Forquilha, meu caro, quer pedir-te desculpas. Desculpas pelo teatro montado, onde a tua figura de presidente do Podemos virou o protagonista de uma tragédia. Desculpas por dispararmos contra ti, não com rajadas de metralhadoras, mas com o veneno das nossas dúvidas e o fogo das nossas acusações. Desculpas porque, enquanto te acusamos de traição, somos os mesmos que te colocamos nessa posição impossível, votando na esperança com uma mão e no medo com a outra.
Desculpa, Forquilha, porque é fácil apontar-te o dedo. É fácil dizer que és traidor, que já cedeste, que teus passos são guiados por promessas e mordomias do poder. É fácil esquecer que o silêncio que te envolve também é nosso. Que enquanto clamamos pela reposição da verdade eleitoral, permitimos que o eco das armas e o cheiro do sangue continuem sendo as únicas respostas num país onde o voto é refém de balas e conchavos.
Imagino-te, Forquilha, nesse momento. De fato, a gravata bem ajustada, a barriga ligeiramente saliente, e aquele semblante que mistura cansaço e teimosia. Imagino-te num escritório iluminado, revisando o que sobrou de um país despedaçado, enquanto o peso das escolhas esmaga as tuas mãos. O que farás? Aceitarás o poder, como dizem, e serás o Judas do povo que juraste proteger? Ou rejeitarás, e cairás no esquecimento, engolido pelo sistema que juraste combater?
Mas a verdade, Forquilha, é que todos nós te enforcamos antes mesmo da tua decisão. Enforcamos-te ao deixar que o Podemos fosse reduzido a um sonho reprimido, ao ignorar os assassinatos dos teus militantes, ao continuar acreditando que a mudança pode nascer de mãos que há muito aprenderam a sujar-se sem culpa.
Há anos, Forquilha, tu foste a faísca que despertou a crença em um futuro melhor. Quando te levantaste em praça pública pela primeira vez, muitos de nós, cansados e desiludidos, encontramos em ti uma força que não sabíamos mais existir. O Podemos tornou-se mais que um partido político: era um grito, uma resistência, um último resquício de dignidade. Eras o rosto dessa esperança, mesmo com todas as falhas e contradições que carregavas.
Mas hoje, o mesmo povo que antes te aplaudiu, que levantou bandeiras e pintou os rostos com as cores do Podemos, é o mesmo que te crucifica. Somos especialistas nisso, Forquilha. Somos uma nação que vive de construir heróis para depois os destruir. Precisamos de mártires para justificar o nosso fracasso colectivo, e, infelizmente, o teu silêncio agora é a lenha que alimenta essa fogueira.
Não sei se percebes, mas o que mais incomoda não é a possibilidade de aceitares o poder oferecido pelo sistema. É o que isso simboliza. É a confirmação de que os sonhos podem ser negociados, que a resistência pode ser domada e que até mesmo os mais teimosos podem ser seduzidos pelas benesses do poder. E, para nós, que nunca tivemos o teu peso sobre os ombros, é fácil julgar.
Mas ainda assim, preciso insistir: desculpa, Forquilha. Desculpa por deixarmos que o país chegasse a esse ponto. Por termos votado, não com convicção, mas com medo. Por termos acreditado, mesmo que por um instante, que o sistema poderia permitir que alguém como tu realmente trouxesse mudança. Desculpa por termos colocado em ti a responsabilidade de corrigir décadas de erros, de enfrentar um gigante armado apenas com palavras.
Imagino-te, Forquilha, na tua casa. Talvez sentado na varanda, olhando para um horizonte que teima em não mudar. Imagino o peso das mensagens que recebes, os conselhos que te chegam de todos os lados: “Cede, Forquilha. Aceita o poder. É melhor do que morrer.” Ou, talvez, “Resiste, Forquilha. Mostra que ainda há honra.” E em meio a tudo isso, o silêncio. O mesmo silêncio que, para muitos, é a prova da tua culpa.
Imagino também os filhos dos militantes mortos do Podemos. Aqueles que, como tu, acreditaram em algo maior e pagaram o preço com a vida. Como eles explicam aos seus filhos que os pais tombaram pela verdade, enquanto tu te debates entre aceitá-la ou não? Como olham para ti, o líder, e não sentem que também foram traídos?
E o mais trágico, Forquilha, é que, qualquer que seja a tua decisão, o resultado será o mesmo. Se aceitares, serás marcado como cúmplice. Se recusares, serás enterrado no esquecimento. E nós, aqui fora, continuaremos apontando o dedo, como se não tivéssemos nenhuma responsabilidade no destino do país que ajudamos a construir com o nosso conformismo.
Forquilha, quando disserem que foste um traidor, lembra-te de que fomos nós que te traímos primeiro. Quando te acusarem de ceder ao poder, lembra-te de que fomos nós que o entregamos a quem não o merece. Quando te disserem que o Podemos falhou, lembra-te de que fomos nós que falhamos em protegê-lo.
E no dia em que o peso se tornar insuportável, espero que te lembres de que, no fundo, todos nós estamos enforcados. Enforcados pela nossa própria indiferença, pelo medo que nos impede de lutar, pelo silêncio que grita mais alto que qualquer rajada de tiros.
Enquanto isso, seguimos, Forquilha. Seguimos esperando a tua decisão, não porque ela vá mudar algo, mas porque precisamos de mais um bode expiatório. Precisamos de mais uma desculpa para o nosso fracasso. E, no fundo, sabemos que, depois de ti, haverá outro. E outro. E outro. Porque no nosso país, Forquilha, o ciclo nunca termina. E tu, como todos que vieram antes, és apenas mais um nome gravado na longa lista dos que ousaram acreditar que poderiam mudar algo.
E, por isso, desculpa, Forquilha. Desculpa porque, no fundo, já te enforcamos.
Dedos D’eus