Lá está você, navegando pela perfeição alheia. Fotos de café-da-manhã dignos de revista gourmet, corpos esculpidos em academias que parecem sets de cinema, sorrisos tão brancos que ofuscam a tela. Por um momento, sente que talvez sua vida esteja um pouco… desfasada. Não há smoothie verde na sua mesa, apenas um pão amanhecido e uma xícara de café instantâneo. Mas quem precisa saber disso?
Com o celular em mãos, você prepara o clique do dia: pega aquele livro que comprou há meses e nunca abriu, ajusta a iluminação para o ângulo perfeito e escreve a legenda: “Manhã produtiva com café e boas leituras. Quem mais começa o dia assim?”. A ironia da situação não lhe escapa você nunca passou da página 5 daquele livro. Mas isso não importa, porque na sociedade das aparências, a percepção vale mais que a realidade.
Mais tarde, você sai para encontrar amigos. Ou seriam conhecidos? Na verdade, é difícil dizer, porque o encontro parece mais um evento corporativo. Cada um está armado com seu melhor sorriso falso, trocando histórias ensaiadas sobre suas “grandes conquistas” recentes. Não há espaço para vulnerabilidade ou verdade; a competição por quem tem a vida mais interessante está em pleno andamento.
Alguém menciona uma viagem recente. “Foi incrível!”, diz a pessoa, enquanto desliza o dedo pelo celular para mostrar fotos impecáveis de praias paradisíacas e jantares luxuosos. Você sabe que boa parte daquela viagem foi financiada pelo cartão de crédito, e que o glamour não é bem como parece. Mas quem se importa? O importante é impressionar, e todos na mesa fingem acreditar.
Você sente um peso crescente no peito. O jogo social é cansativo, mas sair dele parece impossível. Afinal, se você não está participando, você está invisível. E ser invisível, na era da exposição, é quase como não existir.
De volta para casa, você se joga no sofá, exausto de um dia vivendo para parecer. O silêncio da noite traz consigo uma onda de questionamentos. Quando foi que tudo começou a girar em torno de uma fachada? Quando foi que você começou a medir seu valor pelos likes, pelas curtidas, pelo número de seguidores?
Você lembra de uma época em que as conexões eram reais, as conversas tinham profundidade e os momentos não precisavam ser fotografados para serem valiosos. Era possível rir até a barriga doer sem se preocupar se alguém estava registando para os Stories. Mas agora, tudo parece uma performance.
Mesmo assim, você não desiste. Como poderia? Amanhã é outro dia, outra chance de impressionar. Afinal, na sociedade das aparências, ser visto é mais importante do que ser. E assim, com o celular na mão e um suspiro resignado, você programa o despertador. Porque, de manhã, o show tem que continuar. (Dedos D’eus)