Entre as principais causas dos acidentes esta a condução sob efeito de álcool, excesso de velocidade, má fiscalização rodoviária, condições das estradadas e dos veículos.
“Estamos conscientes de que a melhoria das nossas estradas é uma das acções prementes no contexto da redução da sinistralidade rodoviária”, disse Inocêncio Impissa porta-voz do Governo, ao fim da última sessão do Conselho de Ministros.
Já o Ministro da Saúde Ussene Isse entende que quase a metade dos acidentes de viação são causados pela condução sob efeito de álcool.
“Na urgência do Hospital Central de Maputo, uma das principais causas dos acidentes é o consumo excessivo de álcool. Em 2005 morriam cerca de 5% por consumo de álcool, em acidentes de viação”, quando actualmente são 29 a 30%”, disse o ministro durante uma visita ao maior hospital do país nesta Segunda-feira.
Refira-se que em Março deste ano, o Presidente da República, Daniel Chapo orientou o sector de Transportes e Logística a elaborar, com carácter de urgência, um Plano de Acção para a redução da sinistralidade rodoviária, mas até aqui ainda não foram vistas acções concretas.
O impacto humano dos acidentes: entre lágrimas e cicatrizes
Nos acidentes há vítimas humanas, nessas situações num instante a vida se transforma, deixando um rastro de traumas, dores e memórias que nem sempre se apagam. A Integrity Magazine News ouviu algumas vítimas dos acidentes que mesmo depois de recuperarem dos ferimentos dizem ser difícil superar os acontecimentos.
“Foi há quatro anos, mas sinto como se tivesse sido ontem. O condutor do carro à nossa frente parou de repente. Lembro-me apenas que o carro travou do nada e não ouvi mais nada, acordei no hospital”, conta Nilza que na época era estudante e voltava de um convívio de fim-de-semana.
Os familiares da Nilza explicam que o carro em que ela se fazia transportar ficou espatifado, em consequência disso teve fracturas um pouco por todo o corpo.
“Foi difícil recuperar-me por completo, acho que levei uns seis meses, todo esse tempo a sentir dores, mesmo depois de cicatrizar sentia algumas dores. Até agora quando faz muito frio passo mal”, contou.
Outra fonte, de nome Mussa, revela que perdeu a sua tia materna, a quem chamava de mãe, no recente acidente que vitimou 11 pessoas em Nicoadala, na Província da Zambézia. Ele lamenta a morte da ente-querida, fala de uma perda.
“Não é a primeira vez que perco um familiar em acidentes, até do medo subir carro esses dias, parece que eu serei o próximo. Todos os dias ouvimos acidentes”, lamentou.
Os acidentes de viação afectam a mente e a sociedade, defende psicóloga
Acidentes de viação são frequentemente noticiados pelo número de feridos e pelo valor dos prejuízos materiais. No entanto, o impacto mais profundo e duradouro é muitas vezes ignorado, segundo contaram as vítimas que já vivenciaram a situação.
Para entender melhor as consequências emocionais de tais eventos, entrevistamos a Psicóloga Clínica Cidália, ela revela como o sofrimento das vítimas e das suas famílias se alastra para o tecido social, criando feridas que a sociedade mal percebe. Segundo a psicóloga, o impacto imediato de um acidente é uma experiência de stress agudo.
A longo prazo, o cenário torna-se mais complexo. “As vítimas podem reviver o acidente mediante pesadelos, ter ansiedade severa ao andar de carro, e evitar lugares ou situações que as lembrem do evento” afirmou.
Além disso, podem desenvolver a depressão, a fobia social e o sentimento de culpa. Ela acrescenta que o trauma não atinge apenas a vítima. Os familiares também são profundamente afectados.
“A família passa a ser o pilar de apoio, mas também absorve o sofrimento da vítima. Muitos parentes desenvolvem stress também por testemunhar o sofrimento de um entequerido. Isso pode levar a um ciclo de ansiedade e depressão no núcleo familiar”, disse.
Do ponto de vista social, a psicóloga destaca que o medo de acidentes afecta como as pessoas se movem, a sua autonomia e a sua produtividade. “Imagine uma pessoa que precisa do carro para trabalhar e, depois do acidente, desenvolve uma fobia de conduzir. A sua vida profissional e social é paralisada”, alertou.
INATRO defende que a culpa não pode recair somente para o governo
O Instituto Nacional dos Transportes Rodoviários (INATRO) posicionou-se defendendo que a solução para este cenário lamentável passa por uma “acção conjunta” de todos os sectores. A instituição, que se diz pronta a coordenar os esforços do Estado, alerta que a responsabilidade não pode recair apenas sobre o governo.
De acordo com o INATRO, as causas para a maioria dos acidentes são multifactoriais e envolvem a actuação de diferentes actores. “Em cada acidente de viação que ocorre, há sempre um actor que não cumpriu devidamente o seu papel,” referiu Napoleão Sumbana em representação do INATRO.
O órgão público acredita que a solução reside num trabalho colaborativo entre o sector público, nesse caso o Estado e o sector privado, apontando para transportadoras, escolas de condução e centros de inspecção, bem como a sociedade civil.
Um dos pontos de maior preocupação apontados pelo INATRO é a corrupção. O Instituto afirma que um dos seus principais objectivos é “lutar para eliminar os focos de corrupção”, um problema que contribui significativamente para o aumento de acidentes.
Em relação à fiscalização, o INATRO esclareceu a sua posição sobre o papel dos transportadores e suas associações, como a Federação Moçambicana dos Transportadores Rodoviários (FEMATRO). O Instituto enfatizou que não se trata de dar poder de fiscalização a esses actores, mas sim de exigir que eles controlem o comportamento dos seus próprios condutores e a circulação dos seus veículos.
“O que o Estado quer é que os transportadores, a CTA, a FEMATRO, controlem o comportamento dos seus condutores, controlem a rotina e a circulação dos seus veículos. Só pode fazer isso fiscalizando”, disse o INATRO.
FEMATRO acusa estradas e corrupção na polícia como causas de acidentes
A Federação Moçambicana dos Transportadores Rodoviários (FEMATRO) defende que o combate aos acidentes de viação em Moçambique deve ir além da responsabilização exclusiva dos motoristas.
O presidente da FEMATRO, castigo Nhamane reconhece que o “factor humano” é relevante nos acidentes, mas a sua principal crítica às medidas do governo é a ausência de menção ao estado deplorável das infraestruturas rodoviárias.
“A única observação que nós temos é que, em todas as medidas em que foram anunciadas pelo governo, não fizeram menção ao elevado nível de degradação das nossas estradas”, afirmou a Nhamane.
O órgão dos transportadores argumenta que a má condição das estradas é um factor de risco que agrava a probabilidade de acidentes, não podendo ser ignorado na equação.
A federação também abordou a questão da fiscalização, que tem sido um ponto de discórdia com o INATRO.
“Nós não queremos mandar parar o carro, nós não queremos entrar na estrada como fiscalizador… mas queremos estar ali para podermos observar apenas a legalidade dos meios”, esclareceu a Nhamane.
A FEMATRO alega que essa participação é crucial porque muitas viaturas envolvidas em acidentes não estão filiadas a nenhuma associação de transportadores nem possuem a documentação necessária.
Sobre a medida do governo de fixar o horário de partida dos autocarros às 5 da manhã, a FEMATRO considera-a pouco eficaz. A federação sugere que, no verão, a partida deveria ser antecipada para as 4 da manhã.
CTA exige solução multissectorial e acusa falta de compromisso no combate a acidentes
A Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), por meio do seu vice-presidente do pelouro de transportes e mobilidade, Rodrigues Tsucana defende a criação de comissões multissectoriais com a participação do sector privado, argumentando que a solução para o problema deve ser abrangente e não focar apenas no “elo mais fraco” da cadeia.
“Nós, como sector privado, queremos fazer parte tanto dos trabalhos que são feitos após o acidente, mas também, acima de tudo, nós queremos fazer parte da solução do problema de acidente de viação”, declarou Tsucana.
Além da necessidade de um diálogo mais inclusivo, a CTA não hesita em apontar outros factores que considera cruciais para a ocorrência de acidentes. A organização queixa-se da degradação das infraestruturas viárias do país, que são, segundo Tsucana, um factor determinante.
“O tipo de estradas que nós temos e a pressão que existe hoje… são questões que é preciso serem analisadas e não olhar só apenas para o erro mais fraco”, destacou.
A fiscalização é outro ponto de grande preocupação. A CTA critica a falta de seriedade e o “compromisso” no combate à corrupção. Rodrigues Tsucana sublinhou a existência de um ciclo vicioso, no qual há aqueles que aliciam e aqueles que recebem, mas também situações no qual o fiscalizador coloca o condutor numa posição de ser “obrigado a entrar no esquema”.
Sobre as perdas económicas dos seus membros devido aos acidentes, a confederação recordou a estimativa do governo de que o impacto na economia seja de cerca de 10% do PIB. (Ekibal Seda)