Nesta entrevista, ele reflecte sobre os interesses ocultos que alimentam o conflito, desde o papel estratégico do Ruanda até a cumplicidade silenciosa de actores nacionais e internacionais, destacando como a protecção de investimentos prevaleceu sobre a protecção de vidas humanas. Um relato claro, cru e necessário para entender por que o sofrimento das populações continua invisível aos olhos do Estado e do mundo.
Integrity Magazine: Como podemos explicar que, após 8 anos de conflito em Cabo Delgado, ainda não exista uma narrativa clara sobre os verdadeiros mandantes ou financiadores do terrorismo?
Luca Bussotti: Isso é devido a dois factores principais: por um lado, a complexidade do fenómeno, por outro ao facto de que, numa guerra assimétrica como a de Cabo Delgado, sempre existem interesses, em muitos casos inconfessáveis, que dizem respeito às cumplicidades endógenas no seio de uma economia de guerra, e que não se quer que sejam reveladas.
Integrity Magazine: Há quem fale de uma guerra “por recursos”. Qual é, na sua opinião, o real interesse geoestratégico por detrás da violência naquela província?
Luca Bussotti: Os recursos aceleraram um processo de marginalização que já existia há muito tempo, se acelerou aproximadamente a partir de 2010, e se transformou em acções violentas com a radicalização de grupos de jovens islâmicos. O gás e os rubis de CD funcionaram como detonador destes processos de marginalização, mas as raízes da insurgência são muito mais profundas.
Integrity Magazine: O governo moçambicano é acusado de silenciar jornalistas e activistas que tentam relatar o que se passa em Cabo Delgado. A quem interessa esse silêncio?
Luca Bussotti: Evidentemente, se é o governo que silencia, interessa ao governo. Trata-se de uma atitude “normal” ao nível do executivo de Moçambique. Por exemplo, os cidadãos moçambicanos nunca tiveram conhecimento do conteúdo dos acordos bilaterais entre Moçambique e outros países, fica, portanto, difícil imaginar que um tema tão sensível como o conflito (nunca declarado) de Cabo Delgado possa ser objecto de divulgação
Integrity Magazine: O papel das multinacionais como TotalEnergies e outras companhias de gás e rubis tem sido pouco questionado. Pode haver cumplicidade ou aproveitamento da instabilidade?
Luca Bussotti; Não concordo muito com esta afirmação. Várias ONG locais (ex: Justiça Ambiental), e outras internacionais (como a italiana ReCommon) criticaram radicalmente este modelo de investimentos extrativista. Que, depois, a imprensa local não reporta adequadamente este cenário, isso é outra coisa.
Integrity Magazine: Como avalia a actuação das forças de segurança moçambicanas e estrangeiras (SADC, Ruanda)? Estão ali para proteger civis ou proteger investimentos?
Luca Bussotti: O Ruanda, inicialmente, quis contribuir a dar tranquilidade à comunidade local, libertando Mocímboa da Praia. Mas a prioridade sempre foi proteger a quem paga (a Total). Hoje, com a saída da SAMIM, o quadro piorou, uma vez que há menos efectivos no terreno, e consequentemente o foco do exército do Ruanda está na protecção dos investimentos, mais do que das populações.
Integrity Magazine: O que mais o surpreende na forma como a população local tem resistido, sobrevivido ou até colaborado em contextos extremos?
Luca Bussotti: Ainda surpreende a distância entre comunidades e FADM, e que, nesses anos todos, as instituições moçambicanas não tenham convencido as populações locais de que seria melhor colaborar com elas do que com os insurgentes. Isso significa que o fosso entre aquelas populações e as instituições do Estado continua enorme, não colmatado.
Integrity Magazine: Como analisa o fenómeno das crianças-soldado e o aliciamento de jovens por grupos insurgentes?
Luca Bussotti: Crianças – soldado geralmente são crianças que foram raptadas e iniciadas a protagonizar actos de guerra devido a um treinamento específico. Para os jovens o discurso é diferente: a maioria deles, alguns dos quais recrutados em Nampula, ou no Niassa, primeiro são aliciados pelas propostas económicas dos insurgentes, depois vão combater contra quem é considerado inimigo, ou seja, o governo de Moçambique.
Integrity Magazine: Por que a academia e as elites políticas moçambicanas parecem tão silenciosas perante um conflito desta magnitude?
Luca Bussotti: É preciso distinguir, na academia. Já foram publicados vários artigos em revistas científicas e até livros, quer de autores nacionais, quer internacionais, sob várias perspectivas. Em jornais de circulação interna, o assunto provavelmente não foi muito abordado, mas o que noto é um desfasamento entre a imprensa e os estudos que estão saindo em revistas científicas, facto que não ajuda na divulgação do conhecimento sobre Cabo Delgado.
Integrity Magazine: Que papel pode (ou deve) a sociedade civil desempenhar num contexto no qual o Estado parece ausente ou comprometido?
Luca Bussotti: A sociedade civil tem vários papéis, desde ajuda humanitária e psicológica até a promoção da paz, mas também do conhecimento sobre esta situação. Mas com um estado tão fragilizado, no Norte do país, tudo fica muito complicado.
Integrity Magazine: Que caminhos reais ainda existem para restaurar a paz, fazer justiça às vítimas e reconstruir Cabo Delgado de forma transparente?
Luca Bussotti: Em CD não precisa restaurar a paz, pois nunca houve guerra, mas sim uma revolta contra o estado e as instituições. Por isso, o que deveria ser feito seria uma obre de inclusão social profunda, sem diferenciações étnicas, nem com base na pertença política. Um cenário muito improvável, olhando pela situação actual.
Integrity Magazine: O senhor acredita que haverá algum dia uma “Comissão da Verdade” sobre Cabo Delgado?
Luca Bussotti: Historicamente, as comissões de verdade são feitas depois da mudança de regime. Foi assim no processo de Nuremberga depois da queda do nazismo, foi assim na África do Sul depois do fim do apartheid, etc. Se a Frelimo não sair do poder, vejo muito difícil a instituição de uma comissão de verdade, a todos os níveis, não apenas com relação à Cabo Delgado.
A análise de Luca Bussotti revela que a tragédia de Cabo Delgado não é apenas militar, mas estrutural e política. A prioridade, repetidamente, tem sido a protecção de mega-projectos e interesses estrangeiros, enquanto o povo permanece vulnerável, sem voz e sem segurança. Restaurar a paz verdadeira exigiria não apenas acções militares, mas uma reforma profunda de inclusão social, justiça e transparência, cenários que, sob o actual contexto político, parecem distantes. Cabo Delgado continua a ser um espelho das desigualdades e da fragilidade institucional do país, e a entrevista de Bussotti é um alerta contundente: sem mudança real, a violência e a marginalização persistiram, deixando gerações inteiras presas em um ciclo de medo, desconfiança e injustiça. (Milda Langa)







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