Por Álvaro Fausto Taruma
A repercussão do artigo gerou reacções intensas entre os escritores, o que me levou a reflectir sobre o papel do escritor e, consequentemente, a considerar quem poderiam ser os 10 escritores mais influentes da última década (2014-2024). A escolha deste período remonta à publicação dos livros inaugurais e significativos dos escritores do movimento Kuphaluxa. Esse movimento introduziu uma dinâmica diferente na literatura moçambicana, abrindo portas para mais e melhores publicações e a democratização do espaço literário moçambicano, afastando-se da centralidade e controle velados exercidos por certas instituições e editoras conservadoras e elitistas.
Este movimento ganhou força com a publicação de então jovens escritores como Nelson Lineu, Japone Arijuane e, antes deles, Eduardo Quive ou Amosse Mucavele, membros fundadores do Kuphaluxa. Eles também trouxeram para o seu círculo escritores que se tornariam importantes no futuro, como Hirondina Joshua, Pedro Pereira Lopes, Mauro Brito, Celso Celestino Cossa e Mélio Tinga. Nesse período, além dos escritores que já haviam alcançado reconhecimento, como João Paulo Borges Coelho, Paulina Chiziane, Mia Couto e Ungulani Ba Ka Khosa, autores como Mbate Pedro, Adelino Timóteo, Lucílio Manjate, Sangare Okapi e Hélder Faife continuavam a produzir e a ser relevantes, passando a tocha para os mais novos.
Dez anos se passaram desde então, e agora gostaria de apresentar os escritores que, em minha opinião, representam a nata da jovem literatura moçambicana actual, excluindo por razões subjetivas escritores que já vinham produzindo no mínimo desde a década de 90 do século passado, mas que ainda são extremamente relevantes, como Paulina Chiziane, Mia Couto e outros, assim como escritores que, embora ainda influentes, tais como Adelino Timóteo, Lucílio Manjate, Bento Balói ou Mbate Pedro, não podem ser considerados jovens. Outrossim, este artigo está focado em escritores que começaram a publicar a partir de 2014, exceptuando-se um ou outro que tenha obra anterior a esse período, embora se enquadre na categoria “jovem”.
Em primeiro lugar, é importante definir o que ou quem podemos considerar um escritor influente. Um escritor influente é aquele cujo trabalho impacta significativamente a literatura, cultura e sociedade. Sua originalidade e criatividade destacam-se ao introduzir novas ideias, estilos literários ou abordagens temáticas únicas. Recebem reconhecimento crítico através de prémios literários, críticas positivas e inclusão em currículos académicos. Além disso, alcançam uma ampla audiência, com vendas de livros, traduções para diferentes idiomas ou adaptações para outros meios ou expressões artísticas. As suas obras frequentemente abordam questões culturais e sociais relevantes, desafiando normas e influenciando debates públicos. Para além disso, envolvem-se activamente na comunidade literária e colaboram com outros escritores, festivais e organizações culturais. É importante considerar, no entanto, que a influência de um escritor varia conforme o contexto cultural e histórico. Enquanto pode ser altamente influente em uma região, pode não ser tão reconhecido em outras. A sua influência pode manifestar-se em diferentes áreas, como literatura, política, educação ou cultura popular.
Embora este artigo não tenha nenhum intuito académico e se baseie em meras observações do autor, sem pretensões científicas, nem argumentos inquestionáveis, tem por objectivo mostrar a relevância do escritor na construção de um ambiente cultural vibrante e democrático e justificar sua relevância como um actor a ser considerado no cenário cultural e artístico moçambicano. Para essa construção, foram observados critérios como a contribuição literária, relevância temática, impacto social e cultural, reconhecimento internacional, inovação estilística, engajamento com a comunidade literária, recepção crítica e contexto histórico e político. É claro que uns têm mais valor em alguns critérios do que outros. Vamos à lista:
ÉNIA LIPANGA
Énia Lipanga é uma figura influente na cena literária em Moçambique, actuando como poetisa, activista e agitadora cultural. O seu trabalho aborda temas como amor, género e inclusão, reflectindo o seu compromisso com questões sociais e culturais. Em 2020, lançou “Sonolência e Alguns Rabiscos”, o primeiro livro de poesia em braille do país, demonstrando a sua preocupação com a acessibilidade e inclusão. Além da sua arte, Lipanga é conhecida por seu activismo em prol dos direitos das mulheres, saúde e inclusão cultural. Como membro do grupo Revolução Feminina e fundadora do projeto “Palavras são palavras”, ela usa a música e a literatura para empoderar mulheres e promover inclusão. O seu estilo “Pop Art” atrai uma ampla base de fãs e leitores, enquanto a sua dedicação à representatividade e diversidade a estabelece como uma das figuras literárias mais influentes de Moçambique. O seu trabalho tem vindo a consolidar um legado significativo na literatura, cultura e sociedade urbanas periurbanas de Moçambique.
MÉLIO TINGA
Mélio Tinga é uma figura multifacetada na cena cultural de Moçambique, cujo impacto abrange desde o empreendedorismo até à inovação literária. Como designer de comunicação, escritor e empreendedor, ele desempenha diversos papéis-chave na promoção da cultura e da literatura. No campo literário, Mélio Tinga é uma voz proeminente, tanto como escritor quanto como promotor da literatura moçambicana. Destaca-se em seu currículo a sua vitória na 4.ª edição do Prémio Imprensa Nacional/Eugénio Lisboa em 2020, resultado do livro Marizza. Como co-fundador da Catalogus e do Mapa Literário de Moçambique, ele oferece visibilidade a outros talentos literários do país. A sua abordagem inovadora e experimental na literatura é evidente em seus livros, onde introduz novas técnicas narrativas e explora diversos géneros literários. Esta dedicação à experimentação não apenas enriquece a literatura moçambicana, mas também inspira outros escritores a explorarem novos caminhos criativos.
AMOSSE MUCAVELE
O impacto de Amosse Mucavele estende-se além das fronteiras do país, influenciando diversas comunidades ao redor do mundo lusófono. Como poeta, curador de festivais literários e jornalista cultural, ele desempenha um papel crucial na promoção da literatura moçambicana e na integração cultural entre diferentes países de língua portuguesa. Além disso, as suas obras, como “Pedagogia da Ausência”, exploram temas relevantes e estimulam discussões sobre a sociedade e a identidade moçambicana. Amosse Mucavele também desempenha um papel activo na promoção da educação por meio da literatura, participando de debates e feiras de livros para disseminar o conhecimento literário e incentivar o hábito da leitura entre os jovens. A sua poesia frequentemente discute a cidade como um espaço de transformação e conflito. Recentemente, foi nomeado coordenador editorial da editora Índico, onde se espera que continue a influenciar positivamente a cena literária de Moçambique, deixando um legado significativo e inspirando as gerações futuras de escritores e leitores.
DANY WAMBIRE
Dany Wambire emergiu como uma figura central na cena literária nacional, cujo impacto vai além de suas próprias obras, estendendo-se ao trabalho cultural e editorial que realiza. Além de suas realizações como autor, Dany Wambire é reconhecido pelo seu papel como editor e promotor cultural. Através da Fundza, uma editora que fundou, ele busca dar oportunidade e visibilidade a novos escritores moçambicanos. A sua dedicação à literatura infantil também é evidente, coordenando projectos e festivais dedicados a esse género literário. No âmbito do activismo e engajamento cultural, Dany Wambire desempenha um papel significativo como coordenador de iniciativas que dão voz à criança, contribuindo para a representatividade e diversidade na literatura moçambicana. O seu impacto social e cultural é notório na cidade da Beira, e não só, através da livraria Fundza, onde está a popularizar o livro e a promover o acesso à leitura. Com o seu trabalho e compromisso com a promoção da literatura moçambicana, Dany Wambire deixa um legado significativo, inspirando gerações futuras de escritores e leitores.
PEDRO PEREIRA LOPES
Pedro Pereira Lopes é um exímio contador de histórias, romancista, poeta e fundador de iniciativas literárias importantes, como a Gala-Gala edições e antes disso o blog Lidilisha. O seu trabalho consistente e o seu apuramento da linguagem deixam um impacto significativo na literatura e na sociedade moçambicana. Os seus livros receberam reconhecimento crítico e comercial, com prémios nacionais e internacionais como o Prémio Lusofonia, Município de Trofa, Prémio Maria Odete de Jesus, Prémio Imprensa Nacional/Eugénio Lisboa e várias menções honrosas. Pedro Pereira Lopes é notável por sua inovação e colaborações com outros artistas, como Chico António e Armando Artur. Finalista do Prémio Oceanos em 2022, ele é também incentivador da leitura em Moçambique. A sua editora Gala-Gala é uma das que mais crescem e mais relevância ganha no país.
LINO MUKURUZA
Lino Mukuruza deixou uma marca significativa no cenário literário de Moçambique não sobretudo por suas obras, mas principalmente por seu engajamento na promoção da leitura e educação. Como fundador do Clube de Leitura de Angoche (CLA), ele lutou incansavelmente para disseminar o hábito da leitura entre os jovens. Esse compromisso o levou a coordenar o Clube de Leitura de Quelimane (CLQ), onde continua a sua missão de promover a leitura e divulgar outros autores moçambicanos. O legado de Mukuruza vai além de sua própria escrita, pois seu activismo literário tem o potencial de inspirar futuras gerações de escritores e leitores, especialmente na região norte de Moçambique. Assim, ele se destaca não apenas como um talentoso escritor, mas também como um apaixonado defensor da educação e da literatura em sua comunidade e além dela.
SÉRGIO RAIMUNDO
Sérgio Raimundo desponta como uma figura proeminente no cenário literário de Moçambique e além, destacando-se por suas notáveis conquistas e o seu compromisso evidente com a escrita como instrumento de engajamento social e cultural. O seu impacto literário é inegável, tendo recebido prémios como o Prémio de Slam Poetry em Moçambique, o Prémio Literário INCM/Eugénio Lisboa em Portugal e o Prémio Africano de Imprensa Escrita da Merck Foundation no Quênia. Além disso, as suas obras são amplamente reconhecidas pela crítica e pelo público, como evidenciado pelo recorde de vendas alcançado com o seu livro “As Ancas do Camarada Chefe”. Sérgio Raimundo também se destaca por seu engajamento social e cultural, defendendo a literatura como uma ferramenta de mobilização e protesto social. A sua visão da escrita como meio de retratar a realidade social e política reflecte um profundo compromisso com a transformação da sociedade por meio da arte. A suas obras abordam questões sensíveis e controversas, provocando debates importantes sobre liberdade de expressão e democracia.
EDUARDO QUIVE
Eduardo Quive, embora com uma bibliografia modesta, é um escritor de referência em Moçambique. Como escritor, jornalista, produtor e programador cultural, Quive abraça uma variedade de papéis que enriquecem a cena cultural de Moçambique. Os seus trabalhos foram publicados em antologias em Moçambique, Brasil e Itália, e sua colaboração no livro “Brasil & África-Laços Poéticos” e co-organização de várias coletâneas, como “Contos e Crónicas para Ler em Casa” e “O Abismo aos Pés”, demonstram a sua versatilidade e influência no cenário literário. Ao abordar questões sociais de forma acessível e incorporar o amor como tema central, Quive destaca-se por sua capacidade de capturar a essência da vida nos subúrbios e transmiti-la através da sua escrita. O seu trabalho reflecte uma sensibilidade única para os desafios enfrentados pela sociedade, enquanto celebra a resiliência e a humanidade em meio às adversidades. Como um dos fundadores e dirigentes do movimento Kuphaluxa e ex-director e coordenador da revista literária Literatas, ele desempenha um papel fundamental na ampliação do alcance e da visibilidade da literatura moçambicana.
HIRONDINA JOSHUA
Hirondina Joshua, renomada poeta, prosadora e jurista moçambicana, destaca-se não apenas pelo seu talento literário, mas também por seu impacto cultural que a confere como uma poetisa singular. Os seus trabalhos, como “Os Ângulos da Casa” ou “Córtex” não apenas receberam reconhecimento crítico, mas também foram traduzidos para outros idiomas e adaptados para outras formas artísticas, como peças de dança moderna. Sua participação em festivais literários de prestígio, como o Festival Internacional do Livro de Edimburgo e o Festival Internacional de Poesia de Barcelona, demonstra A sua relevância e alcance global. Além disso, A sua contribuição para antologias e obras colectivas, tanto em Moçambique quanto no exterior, amplia a sua influência e presença na cena literária internacional. A sua abordagem inovadora e experimental na poesia a distingue como uma autora criativa, sendo objecto de estudo crítico, especialmente no Brasil, onde é reconhecida como uma das vozes mais distintas da literatura contemporânea moçambicana.
VIRGÍLIA FERRÃO
Virgília Ferrão é uma escritora e jurista moçambicana reconhecida por suas obras literárias, como “Sina de Aruanda” (vencedor do Prémio 10 de Novembro), “Romeo é Xingondo e a Julieta Machangana” e “O Inspector de Xindzimila”. Através de suas narrativas, Ferrão aborda questões sociais, políticas e culturais profundas, explorando temas como diversidade étnica, conflitos familiares, amor e identidade. Sua habilidade de trazer à tona tais questões enquanto explora a riqueza linguística e cultural de Moçambique contribui para moldar a identidade e a consciência colectiva do país. Os seus romances são elogiados por ressignificar obras clássicas, como “Romeu e Julieta”, inserindo-as em um contexto moçambicano contemporâneo e enriquecendo o cenário literário do país. Além de sua produção literária, Ferrão destaca-se por seu activismo na promoção da literatura moçambicana. Como impulsionadora do romance policial, da ficção científica e do realismo mágico em Moçambique, ela abre espaço para novos talentos e géneros literários, ampliando as fronteiras da literatura nacional. A antologia “Espíritos Quânticos” exemplifica a sua dedicação em dar voz a uma variedade de autores e estilos literários.