Imagino que você acordou cedo, talvez em meio a um café apressado, deixando o perfume de um beijo na testa dos seus filhos e a promessa de voltar. Mas, naquela manhã, seu destino não era o lar; era o chão frio de uma avenida que deveria ser sua, mas foi tomada pela brutalidade de um governo que teme o grito do povo.
Você era valente, mesmo sem saber que sua coragem seria castigada com a dor. Não foi só o blindado que te atropelou; foi um sistema inteiro que escolheu esmagar não apenas corpos, mas esperanças. Você não foi tratada como uma pessoa, mas como poeira algo que o regime tenta varrer, em vão, das ruas e da história.
O blindado que te atingiu tem nome e dono. Ele não é apenas uma máquina; é o reflexo de uma força armada que perdeu sua alma. E o homem que girou o volante, escondido atrás de “ordens superiores”, é cúmplice de um regime que se alimenta da submissão e do sangue dos inocentes.
Agora, enquanto escrevo, penso nas mãos que te tentaram erguer do chão, mãos que lutavam contra o desespero, te tentando devolver ao mundo. Vejo a bolsa que você carregava, símbolo de uma rotina interrompida, balançando no caos como um lembrete de que sua vida era mais do que uma estatística.
Sua morte não foi um acidente; foi a consequência de escolhas feitas por aqueles que governam com indiferença e despreparo. Até quando chamaremos de fatalidade o que é produto de um regime que despreza a vida? Até quando toleraremos que o sangue dos nossos seja derramado em nome da repressão?
Você, sem nome para muitos, se tornou símbolo para todos nós. Não permitiremos que seu grito se perca no vento, porque ele é agora o nosso grito. E este regime que pensa poder silenciar vozes com blindados deve saber: cada vida esmagada gera uma resistência maior. E sua ausência será a faísca para a revolta de um povo que não se calará mais. (Dedos D’eus)