A verdadeira guerra, em seu âmago, revela-se silente — não visível aos olhos de uma sociedade desatenta — mas devastadora em sua essência. Ela se materializa nas vielas da miséria, nos hospitais que falham em proporcionar a mínima dignidade, nas escolas que falham na sua nobre missão de formar, e em uma sociedade que, fragilizada, se vê progressivamente alijada dos direitos que deveriam ser universais e inalienáveis.
Este conflito, longe de ser uma inovação contemporânea, constitui-se num ciclo repetido de negação da humanidade do povo moçambicano. Sua génese encontra-se no instante em que a saúde, direito fundamental, é transmutada em mercadoria. O hospital — lugar que deveria ser sagrado para a cura — é reduzido a um espaço de sacrifício, onde os cidadãos, em sua grande maioria, são privados, muitas vezes, de medicamentos básicos. O custo de um atendimento mínimo reflecte a distância abissal entre a vida humana e os interesses financeiros daqueles que perpetuam a sua dominância no poder. A saúde, no discurso oficial, é proclamada como o maior valor — mas, na prática, é o capital que governa os destinos dos doentes, relegando os mais empobrecidos à mercê de sua própria sorte.
A educação, outro pilar fundamental para a edificação de uma nação, sofre a mesma sorte. As crianças são compelidas a aprender em condições sub-humanas — sentadas no chão, sem livros, sem materiais pedagógicos, sem a mais ínfima garantia de continuidade de seu percurso educacional.
As escolas públicas — resquícios do que um dia foi um ideal de inclusão e progresso — estão à deriva, delapidadas e desprovidas de qualquer perspectiva substancial de renovação. O futuro de uma geração inteira é sacrificado em nome de um sistema educacional que se encontra falido — que não se preocupa em formar cidadãos conscientes, mas em moldar uma mão-de-obra barata e submissa.
Este panorama reflecte-se dolorosamente na formação das futuras lideranças do país, sejam policiais, enfermeiros, juízes ou engenheiros. Se é verdade que a educação constitui a pedra angular de qualquer nação, como podemos esperar que tal edificação seja erguida sobre fundações frágeis e instáveis? No entanto, é precisamente isso que observamos: uma geração de profissionais mal formados, destituídos dos princípios éticos basilares e de uma cidadania responsável, que se vê incapaz de apreender os valores que deveriam nortear a sociedade moçambicana.
Entretanto, a guerra não se restringe ao campo das ideias e da formação. Ela se estende às infra-estruturas essenciais como água e energia – tratadas como privilégios e não como direitos fundamentais.
A ausência de infraestrutura adequada, a escassez de transporte público de qualidade, e o descaso com a construção de estradas e hospitais são provas irrefutáveis de que o povo é tratado como um subproduto de um sistema que privilegia uma minoria em detrimento da esmagadora maioria.
O aspecto mais trágico desse quadro é que, enquanto a população sofre devido à falta de recursos elementares, o aparato estatal se configura para se beneficiar da miséria alheia — por meio de contratos milionários e obras superfacturadas — que enriquecem a elite política e empresarial, enquanto o povo permanece na orfandade das promessas não cumpridas.
A cultura, a arte e a liberdade de expressão também não escapam à tirania deste regime. Quando se nega à juventude o acesso a espaços culturais, ao se fechar os olhos à importância da preservação da memória colectiva, quando a comunicação social se transforma em mera ferramenta de propaganda governamental, a guerra contra o povo adquire uma feição ainda mais insidiosa. Não se trata, apenas, de silenciar as vozes dissidentes — mas de abafar a própria alma da nação, sufocando suas expressões culturais e políticas em nome de um controle absoluto.
A guerra, portanto, é multifacetada — não travada apenas com o uso de armamento, mas também com o silêncio cúmplice da indiferença e com a violência estrutural, que, paulatinamente, vai corroendo a confiança nas instituições. A guerra da Frelimo contra o povo é, antes de tudo, a negação da dignidade humana — a reprodução incessante de um sistema que privilegia os poucos e submete os muitos ao sofrimento e à desigualdade.
A realidade é insofismável: ao longo de 49 anos de independência, Moçambique tem se configurado como um campo de batalha, onde os mais pobres, os mais vulneráveis, pagam o preço de uma liberdade que continua distante de se concretizar.
A luta não se limita à busca por um governo mais justo, mas pela edificação de um sistema que compreenda que o verdadeiro valor de uma nação reside na sua capacidade de garantir uma vida digna para todos os seus cidadãos, sem excepção. A guerra, portanto, não se dirige apenas contra o corpo do povo, mas contra os seus direitos mais básicos, contra seus sonhos, contra a sua própria liberdade.
Enquanto a Frelimo continuar a governar com base no princípio da dominação e do desdém pelo povo, o grito de guerra ecoará nas ruas, nas escolas, nos hospitais, nas estradas e em cada esquina deste país. Trata-se de um clamor que não pode ser silenciado, pois a história e a justiça exigem que seja ouvido. A guerra da Frelimo contra o povo é, em última instância, uma guerra pela verdade e pela liberdade, pela dignidade e pelos direitos que, até o momento, continuam a ser negados ao povo moçambicano.
Phatima Vilankulu Khosa