Ó Elvino, ó Guambe, hoje sois estrelas no firmamento, transfigurados em luz, mas destituídos do corpo por 25 sopros metálicos que vos tiraram do mundo terreno. O ferro perfurou vossa carne, mas não tocou o espírito. O vento – esse mestre intangível – não pode ser acorrentado. Ele vaga, escapa, zomba das tentativas de aprisionamento. E as vossas vozes, que eles acreditaram silenciar, agora rugem nos ouvidos dos incautos, ressoam como trovões que prenunciam a tempestade.
Cíclico é o teatro da opressão, onde as ironias trágicas se repetem, grotesco e sublime misturados numa dança macabra. Os tiranos acreditam que o chumbo tem o poder de encerrar uma vida e, com ela, uma ideia. Pobres tolos! Não compreendem que o espírito, essa força invisível e indomável, escapa a suas mãos sujas de sangue. Nietzsche já nos alertava sobre aqueles que, de tanto perseguirem monstros, se transformam no que mais temem. E os que acreditam no poder absoluto da violência caminham cegos rumo à própria destruição.
Elvino Dias, advogado e professor, foste um mestre que não ensinava apenas o Direito, mas a ética, a moral, a essência da justiça. Não ensinavas apenas leis; mostravas ao povo como enxergar além das correntes da ignorância, como respirar a liberdade que sempre lhes foi negada. Pagaste o preço mais alto, não pelo saber que transmitiste, mas pelo despertar que provocaste. Foste um homem, e agora és um símbolo, uma semente que germina no solo fértil da revolta.
Ah, como o povo dorme! Mas o sono já não é tranquilo. Os 25 tiros que ecoaram contra o vento não atingiram apenas dois homens, mas a própria nação, ferindo-lhe a alma, abrindo cicatrizes que jamais poderão ser fechadas. Os mestres de marionetes acreditam que podem manipular os destinos com chumbo e terror, mas são míopes. Não percebem que o espírito de justiça, essa força indomável, paira sobre as cabeças dos oprimidos, pronta para descer como um furacão quando o povo finalmente despertar.
E o despertar virá. Não será por escolha dos que governam na tirania do silêncio, mas pela inevitabilidade da verdade. Elvino e Guambe, em sua morte, tornaram-se mais poderosos do que jamais poderiam ter sido em vida. A grande ironia: enquanto os opressores acreditam que eliminam ameaças, apenas semeiam sua própria ruína. Como disse Camus, “o tirano acredita que a justiça é uma espada em sua mão, mas a verdade é sempre uma flecha que lhe atravessará o peito.”
E agora, vós, que contemplais do firmamento o desenrolar dessa farsa, sois o vento que sopra nas mentes inquietas. A liberdade, que nos foi prometida, é uma miragem – celebrada em canções que não compreendemos, em discursos vazios que nos deixam mais perdidos. Mas não choraremos. Se vossa morte nos serve de algo, é para lembrar que o caminho à verdadeira independência não se percorre em silêncio, mas com gritos que ecoam contra o vento, rompendo as correntes da submissão.
Então, guiar-nos-eis, Elvino e Guambe? Ou continuaremos a correr atrás de sombras, enquanto o vento, esse velho indomável, se nega a nos carregar? (Zacarias Nguenha)