Galp decidiu abrir um processo de arbitragem internacional para resolver um diferendo com o Estado de Moçambique e tentar evitar ter de pagar dezenas de milhões de euros de imposto sobre as mais-valias obtidas com a venda da sua participação de 10% no consórcio que explora a Área 4 da bacia de Rovuma, no litoral Norte de Moçambique. A operação de venda foi anunciada em maio de 2024 e concluída em março de 2025, mas a forma como Maputo quer taxar os ganhos não agrada à empresa portuguesa.
Num comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) divulgado esta terça-feira, a petrolífera portuguesa revela que a arbitragem internacional será o caminho a seguir.
“A Galp notificou formalmente o Estado de Moçambique de uma disputa ao abrigo da proteção e promoção internacional de investimentos. A Galp irá requerer a avaliação da conduta do Estado moçambicano em relação à disputa sobre o imposto sobre ganhos de capital resultante da venda da participação da Galp na Área 4 de Moçambique”, adianta a empresa.
Segundo o comunicado à CMVM, “este aviso marca o primeiro passo rumo ao início dos procedimentos de arbitragem”. A carta enviada a Maputo abre ainda a possibilidade de uma discussão bilateral que permita resolver a disputa, mas se essa diligência não resultar avança então a arbitragem internacional.
Em junho deste ano o “Diário de Notícias” havia noticiado que a Galp poderia avançar com uma disputa num tribunal internacional, depois de ter sido confrontada pelo Governo de Moçambique com a reclamação do pagamento de 300 milhões de dólares (256 milhões ao câmbio atual) em imposto sobre mais-valias associadas à venda da sua posição na Área 4.
O comunicado da Galp à CMVM esta terça-feira não menciona que valores estão em disputa.
Numa nota à imprensa, a empresa garante que “tem demonstrado total disponibilidade para cumprir com todas as obrigações fiscais e para encontrar uma via de entendimento”, mas nota que “não pode ser exigido o pagamento de impostos sem fundamento na legislação aplicável”.
O negócio de venda da participação de 10% na Área 4 foi anunciado em maio de 2024. E foi justificado pela empresa como uma operação que “apoia a estratégia de disciplina de capex” do grupo, ou seja, uma política de controlo de investimentos, de forma a que não penalizem os rácios de endividamento e a capacidade do grupo de continuar a crescer em áreas rentáveis.
O comprador foi a ADNOC, companhia petrolífera estatal de Abu Dhabi, que então se comprometeu a pagar 650 milhões de dólares (555 milhões de euros), embora a verba tivesse ainda de ser ajustada. Em março deste ano, ao anunciar a conclusão da venda, a Galp revelou ao mercado um encaixe de 881 milhões de dólares (753 milhões de euros), já incluindo reembolsos de empréstimos acionistas feitos pela Galp e vários investimentos realizados para o avanço do projeto de gás.
Mas em março a Galp reiterava que havia ainda potenciais pagamentos adicionais de 500 milhões de dólares (427 milhões de euros) se e quando fossem tomadas as decisões finais de investimento dos projectos Coral Norte e Rovuma LNG. Ora, uma dessas decisões foi há dias anunciada pelo consórcio liderado pela italiana Eni (antiga acionista de referência da Galp).
No caso de Coral Norte, cuja decisão foi anunciada na semana passada, está em causa a construção de uma plataforma flutuante que produzirá 3,6 milhões de toneladas de gás natural liquefeito (GNL) por ano. De acordo com a Galp, esta confirmação de que o investimento avançará dará direito a um pagamento suplementar de 100 milhões de dólares (85 milhões de euros), a concretizar durante este quarto trimestre do ano.
A Galp fica ainda com a possibilidade de receber outros 400 milhões de dólares (quase 342 milhões de euros) caso se confirme a concretização do investimento no terminal de liquefação Rovuma LNG (no qual está igualmente envolvida a Eni).
Galp agora focada no Brasil, Namíbia e São Tomé
O consórcio que irá explorar o maior projeto de gás de Moçambique junta a Eni (50%), CNPC (20%), Kogas (10%), ENH (10%) e ADNOC (com os 10% comprados à Galp). Embora esteja presente naquele país africano há 65 anos, a Galp entrou no negócio de prospecção e exploração de gás em Moçambique em 2007, quando assinou um contrato com a italiana Eni e a moçambicana ENH para adquirir uma posição de 10% na prospecção de uma área situada em águas ultra-profundas.
Nessa altura a Galp já tinha em fase mais avançada o negócio de exploração no Brasil, que acabaria, anos mais tarde, por se tornar o motor de crescimento da petrolífera portuguesa, com várias perfurações bem-sucedidas, em parceria com a estatal brasileira Petrobras.
Apesar de também Moçambique ter resultado no início da década passada em importantes descobertas de gás natural, a Galp optou por abandonar esse mercado, depois de ter também saído de Angola. A empresa portuguesa concentrou as suas apostas no Upstream (exploração e produção de petróleo e gás) no mercado-chave do Brasil e em dois mercados africanos nos quais deposita agora esperanças: Namíbia e São Tomé e Príncipe.
Na Namíbia os primeiros resultados da prospecção levada a cabo pela Galp apontam para potenciais acumulações relevantes de petróleo, que conduziram a empresa a iniciar um processo de seleção de parceiros de investimento, para vender uma participação no projeto e não ter de realizar sozinha os avultados gastos no desenvolvimento do empreendimento.
Novidades sobre o dossiê da Namíbia poderão surgir a 27 de outubro, quando a Galp apresentará ao mercado os resultados do terceiro trimestre. No período de abril a junho a empresa somou um lucro de 373 milhões de euros, o mais alto de sempre num só trimestre. (Expresso)