Quando analisamos as imagens deste atropelamento da Eduardo Mondlane, do tiro que atingiu o olho ou perto deste órgão de um cidadão na cidade de Maputo que ficou com a cara desfigurada e as duas mortes violentas em Nampula, as seguintes questões se fizeram pertinentes:
- Havia algum evento grave a acontecer, naquele ponto em específico que exigisse intervenção pública diferenciada?
- Em caso afirmativo, o que não parece, que evento grave estava a acontecer que justificasse a forte presença da polícia?
- O recurso à força foi proporcional e necessária ao evento?
- Não será tudo isto propositado e com objectivos inconfessos?
Fica manifestamente claro que a conduta das forças de defesa e segurança acima descrita é criminosa e não obedeceu aos requisitos da necessidade, da exigibilidade e da acima de tudo da proporcionalidade e ponderação, diante dos eventos do momento. Foi criminosa e cobarde a conduta das forças de defesa e segurança, e não pode tal conduta ser encobertada pela legitimidade da sua função, pois está-se claramente diante de violência, encarnada num profundo e inadmissível abuso de poder. Foram, nestes casos, extrapolados todos os limites legais e a fronteira da decência.
A responsabilidade do Estado neste uso desproporcional e reprovável da força estatal revela a completa falta de preparação e de meios para lidar com manifestações, por um lado, mas por outro lado, ficou cristalino que são as forças de defesa e segurança da República de Moçambique as principais promotoras da violência, por aquilo que nos parece ser uma verdadeira falta de linha orientadora da actuação de quem devia, em tese, proteger, mas violenta de forma deliberada. Nada, mas nada mesmo, justifica aqueles actos bárbaros e repugnantes.
Devemos nos lembrar que antes de tudo, antes mesmo das ideologias, somos seres humanos e devemos preservar esta condição de humanos. Foi violento, bárbaro e gratuito o que assistimos para o choque de todos. Não há palavras, em democracia, para descrever esta barbaridade. Nenhum tratamento desumano, cruel ou vingativo pode encontrar justificação em ordem, autorização ou instrução superior, porque violadora de direitos fundamentais e tais condutas representam igualmente crimes tipificados na legislação penal.
Voltamos a repisar, o direito à manifestação é constitucional e é um erro grave pensar em atribuir como favor o que a lei concede como direito. Reduzir quem reivindica direitos à condição de vândalos, é sempre um erro de autovalorização de uma vaidade ensandecida, o que releva um autêntico afastamento de quem dirige não só do povo, mas sobretudo, da obrigatória missão de servir. Pior, usando o poder do Estado para cometer crimes, intimidar e restringir direitos constitucionais, sempre sob a capa de uma Autoridade. A assistência que se referiu em como se tendo prestado à vitima, até ao presente momento, não se verifica no terreno, pelo que parece ter sido uma declaração distante da verdade, apenas para serenar consciências, sem que se percebam as motivações para tal conduta.
Em face desta violência gratuita, a ORDEM DOS ADVOGADOS:
- Enviou um ofício aos Ministérios da Defesa Nacional e do Interior e ao Chefe do Estado Maior das Forças Armadas e ao Comandante Geral da Polícia da República de Moçambique a solicitar procedimento disciplinar contra os agentes militares e policiais envolvidos nos actos macabros descritos acima e que se comunique à Ordem do seu desfecho;
- Participámos à Procuradoria – Geral da República os crimes descritos acima, para a responsabilização criminal dos agentes envolvidos nos actos macabros;
- Vamos, como Ordem dos Advogados, assistir judicialmente as vítimas e suas famílias, quer criminalmente, quer civilmente.
Não podemos afirmar categoricamente que estamos certos de que as entidades competentes deem seguimento isento aos expedientes mencionados acima, mas como Ordem dos Advogados de Moçambique não podemos deixar de acreditar que nascendo o sol todos os dias, em algum momento, cada um cumpra o seu dever, genuinamente, obriga, de tal sorte que quem não se acha à altura da sua posição pública deve colocar o lugar à disposição, permitindo que o Estado seja servido por quem o faça com sentido de missão, de respeito e imparcialidade, sem interesses e com o mais alto sentido de responsabilidade, que tem faltado em toda a linha. (COMUNICADO DE IMPRENSA)