Assim que a porta se fechava, começava a festa do saque. A cozinheira metia a mão no cofre e desviava para o bolso. O jardineiro levava notas escondidas na enxada. Os filhos mais velhos gastavam no bar com às concubinas, compravam carros da última geração, viajavam em qualquer lugar do mundo. E o cão — sempre o cão — abanava o rabo para os ladrões da casa e ladrava furioso para quem viesse pedir pão na porta.
Por John Kanumbo
Ora, senhores leitores, essa casa tem nome: chama-se Moçambique. O Tribunal Administrativo, o fiscal da casa, foi ver o que se passa e voltou de lá lívido, dizendo: “Senhoras e senhores, roubaram 33 milhões de dólares das receitas do gás.”
O dinheiro que devia comprar remédios para a avó, cadernos para o neto e estradas para o povo, sumiu como bruma de manhã. Pior: o relatório veio cheio de contas mal feitas, despesas sem recibo, e dinheiro movimentado fora do livro-caixa. Ou seja, os ladrões da casa nem sequer tiveram o pudor de apagar as pegadas.
O cão, aquele mesmo — o SERNIC — continuava lá fora, a ladrar para os pobres e a abanar o rabo para os ladrões da sala. E a cozinheira, conhecida por Procuradoria, assava frango com notas de dólar e garantia a todos que a casa está segura.
Na lista de desgraças da casa, o fiscal anotou:
Roubaram 33,65 milhões de dólares das receitas do gás. Ninguém sabe quem pegou. Os recibos sumiram. A porta estava fechada por dentro.
O patrão não pagou o que devia às comunidades onde tira o gás e o ouro. O que isto quer dizer, as comunidades onde se tirou o gás e o ouro não receberam a parte delas. Deram só a guerra e crateras.
O dinheiro da venda do gás desapareceu antes de chegar à conta da casa.
As províncias receberam mais dinheiro por debaixo da mesa do que pela porta da frente. Quer dizer, faziam transferências clandestinas do dinheiro pelo quintal, escondido na enxada do jardineiro.
Movimentação de dinheiro fora do livro de registo. Quer dizer, compraram peixe, pagaram prostitutas e tintas para a casa de banho, tudo sem anotar.
Diferença de contas na venda do gás. O patrão diz uma coisa, a cozinheira outra, e o jardineiro jura que nem viu.
Compraram coisas sem factura. Isto é, faziam pagamento de contas sem recibo. Lavaram a loiça e atiraram a factura pela janela.
E quando foram perguntar pelo dinheiro, disseram que a conta está certa — só que os números não batem.
Mas o mais delicioso nesta crônica de miséria orçamental é que, em plena festa do saque, há deputados que elogiam os assaltantes e recomendam “robustez na governação financeira”.
A oposição? Faz bem o seu papel de gritar “ladrão!” — mas já sabemos como termina: uma comissão de inquérito que não encontra nada e recomenda mais um seminário sobre boa governação.
A verdade é que não há reforma possível sem arrancar os ladrões da casa. Porque, meus senhores, como diz o velho ditado africano: “Se a raposa tomar conta do galinheiro, não espere ovos, só penas.”
Agora querem abrir caça às bruxas? Mas como caçar bruxas se quem segura a vassoura é a cozinheira ladra, e quem faz o feitiço é o dono da casa?
A única solução talvez é o povo — a família do quintal — pegar pedras e derrubar a cerca. Porque enquanto o cão raivoso do SERNIC, UIR continuar a morder os pobres e a lamber a mão dos ladrões, não haverá pão nem metical que chegue à mesa.
Aqui não se trata de controlar o orçamento, mas de organizar uma caça às bruxas orçamentais. Só que o problema é que, nesta casa, as bruxas são as donas da cozinha. E o povo, esse, assiste pela janela, aplaudindo os ladrões na esperança de um osso.
Moçambique está transformado numa casa de família disfuncional, onde o dinheiro público é tratado como herança antecipada e quem ousa fiscalizar acaba mordido pelo cão raivoso do regime.
Resta me perguntar: e quem vai caçar os caçadores?
Saudações!