Tudo começou aos 16 anos de idade. Na altura não existiam as máquinas e nem as plataformas electrónicas de apostas que inundam as nossas vilas e cidades. Os jogos eram tradicionais, tudo ao estilo local. Entretanto, movido pela “onda da malta”, acabei mergulhando no mundo dos jogos de azar com tudo. Certas vezes ganhava e outras vezes perdia. Já cheguei a perder toda roupa que vestia num embate. Já cheguei a esvaziar o celeiro dos velhos em busca de sorte nos jogos. O vício foi aumentando e o tempo passando, até que um dia algo inesperado aconteceu!
Corria o ano 2000, em Pebane, a “team dos mugundeiros” crescia, associado às práticas locais em que muitos jovens se transformavam em pescadores ou zeladores de grandes hectares de plantios de coqueiros e mangueiras, a outra grande ocupação que atraia vários jovens eram os jogos de azar, dada a facilidade de numa só jogada conseguires amealhar um bom valor ou vires a perder tudo.
Infelizmente, houve um período em que eu não tinha adversário na vila. Todos aqueles que jogavam contra mim saiam derrotados e humilhados. Em todos os pontos de jogo da vila já era bastante conhecido – batia a todos!
E foi nesta maré de fama que viria a cometer o meu maior pecado na terra. Naquele dia, eu estava empolgado com as vitórias que estava a amealhar. Infelizmente, foi neste dia que o meu pai Albino Sotomane viria a perder a vida. Informado sobre a situação abandonei tudo e recolhi-me para casa. Sucede que como filho mais velho de casa, fui incumbido a missão de organizar o funeral que deveria ser naquele mesmo dia devido a religião que o pai e a família professavam – Islão.
Preocupado e triste, saí de casa pendurado numa bicicleta da marca Hiero, em direcção à zona nobre do distrito, onde existiam as lojas que vendiam o tecido branco apropriado para a realização dos funerais na religião Islâmica. Na ocasião, enquanto pedalava, deparei-me com um grande movimento de jogadores e de grandes apostas. O que não sabia naquele dia é que um dos jogadores era um homem que nunca havia perdido na sua cidade de origem: Cidade de Nacala-Porto.
Viciado. Parei e pensei que poderia fazer dois jogos e depois poderia seguir para a loja adquirir o tecido e voltar há tempo. Sucede que foi neste momento, onde comecei a jogar e logo na primeira jogada perdi tudo que havia ganho em uma semana de sucessivas vitórias – afinal, as apostas eram altas e os jogadores eram doutro nível. Neste sentido, com vista a recuperar o que havia perdido, decide colocar o dinheiro que tinha sido dado para comprar o tecido para o funeral do pai na mesa de jogo, acreditando que iria recuperar o que tinha perdido – debalde, voltei a perder.
Furioso. Coloquei a bicicleta na aposta – perdi. Sem meios, decide apostar com a roupa e os sapatos que trazia no corpo, por mais uma vez, perdi. Enquanto isso acontecia, as pessoas aguardavam pelo meu regresso, uma vez que o tecido era fundamental para que as cerimónias fúnebres do meu acontecessem. Sem meios, despido e derrotado, não tinha condições para regressar a casa e como solução, fiquei escondido numa mangueira até que o sol desse lugar à escuridão da noite. Arrependido e zombado pela família, só consegui caminhar até a residência de um amigo que decidiu emprestar-me uma batina para que pudesse voltar para casa e explicar-me, mas já era tarde!
Afinal a informação sobre o sucedido já havia vazado e as pessoas não esperaram por mim. O que fizeram é que os líderes religiosos foram ao baú da Mesquita, retiraram um tecido e realizaram o funeral sem a minha presença, deixando-me para sempre na amargura e desgraçado, como aquele filho que desonrou o pai no “último adeus” e nunca mais mereceu qualquer respeito e nem perdão da família, deixando evidente que de facto, “somos escravos das nossas escolhas e decisões”. (Omardine Omar)
N.B: Nomes fictícios, mas história real.