Por: Mui Woothaceria
O episódio, segundo relatos, ocorreu à noite, por volta das 18h, aparentemente depois da oração do Sualat, um momento sagrado para os crentes muçulmanos. Os insurgentes entraram na mesquita, encontraram os fiéis reunidos e começaram a discursar, invocando o nome de Allah e reforçando a narrativa de que “apenas Ele deve ser seguido e reverenciado”.
Mas o mais surpreendente é o cenário em volta: enquanto os pregadores da violência falavam, muitos dos presentes filmavam tudo com os seus próprios telemóveis, como se o momento tivesse recebido algum tipo de permissão tácita. Nenhum sinal de pânico, nenhuma intervenção. Um ambiente de calma desconcertante, como se a presença dos terroristas já não fosse uma anomalia, mas parte do quotidiano.
É evidente que eles quiseram mandar uma mensagem, e mandaram. Uma mensagem de desafio, de demonstração de poder e, sobretudo, de presença. Quiseram provar que ainda podem surgir no coração de um distrito considerado “libertado”, falar ao povo e sair sem resistência.
E essa mensagem não foi apenas para os crentes dentro da mesquita. Foi para o Estado moçambicano, para as forças de defesa e segurança, e para toda a nação.
A pergunta que se impõe é inevitável: onde estavam as forças armadas?
Como é possível que, num distrito com forte presença militar, um grupo de homens armados entre, pregue e se retire sem qualquer interferência?
Pode-se argumentar que eles “não fizeram nenhum mal” naquele momento. Mas o verdadeiro mal talvez tenha sido o símbolo deixado: o da impunidade e da vulnerabilidade. Quando os terroristas podem falar à vontade e sair ilesos, o silêncio das armas soa como cumplicidade involuntária, ou, pior, como fragilidade.
O discurso radical proferido na mesquita é o mesmo de sempre: Allah como o único a ser seguido. Mas é impossível não questionar, que Allah é esse que autoriza a matança de inocentes, a destruição de vilas inteiras e o estupro de mulheres indefesas? Que fé é essa que se alimenta do sangue do povo?
A verdade é que a religião tem sido usada como escudo ideológico de uma agenda muito mais sombria, política, económica ou estratégica, e não espiritual.
O que se passou naquela noite não foi apenas um encontro religioso distorcido; foi uma demonstração de força simbólica.
Os terroristas mostraram que ainda estão entre nós, que conhecem os nossos ritmos, os nossos medos e, pior, os nossos silêncios.
Os grupos armados que, mesmo em minoria, parecem ter conquistado o poder psicológico de aparecer e desaparecer à vontade. Será?
O episódio da mesquita revela mais do que uma falha de segurança; revela uma perigosa normalização do anormal por parte da população.
E quando o anormal se torna rotina, o Estado precisa parar, olhar para dentro e refazer o seu próprio conceito de “libertação”.
Em Mocímboa da Praia, a noite em que os terroristas falaram à vontade dentro de uma mesquita não foi apenas mais um acontecimento. Foi um espelho daquilo que ainda não queremos admitir: o conflito continua vivo, silencioso e, muitas vezes, à vista de todos.
O país precisa de respostas, não de justificações vagas, mas de acções concretas, coerentes e transparentes.
Porque nós o povo de Cabo Delgado, cansados de promessas, merecemos mais do que silêncio: merecemos segurança, verdade e dignidade.
Art. 48 (CRM)