Moçambique, que já foi visto como um exemplo de esperança e resiliência em África (chegou a crescer quase a dois dígitos, entre 2002 e 2012), enfrenta um período de estagnação, marcado, em especial, pela fraca industrialização, entrega deficiente de serviços e bens públicos e aumento dos índices de pobreza. O cenário criou um quadro nebuloso, reflectindo a insatisfação popular e a busca urgente por alternativas de liderança política. O futuro do país está em xeque e muitos questionam a viabilidade da ideia de nação promovida pela FRELIMO durante e após um período histórico de luta pela independência.
Para a maioria da população, a governação da FRELIMO foi repetidamente marcada por promessas não cumpridas e uma elite política mais preocupada com a preservação do poder do que com o bem-estar de todos. Os casos de corrupção em altos escalões do governo, como as infames Dívidas Ocultas, a falta de transparência na gestão da coisa pública e a impunidade tornaram o povo céptico em relação a um partido que prometeu progresso, mas entregou, afinal, pobreza. Assim, a FRELIMO deixa de ser vista como salvadora e assume o manto de vilã, de predadora.
A perda de fé na FRELIMO não é apenas uma questão de descontentamento político; ela reflecte uma crise de identidade nacional. O partido, que teve um papel guia na construção da nação, na edificação do então “Homem novo”, de acordo com os ditames da primeira constituição, parece ter perdido a sua conexão com os anseios da população.
As eleições presidenciais de Outubro e a crise política resultante são provas de um eleitorado cansado. Para as vozes da oposição e da sociedade civil, a FRELIMO quer permanecer no poder, não por meio de uma verdadeira vontade popular, mas por meio de práticas que ferem os princípios democráticos que ela mesmo ajudou a instaurar. As comunidades, especialmente as mais afectadas pela falta de educação e saúde (oferecido de forma desigual pelo país), desemprego e pela pobreza, sentem-se abandonadas, alimentando a onda nacional de protestos convocadas por Venâncio Mondlane, que se autoproclama vencedor (e é proclamado “presidente eleito”, contrariando os resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições), que arrasa o país há quase dois meses.
A pergunta que se impõe é: qual é o futuro que se vislumbra para Moçambique?
Por um lado, o mais acertado seria dizer que “Moçambique nunca mais será o mesmo”. Por outro lado, as crises políticas (caracterizadas por protestos populares) nem sempre tiveram os mesmos resultados: em alguns casos, o caos cedeu e o poder vigente manteve-se no poder; na Tunísia, Egipto, Líbia, Líbano e Bolívia, por exemplo, assistiu-se à deposição dos respectivos governos; na Síria, Iraque e Iêmen as manifestações levaram ao surgimento de guerras civis.
A situação de Moçambique é um alerta para a necessidade urgente de reforma e renovação. Para reconstruir a sua confiança no povo, o governo da FRELIMO e os líderes políticos precisam fazer uma reflexão profunda sobre as suas práticas e prioridades de governação. A transparência e a responsabilização devem ser colocadas em primeiro plano, a começar com o que a oposição, a sociedade civil e o povo chamam “reposição da verdade eleitoral”.
A crise política, por sua vez, impõe a necessidade de um novo contrato social, onde o futuro governo (proveniente das deliberações do Conselho Constitucional) não apenas escuta, mas também implementa políticas que atendam às reais necessidades da população. A luta contra a corrupção deve ser uma prioridade, não apenas em discursos, mas em acções concretas que restabeleçam a confiança nas instituições. A definição de um novo modelo de desenvolvimento económico, mais resiliente e inclusivo, é essencial para criar postos de trabalho, reduzir a pobreza e gerir as propensões aos choques, para garantir que todos os moçambicanos possam ter uma vida digna.
A construção de uma coalizão ampla, que inclua vozes da oposição e da sociedade civil, pode ser um passo fundamental para revitalizar a política moçambicana e trazer um novo sentido de unidade nacional (a Frelimo não conseguiu nem almejou criar empatia durante o seu projecto político), principalmente quando o país parece estar à beira de uma fragmentação. A oposição política deve encontrar maneiras eficazes de se articular e apresentar um projecto viável que dialogue com as aspirações do povo. É fundamental que a sociedade civil se fortaleça e busque novos paradigmas de participação política que promovam a transparência, a responsabilidade e a inclusão.
Mas o futuro do país não depende apenas das acções institucionais, mas também da capacidade do povo para se organizar, exigir mudanças e participar activamente da construção de um país mais justo e equitativo.
Ainda que a presente crise exija uma saída local, a participação da comunidade internacional pode proporcionar o suporte necessário para que Moçambique consiga se reerguer. Programas de ajuda focados em desenvolvimento sustentável e em melhorar a transparência nas instituições públicas podem ajudar a restaurar a confiança na governança e a fomentar um crescimento económico que beneficie a todos.
Em suma, poucos ainda acreditam em um “Moçambique da FRELIMO”. O desmoronamento da ideologia “A FRELIMO é que fez, a FRELIMO é que faz” e da credibilidade institucional não é apenas um sinal de crise, mas uma oportunidade para a FRELIMO repensar o futuro, o seu, como organização política, e do país que libertou do jugo colonial. Porém, a construção de um Moçambique mais próspero, mais justo e igualitário requer um compromisso colectivo. A mudança não virá apenas das elites ou dos partidos políticos, mas sim da mobilização da sociedade como um todo.
Pedro João Pereira Lopes