Diferentemente do primeiro anúncio, que outrora fora feito e houve vozes que o aconselhavam a continuar a sua luta na parte incerta, pois valia vivo que morto, desta vez, todos estão animados e prontos para ir recebê-lo, aliás, o convite foi até extensivo aos órgãos de soberania, como Presidente da República, Procurador-geral da República e Juiz do Tribunal Supremo.
Gosto dessa alusão messiânica da entrada triunfante de Jesus Cristo em Jerusalém, onde a população o recebe num jumento e estende-lhe panos para poder pisar. E, é sobretudo em Jerusalém, onde Jesus é depois preso, julgado publicamente, condenado à morte e no terceiro dia ressuscita, conforme as escrituras. Sublinho conforme às escrituras, porque até mesmo o Papa, considerado vigário de Cristo na terra, não tem certeza da tal ressurreição. E aqui seria interessante discutir como seria a ressurreição de Venâncio Mondlane no cenário político nacional, no meio de toda esta ditadura disfarçada em legalismo.
Diante deste cenário, duas hipóteses me parecem possíveis:
- O Estado age de forma indiferente a este apelo, deixa que o seu povo vá recebê-lo enquanto monitora as suas acções. O que permitirá uma actuação mais sensata do Estado e isso fará com que não seja mais uma vez visto como um Estado assassino a nível nacional e internacional. Entretanto, essa decisão exigiria dos altos quadros do Estado o sentido de Estado. Isto é, colocar o Estado acima de paixões político-partidárias. E, sinceramente tenho dúvidas se alguns dos nossos altos dirigentes têm sentido de Estado e pátria, se olharmos pela delapidação do erário público, a reintegração dos altos dirigentes do Estado, entre outras coisas.
- O Estado vai ao aeroporto com toda a sua força, cria-se uma situação de confronto com os apoiantes de Venâncio Mondlane, no meio do caos, ele acaba atingido ou morto, torna-se vítima da actuação brutal do Estado ou num mártir e começa de lá uma rebelião jamais vista. O Estado compra uma briga nacional com o povo (apoiantes de Venâncio), que não vai conseguir controlar e internacional, por haver essa percepção generalizada e até comprovada de que houve fraude eleitoral, o que pode levarmos a perder aliados estratégicos, visto que se houver caos demasiado, a exploração de alguns recursos continuará suspensa e isto não vai agradar aos investidores, que estão ávidos de sugar tudo o que há no nosso subsolo em parceria com as nossas elites políticas, diga-se.
O regresso de Venâncio Mondlane pode ser comparado com o de Matigari ma Njirüüngi, uma personagem mítica descrita por Ngügï Wa Thiong’o, que depois de matar o colono Williams e seu guarda fiel John Boy, tenta regressar a casa. Entenda-se casa, como a pátria pela qual lutou por tanto tempo na floresta (onde VM7, encontra-se agora escondido). Porém, no caminho para casa, passa antes por uma árvore grande, que localmente (em Moçambique) podemos comparar a um embondeiro, onde enterra a sua arma AK-47, suas munições e sua faça e coloca o cinto da paz, convencido de que a guerra já havia terminado. Entretanto, quando chega na cidade, onde começa a procurar os seus filhos e mulheres para irem viver na casa que construiu e desfrutar das machambas que produziu, nota que o colono Williams e John Boy, que havia morto na floresta, deixaram os seus filhos que continuaram com a exploração do seu povo. Para a sua desilusão, o construtor por quem lutou, continuava sem teto, o agricultor sem comida, o alfaiate sem roupas e quando reivindica os seus pertences, é preso e até internado num hospital psiquiátrico onde com ajuda de Güthera e Müriüki, consegue finalmente fugir. Aqui, Matigari apercebe-se de que não venceria aquela luta apenas com palavras. Então, decide ir desenterrar a sua arma, suas munições e sua faça. A obra discute essencialmente sobre o neocolonialismo em África e a questão do nacionalismo. É do mesmo grupo da obra de Kwame Anthony Appiah, que apesar de ter sido escrita de forma ficcional deveria ser de leitura obrigatória nas disciplinas de Filosofia Política e Filosofia Africana.
Portanto, se quisermos evitar mais fissuras sociais e políticas, que já existem em demasiado, precisamos agir com sabedoria. Mais uma guerra, seria devastador para este povo que já há muito luta todos os dias por um prato de comida e um copo de água potável.
Na eventualidade de se poder evitar tal confronto directo, indirecto é quase impossível de se evitar, o próximo governo precisa investir seriamente na educação. Precisamos como país de uma educação que nos torne cidadãos. Talvez assim possamos ter no futuro manifestações que não se confundam com vandalização ou vandalismo. É necessário distribuir a Constituição da República nas escolas para que os alunos, desde cedo, conheçam os seus direitos e deveres. A estratégia de escondermos para as crianças, o que há de mais valioso como humanos (direitos e deveres) e embrutece-las para continuarmos no poder, já não resulta e não resultará mais enquanto tivermos algumas escolas privadas a proverem uma educação de qualidade. Como pais preferimos ficar sem teto e sem comida, para que os nossos filhos tenham uma educação de qualidade e adequada. A mesma que tínhamos no passado através do Estado. Tiremos do nosso curriculum disciplinas como agropecuária e Empreendedorismo e coloquemos, sobretudo no nível médio, em seu lugar, disciplinas como Introdução ao Direito Constitucional e Ciência Polícia e passemos a nomear os nossos dirigentes através das suas competências e não as quotas pagas ininterruptamente no partido. Coloquemos o Estado em primeiro lugar e acima dos nossos apetites. Pode não ser possível acabar com a fome dos mais de 23 milhões de moçambicanos, entretanto, é possível diminuirmos este número. Não seremos unidos enquanto uns poderem comer mais do que os outros e às custas destes.
O livro Matigari pode ser adquirido na KHAPES, LDA em Chimoio e Ethale Publishing em Maputo.
Timóteo Papel
Chimoio, 06-01-2025