O sentimento foi manifestado no nono painel da Conferência Nacional sobre os 30 Anos da Democracia Eleitoral, que debateu o tema “Contributo dos Partidos Políticos para Eleições Pacíficas e Íntegras”, os representantes das diversas forças políticas não pouparam críticas aos órgãos de gestão eleitoral e à falta de consciência cívica, defendendo a urgência de reformas estruturais e comportamentais profundas.
Os intervenientes, representando a FRELIMO, ANAMOLA, RENAMO, PODEMOS, Nova Democracia e MDM, divergiram nos caminhos, mas convergiram no diagnóstico de que a paz nos processos eleitorais é uma consequência da sua integridade, e esta tem falhado de forma sistemática e violenta.
A solução por eles apontada passa por resgatar a política para as pessoas e despolitizar os mecanismos de justiça eleitoral.
Em meio as intervenções de autocrítica e apelos a reformas estruturais, as formações políticas sublinharam a percepção de que a realização cíclica de eleições não tem sido sinónimo de aprofundamento democrático, exigindo uma mudança urgente de paradigma.
ANAMOLA defende a urgência da conscientização e a crítica ao sistema
Um ponto de convergência entre as diferentes formações políticas foi a necessidade de aumentar a conscientização da população sobre o significado da democracia e do voto. Dinis Tivane, porta-voz do ANAMOLA, defendeu que a base do problema reside no desconhecimento dos conceitos fundamentais por parte dos intervenientes no processo.
“Eu acho deveríamos aqui ter uma plateia de professores e não de políticos” afirmou, sugerindo que o foco deveria estar na educação. Tivane criticou o facto de eleitores e mesmo membros das mesas de voto não terem consciência das consequências dos seus actos, como a fraude.
“Se elas percebessem das consequências imediatas que as suas acções têm sobre as suas próprias vidas, elas não fariam. Então, as manipulações advêm exactamente da cegueira,” realçou o porta-voz do ANAMOLA, defendendo que o maior ganho do seu partido tem sido a “consciencialização da população.”
RENAMO denúncia fraude e a necessidade de integridade
O tema da integridade eleitoral foi central, com o representante da RENAMO, José Manteigas, a descrever o percurso eleitoral de 1994 em diante como assente em “fraudes cada vez mais sofisticados e violentos arquitecturados pelos órgãos da administração eleitoral com a Polícia da República de Moçambique.”
Manteigas mencionou a manipulação do recenseamento eleitoral e o uso ilegal dos meios do Estado pelo partido no poder.
Manteigas afirmou que o slogan “eleições livres, justas e transparentes foi um mero discurso de distracção”, e alertou “enquanto não tivermos pessoas íntegras no STAE, na CNE e no Conselho Constitucional, nunca teremos eleições livres, justas e transparentes”. Para a RENAMO, a solução passa pelo “cumprimento escrupuloso da lei”, “boa-fé das partes”, e um “compromisso político genuíno” para permitir a alternância governativa.
PODEMOS e Nova Democracia apelam à independência e ao diálogo inclusivo
Sebastião Mussanhane, representante do PODEMOS e Lucas Pumbal, da Nova Democracia, convergiram na crítica à captura dos órgãos de gestão eleitoral e na defesa de um Diálogo Nacional Inclusivo. O PODEMOS salientou que a “democracia fantoche” tem reinado, com um “imperialismo sofisticado” onde um grupo se apoderou do poder.
Para o PODEMOS, a mudança prioritária passa por tornar os órgãos de gestão eleitoral independentes. “Precisamos tirar os partidos políticos da gestão, ou seja, das instituições de gestão eleitoral. Porque é desse jeito que minam a credibilidade dos processos eleitorais”, frisou o seu representante.
A Nova Democracia fez eco a esta crítica, com Lucas Pumbal a afirmar que a pacificidade é uma “consequência da integridade” e que não são os partidos políticos, mas sim os órgãos de administração e justiça eleitoral, que devem garantir a lisura. O partido defende que estes órgãos estão “capturados” e, por isso, a sua “configuração ou os moldes… não podem permanecer.
MDM luta pela representatividade e o foco no povo
Por sua vez, Laizia Guambe, representante do MDM e única mulher no painel, defendeu a contínua luta pela democracia e pela fiscalização dos processos, reiterando o compromisso do seu partido com a educação cívica para evitar “movimentos emocionados”.
Guambe apontou a questão da representatividade nos órgãos de gestão eleitoral, questionando a liderança exclusiva do partido no poder, e criticou a dificuldade na implementação das leis, os quais são frequentemente bem desenhadas, mas falham na prática.
“Há uma necessidade no nosso ponto de vista de tirar aquilo que é plano, aquilo estratégia para a realidade” disse a representante do MDM, que fez um apelo à ética. “Nós, como instituições de governo, como partidos políticos, nós existimos para fazer o bem para o povo, para cuidar do povo”.
FRELIMO define integridade eleitoral como um ecossistema de confiança
O porta-voz da FRELIMO, Pedro Guiliche, iniciou a intervenção com um profundo sentido de responsabilidade histórica, evocando o longo percurso de Moçambique da guerra à arena multipartidária.
Guiliche reconheceu que, apesar das “conquistas notáveis”, o país enfrenta “desafios persistentes” que levam os processos eleitorais a terminarem em divergências, questionando a razão pela qual este fenómeno ocorre no contexto moçambicano.
O partido no poder enfatizou que a democracia é um “organismo vivo” que precisa de ser nutrido e ajustado constantemente, e não um “monumento” a ser celebrado de forma acrítica.
A FRELIMO definiu a integridade e credibilidade eleitoral como algo que vai além de “meros atributos técnicos ou legais”, tratando-se de um “ecossistema de confiança” e uma arquitectura complexa.
Segundo Guiliche, este ecossistema depende de três pilares fundamentais que têm nos partidos políticos o seu “ingrediente central”, a robustez das instituições, a maturidade dos actores políticos e a coesão do tecido social. Para o partido, a negligência de qualquer um destes pilares “ameaça a estrutura inteira com o colapso”. (Ekibal Seda)