Elvino, defensor da gente simples, que escolha poderia ter sido mais nobre que a tua? Não foste enterrado apenas ontem, foste imortalizado. Cada punhado de terra que cobriu teu corpo não selou o fim, mas inaugurou o começo daquilo que nem a terra, nem o aço podem apagar. Viveste como poucos ousaram viver: sem querer nada além do bem de quem nada tinha. Diz-me, Elvino, quantos vivem e respiram, mas jamais existirão? Serás tu o verdadeiro pobre, ou os que acumulam enquanto se esvaziam?
Paulo Guambe, que esperas ainda teu encontro com a finitude, teu caminho não difere do de Elvino. Político de vocação, mas homem de combate. És um daqueles cujas raízes se entrelaçam com a própria essência do que significa resistir. Quando enfim fores levado ao teu destino final, ninguém pense que será um adeus. Heráclito, o filósofo, certa vez disse que “tudo flui, nada permanece”. É na mutabilidade das coisas que residem as maiores lições. Serás terra? Serás lembrança? Ou serás o eco que percorre gerações?
Mas, pergunto eu: de que vale ter poder sobre a vida, se a morte não lhes obedece? Será que não percebem que as urnas que acolheram teu corpo, Elvino, são apenas um capítulo da história, não o ponto final? Não é o crepúsculo que marca o fim do dia, mas sim o ciclo contínuo da luz que ressurge. Vós, que pensam controlar os destinos, não veem que vossas vitórias são escritas nas areias da história, prontas para serem apagadas pelo vento da memória colectiva?
Não foram os homens de ferro que venceram, Elvino. És tu, e é o povo. Não as sombras que espreitam, acreditando que o som das balas é o eco de uma ordem estabelecida. A verdadeira ordem é a vida que continua a brotar, a justiça que floresce mesmo sob o mais denso nevoeiro de opressão. Há dias, antes de ser levado, falaste de um simples vendedor de maçãs que, em sua resistência, incendiou a Primavera. A tua queda, como a dele, não é um fim, é um início. O que será de quem te tentou silenciar, senão se perder no pó do esquecimento?
Santo Agostinho ensinou que “o amor à verdade busca a santidade, o amor ao poder busca a servidão”. Quantos, no espelho da própria consciência, poderão olhar para si sem tremer diante da verdade que o refletor da história trará? Não são aqueles que esmagam a verdade que triunfam, mas os que, mesmo calados, deixam a chama da memória acesa. A resistência é a herança que não se extingue. Elvino, foste o que compreendeu que a vida, em seu mais profundo sentido, não é o acúmulo de bens, mas o repartir do que se é. E Guambe, teu nome caminhará ao lado de Elvino, pois a luta, essa, é eterna. Mesmo na ausência do corpo, vosso espírito é a marca indelével de um combate que jamais finda.
E Guambe, que ainda esperas teu último ato, não serás esquecido. A história te aguarda, assim como aguardou a todos que ousaram desafiar o império do silêncio. E pergunto, em meio a este cenário de incerteza: quem realmente venceu? Foram aqueles que apertaram o gatilho ou aqueles que, mesmo feridos, levantaram-se pela causa maior? O que será do medo diante da coragem? O que será da escuridão, se a chama da resistência nunca se extingue?
E agora, Elvino e Guambe, se em vós ainda há memória de vida, que vos lembreis dessa luta que nunca perece. Afinal, o que resta dos homens senão o peso de suas escolhas e as memórias que se recusam a morrer? (Zacarias Nguenha)