociedade que o criou. E talvez seja isso o mais desconfortável. Porque, ao olhar para o vândalo, somos forçados a olhar para nossas próprias falhas. Somos obrigados a confrontar as desigualdades, os privilégios, a indiferença. E, assim, o liricíssimo do vândalo segue pulsando. Um lembrete de que, enquanto houver injustiça, haverá revolta. Enquanto houver fome, haverá luta. Enquanto o doutor dorme tranquilo na sua mansão, as ruas queimam. E nelas, o vândalo se torna poeta, profeta, revolucionário. (Dedos D’eus)