Nas próximas eleições autárquicas e gerais, caso existamos, e as instituições do Estado domesticadas pela Frelimo permitirem serem independentes, a grande disputa será inevitavelmente entre a velha senhora do poder, a Frelimo, e o recém-criado a donzela a, mas barulhenta e excitante lubrificadora ANA-MOLA. Alguns dizem, com convicção quase religiosa de Ave Maria: “Por mais que existam muitos partidos, a Frelimo sempre será o partido do povo moçambicano.” Dizem que é organizada, dizem que luta pela causa do povo, e governa desde sempre e governará até ao fim do mundo. São vozes de veteranos que repetem discursos precosónicos, embalando gerações com a ideia de eternidade. Dizem ainda que não teme por nascer uma nova senhora que possa levar a madame a novata Moçambique.
Por John Kanumbo
Não há mais dúvida: é com a Frelimo que muitos moçambicanos se acostumaram a viver. Desde 1962, o partido é visto como o poder, Deus o eterno, a constante presença na vida política do país. Para alguns, o voto na Frelimo tornou-se quase um ritual de sobrevivência, uma certeza de continuidade até ao fim do mundo assim os veteros rezam nos seus discursos precosónicos. E para outros, é prisão.
Mas, analisando com rigor, friamente, percebemos a outra verdade: a sorte da Frelimo não é sua organização, nem sua ideologia em si; é a UIR, PRM, que dispara contra cidadãos, CNE, e o Conselho Constitucional que mata votos antes de nascerem. Sem essas instituições que servem de escudo, a Frelimo seria um adversário fraco, vulnerável ao próprio desgaste do tempo, pois essas instituições garantem a vitória mesmo quando o adversário é forte. Sem esses cães de guarda, a Frelimo seria ainda um partido cansado, vivendo mais da memória do passado do que da força do presente. A democracia, assim, torna-se teatro, e o palco está viciado.
Contudo, também não sejamos ingênuos, esta lógica de ganhar ANA não serve para todos os municípios e Moçambique em geral. A Moça ANA-MOLA ainda engatinha. Ainda não tem bases, e bases políticas não se constroem de um dia para o outro. Mas a política é dinâmica e imprevisível. Basta um estalar de dedos da consciência popular para que a surpresa aconteça.
Tomemos exemplo de Mueda e outros lugares recôndidas: aqui, a Frelimo sempre vence. Mas será suficiente viver sempre da sombra de vitórias antigas? A velha Frelimo continuará nesses lugares a vencer facilmente, porque o terreno é fértil para o partido, porque as estruturas locais estão presas à máquina estatal, porque o povo já se acostumou a viver com a mesma bandeira. O que se deve fazer para nova Moça ANA-MOLA, é mobilizar já, neste tempo, antes da campanha, apresentar projectos, mostrar ideias, descer até às zonas mais recôndidas. Política não se ganha só com símbolos, mas com propostas e proximidade.
Mas também antes de lançarmos insultos, perguntemos a Moça ANAMOLA. Existe formalidade? Haverá Boletim da República com as indicações legais? Quem decide e como será colocada esta estrutura? CC, CNE, STAE ou Ministério de Justiça? Tudo indica que a Luta se prepara, bem equipada, organizada, com jovens a gritarem e velhos nas salas a decidirem. Por fora, a aparência é de novidade; por dentro, os vícios antigos embora digam “provisória”. Mas o mundo político moçambicano em estado embrionário adora surpresas — e talvez a Frelimo seja a primeira a sentir o choque. E, no meio disso tudo, ANAMOLA sobreviverá? Mas será que o povo acredita nele? Ou será que a sobrevivência do projecto é apenas mais uma cortina de fumaça, um símbolo de uma política distante das necessidades reais do cidadão comum? E a Frelimo, isto é, com às suas instituições instituídas…ditaram ou ainda assinalará fogo e enxofre?
E aqui surge a grande questão: os partidos moçambicanos querem realmente governar ou querem apenas comer? Porque o que temos visto é barulho durante as campanhas, promessas inflamadas nos palanques, e, depois da vitória ou da derrota, silêncio total. Cada uma volta para sua vida, cada família diz: “Nós já conseguimos o que queríamos”, e o povo fica entregue ao abandono.
Muitos partidos nasceram sob o sol ardente de Moçambique, com ideias emblemáticas, com promessas de mudança. Mas a maioria morreu de sede antes de chegar à sombra, porque não sabiam como sobreviver à voracidade da máquina do poder. Outros foram infiltrados, corrompidos, transformados em meros satélites da Frelimo.
Eu conheço a história política da África. Do Cairo à Cidade do Cabo, de Argel a Maputo, o que vejo é sempre a mesma luta: sobrevivência. Partidos que se dizem libertadores acabam como máquinas de opressão. Movimentos de resistência acabam como elites predadoras. E o povo continua o mesmo: trabalhando, sofrendo, morrendo, esperando por justiça. E Venâncio mostrou-nos que é possível lutar, mas a sua luta ficou amarrada ao partido. Ele devia fundar um movimento cidadão, livre de amarras, que fosse apenas a voz do povo. Já é diferente. Ele é partidário. É isso que falta em Moçambique: termos cidadãos independentes, patriotas sem partido, escudos que defendam o povo.
A política moçambicana está num momento decisivo: ou continuamos no círculo vicioso do poder eterno, ou abrimos espaço para uma verdadeira luta democrática. A Velha Frelimo tem a força da máquina. A Moça ANAMOLA tem a força da novidade. Uma ainda é prisão; outra ainda é promessa. Mas a verdadeira disputa será sempre esta: a do poder armado contra o poder do povo. E no fim, será sempre o povo quem deve decidir se prefere viver eternamente na prisão do mesmo velho partido ou arriscar a liberdade de um novo horizonte. E a pergunta que fica, meus caros: teremos eleições ou teremos apenas mais um ritual de obediência? Teremos patriotismo ou apenas sobrevivência disfarçada de política? Teremos mudança ou apenas repetição de promessas recicladas?
É por isso que, como disse Muchanga, só haverá verdadeira mudança quando forem chamados aqueles que deram peito às balas, aqueles que perderam emprego porque não quiseram se curvar ao partido no poder, aqueles cujo patriotismo não se mede em carteirinhas de filiação, mas no compromisso de defender o povo. O patriotismo deve vir em primeiro lugar; o resto depois. Moçambique vive este paradoxo: um partido que é a história, o presente e talvez o futuro; um povo que sofre, questiona e resiste; e uma administração que oscila entre a incompetência e a indiferença. Filosoficamente, poderíamos dizer que aqui reside o eterno dilema do poder: governar com autoridade ou governar com justiça. O povo ainda observa, ainda pensa, ainda vota. Mas a consciência crítica não pode ser silenciada.






