“Estamos abandonados por quem nos governa”, disse a fonte. Até ao momento, apenas quatro ONGs foram vistas a prestar algum tipo de assistência humanitária. Foi montado um pequeno centro de saúde improvisado, erguidas tendas num campo vazio e, numa Sexta-feira recente, construídas cerca de 20 latrinas. É pouco. É insuficiente. E é indigno para pessoas que já perderam tudo. Nas primeiras semanas após a chegada dos deslocados, houve alguma distribuição de alimentos. Depois, o silêncio. Hoje, os mais corajosos regressam às suas antigas casas, em zonas ainda instáveis, para buscar o que restou: milho, panelas, roupas. Alguns a descrevem o gesto como ir roubar o que é nosso.
Segurança simbólica: um carro, cinco agentes
A chamada presença do Estado resume-se, segundo testemunhos, a um veículo Mahindra com cinco agentes da Unidade de Intervenção Rápida. Nenhum posto policial funcional. Nenhum chefe do posto. Nenhum representante visível do governo local. Desde 25 de Dezembro de 2024, Alua não tem posto policial activo.
“Aqui não há autoridade. Há apenas sobrevivência desde as manifestações do ano passado”, resume um morador. Alua, um corredor silencioso da droga, mas o drama vai além dos deslocados. Alua transformou-se num corredor de drogas, denunciam várias fontes locais. A droga circula à luz do dia, sem disfarces.
Makha em abundância
Uma droga branca, fina, conhecida localmente como “makha”. Consumo directo ou misturado em refrigerantes como Fizz e Frozy, ou mesmo na cerveja, ou cabanga. Os fornecedores, segundo apuramos, são jovens conhecidos da comunidade, rapazes que muitos viram crescer. A droga, dizem, vem de Nacala, rota antiga e conhecida do narcotráfico costeiro.
“Os jovens estão ficando malucos. Aquilo já está influenciando alguns jovens deslocados. Estão a consumir. Isto é sério e muito triste. Eles consomem afogar os traumas da guerra e o abandono total do Estado”, alerta a fonte.
Até agora, somente os vendedores de rua são conhecidos. Os grandes fornecedores continuam invisíveis, protegidos pelo silêncio e pela ausência do Estado.
Moradores relatam jovens completamente viciados, com comportamentos erráticos, surtos de agressividade, perda de memória, paranóia e sinais claros de alteração psicológica severa. Alguns falam sozinhos. Outros andam dias sem dormir. Há quem já não reconheça familiares.
“Os jovens estão ficando malucos. A droga está tirando-lhes a cabeça”, relata uma fonte local.
A metanfetamina age rápido e destrói depressa. Em Alua, não há acompanhamento psicológico, não há centros de reabilitação, não há campanhas de prevenção. O resultado é uma juventude abandonada ao vício, num território onde o Estado se ausentou e a droga ocupou o lugar.
Prostituição e exploração no coração da crise
Outro fenómeno cresce no mesmo espaço de vulnerabilidade: a prostituição, inclusive envolvendo jovens de famílias deslocadas. As propostas são directas, cruas, desesperadas.
“Uma jovem saudou-me e perguntou: ‘não queres? São só 150 meticais”, relata a fonte.
O local? O mercado, próximo do ponto onde se vende cabanga na vila de Alua, e onde a makha circula em grandes quantidades. Algumas lonas montadas na área são atribuídas, aparentemente, a guardas. Mas, segundo testemunhos, ali faz-se serviço adulto. Convites são feitos abertamente. A linha entre protecção e exploração dissolve-se perigosamente. A prostituição é feita também por mulheres e raparigas deslocadas de guerra. Muitas meninas, menores de idade, se vendem em busca de sobrevivência.
A verdade incómoda
Alua não é um caso isolado. É um espelho ampliado de um país onde: deslocados fogem da guerra para cair no abandono, a droga ocupa o espaço deixado pelo Estado, jovens vendem veneno para sobreviver, mulheres e adolescentes trocam o corpo por comida ou dinheiro, a polícia surge apenas para reprimir, e depois desaparece. (INTEGRITY)







