Assim que a luz da manhã começou a despontar, como se tentasse acordar os sonolentos habitantes, uma onda de choque reverberou nas ruas. Um amigo me ligou, sua voz entrecortada pela incredulidade: nove almas haviam se perdido em um acidente, transformadas em estatísticas em um país onde a vida parece um detalhe, uma linha num papel amarelado. Nove vidas que se esvaíram, como tinta na chuva, num instante, e a calma, essa calma que eu pensava inabalável, se esfacelou.
Mas o que era um dia fatídico não se contentou em se limitar a esse desastre. Ao meio-dia, o sol, cúmplice da tragédia, parecia querer brincar de esconde-esconde com a razão. Um carro, descuidado e desavisado, se apresentou na cena, como um ator em um drama que não compreende. Um pneu furado – ah, o velho truque! E assim, ali estavam os ocupantes, buscando a ajuda dos jovens locais, que, com a curiosidade típica de quem vive à sombra das incertezas, logo apontaram o caminho até um mecânico. Mas a assistência que procuravam logo se tornaria um alerta de perigo.
Na carroceria, seis crianças se escondiam sob plásticos, presas em um mundo de desespero. Fechadas em um túmulo de metal, sufocando entre necessidades não atendidas e silêncios ensurdecedores. O odor da negligência se espalhou como um perfume amargo no ar. Os jovens, por sua vez, ao descobrirem a situação, se viram diante de um dilema moral. “Bandidos!”, murmuraram entre si, como se o próprio medo tivesse se materializado e tomado forma.
Assim começou a sinfonia da revolta. A multidão, ao invés de se dissipar como a poeira que não existe nas estradas asfaltadas, se aglutinou, pulsando como um coração acelerado. A polícia chegou, mas o que é a lei, senão um conceito em meio ao caos? Tentaram acalmar os ânimos, mas suas palavras soavam como ecos vazios em um vale desolado. A tensão cresceu como um balão prestes a estourar, e, em um ato impensado, um tiro rasgou o ar. O destino de um jovem, que apenas passava, se entrelaçou com a fúria alheia, e o vermelho do seu sangue tingiu o alcatrão, uma cor que falava mais que todas as palavras.
E ali, em meio a um festival de gritos e pedras lançadas, a verdadeira face de Munhinga se revelou: uma comunidade que se agita e vibra sob a pressão da injustiça, que se transforma numa tempestade de indignação. A polícia, cercada pela turba, se desmoronou como castelo de cartas; uns abandonaram seus uniformes, outros, feridos, se arrastaram pela terra, enquanto a comandante distrital, em um gesto de desespero, fugia na calada da noite, como um personagem de um conto mal escrito.
O carro do comandante, reluzente como a ilusão de ordem que prometia, foi reduzido a cinzas, um espetáculo de fogo que simboliza mais que uma simples destruição. As casas queimadas e os gritos de um jovem que tentava apaziguar a ira ecoaram nas memórias de quem ficou, como um lamento colectivo de um povo que, mesmo em meio ao caos, busca sua voz.
E, quando a Unidade de Intervenção Rápida chegou, com seu arsenal de gás lacrimogêneo, Munhinga já estava ensaiando a sua própria canção de liberdade, entoando gritos de “Viva Venâncio!” como se aquele nome, entre o alcatrão e a fúria, fosse a salvação. Um dia que prometia ser apenas mais um na rotina serena se tornou um emaranhado de emoções, uma revelação de que, sob a superfície aparentemente tranquila, existe um vulcão pronto para entrar em erupção.
Ah, Munhinga! Como pude pensar que eras apenas calma? Teus habitantes, longe de serem pacatos, são uma força da natureza que, sob a pressão do sofrimento, revela que o silêncio pode ser mais poderoso que qualquer grito. E assim, neste palco onde a vida se desenrola, as lições se acumulam como folhas caídas no chão, esperando a brisa que as leve a novos destinos. (Zacarias Nguenha)