Com este processo, a Frelimo não apenas perseguiu um opositor político — ela consagrou um ícone. Venâncio Mondlane foi legitimado como um símbolo nacional de resistência, coragem e integridade política. Ele tornou-se um nome que ultrapassa a arena partidária, penetrando no imaginário colectivo como representante de uma juventude cansada da injustiça e da impunidade.
Este texto não defendo partidos. Atenção. Não bajulo o poder. E, sobretudo, não temo dizer a verdade. Falo com clareza que este processo ou acusação contra VM7 não é um caso jurídico: é um julgamento político mascarado de legalidade. A acusação contra Mondlane é baseada em discursos, protestos e críticas — actos que, em qualquer democracia funcional, fazem parte do jogo. Mas em Moçambique, são convertidos em “terrorismo” e “associação criminosa”. A crítica virou crime. O protesto virou ameaça. E pensar diferente virou sentença. E o regime moçambicano escolheu reprimir, perseguir e julgar quem ousa discordar. No dicionário deles: Protesto é terrorismo. Crítica é ameaça. Divergência é crime.
Por: John Kanumbo
Autoritarismo: ontem, hoje e sempre. O que hoje chamamos de autoritarismo não é novo. No passado, os regimes autoritários prendiam opositores, proibiam partidos, censuravam a imprensa e justificavam tudo com a necessidade de “estabilidade”. Em Moçambique, a FRELIMO, desde a sua gênese, reprimiu dissidências internas e externas. Samora Machel não tolerava desvio ideológico. Houve fuzilamentos, detenções sem julgamento, campos de reeducação e silenciamento sistemático. A continuidade no poder foi construída à custa da eliminação de vozes divergentes.
Por quê? Porque o poder, uma vez conquistado com sangue e sacrifício, é difícil de largar. E porque muitos sabem que a sua continuidade depende da impunidade. Quando o poder está sujo, o medo da alternância torna-se maior do que a coragem de governar com justiça. Essa lógica persistiu: a manutenção do poder tornou-se mais importante que o bem-estar social. O medo da alternância prevaleceu sobre a coragem de governar com justiça.
Esta acusação ou julgamento é um cerco político. O que se arma contra Venâncio Mondlane é um cerco. Daniel Chapo, presidente da Frelimo e rosto do regime, em vez de o enfrentar nas urnas e no campo das ideias, opta pelo caminho do silenciamento judicial. A utilização da Procuradoria-Geral da República (PGR), liderada por Beatriz Buchili; a Comissão Nacional de Eleições (CNE), presidida por Dom Carlos Matsinhe; o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), sob direcção de Paulo Cuinica; e o próprio Conselho Constitucional (CC), presidido por Lúcia da Luz Ribeiro, alinharam-se como instrumentos do regime. Tornaram-se cúmplices do mesmo teatro farsante que disfarça perseguição com legalidade, e sabotagem eleitoral com aparência de imparcialidade. E foram utilizadas como instrumento de vingança política é uma prática repugnante que mina a democracia. Enquanto o Estado falha em combater a pobreza, melhorar os hospitais, as escolas, as estradas e garantir serviços públicos dignos, gasta energias a fabricar processos contra opositores. E ainda por uma pessoa o regime não dorme.
Se formos a analisar humanamente nas eleições passadas, não foram os manifestantes que roubaram e manipularam às urnas, atas, e que carregavam armas — foram as Forças de Defesa e Segurança, as Unidades de Intervenção Rápida, os agentes à paisana. E os mortos? Foram jovens desarmados, cidadãos comuns, gente que só queria votar ou contestar pacificamente. As balas não vieram da oposição. Vieram do Estado.
Quem é o terrorista, afinal? Se terrorismo é semear o medo, destruir vidas e instaurar o caos, então os verdadeiros terroristas não são aqueles que criticam o sistema. Terroristas são os que desviaram milhões. São os que, no poder, assistem impassíveis ao massacre em Cabo Delgado. São aqueles generais que enriqueceram com contratos obscuros. São os ex-chefes do Estado que nunca responderam pelos crimes do seu governo. São os directores do SISE que deixaram o terrorismo florescer debaixo do nariz do Estado. São os que compram tractores para transporte público.
E Nyusi? Bernardino? Chipande? Chume? Onde estão os seus processos? Porque as FDS, PRM, UIR, que violaram os direitos humanos durante às manifestações e em operações em Cabo Delgado, não estão em julgamento? Não é Mondlane o culpado do terrorismo. Ele é, sim, o bode expiatório escolhido para distrair a opinião pública. Se o terrorismo é violação de direitos fundamentais, os verdadeiros acusados deveriam ser esses, não um opositor. E não esqueçamos os rostos visíveis do conluio institucional: a CNE o bispo, que exclui candidaturas legítimas, o STAE que manipula processos logísticos e o Conselho Constitucional a dona Ribeiro que valida o injustificável. Essas entidades deixaram de ser árbitros — tornaram-se jogadores sujos num jogo viciado.
Mondlane: de acusado a símbolo. Com este processo, a Frelimo elevou Mondlane ao estatuto de símbolo nacional. Ele é hoje mais relevante do que nunca. Como Tundu Lissu na Tanzânia ou como Mandela no apartheid, toda tentativa de silenciar Mondlane o faz crescer. Preso, ele pode tornar-se um Gandhi africano. Morto, vira mito. Silenciado, transforma-se em profeta.
Chapo ainda pode surpreender. Chapo tem uma escolha: pode abandonar o caminho repressivo e vencer Mondlane nas ideias, na gestão, nas urnas. Pode combater a corrupção, redistribuir a terra, ouvir o povo, investir em educação e saúde. Pode governar com dignidade. Isso, sim, silenciaria qualquer oposição. Mas ele escolheu o atalho. E esse caminho é curto. Sempre é. Porém, escolher o caminho mais fácil: a judicialização da política. E a história ensina: esse percurso é curto e profícuo apenas para a deterioração institucional. Porque o povo já entendeu: quando a justiça é usada para proteger os poderosos e punir os corajosos, não é mais justiça. É teatro. E quem já viveu numa aldeia, sabe: até o galo mais fraco canta quando a madrugada chega. E é isso que o sistema teme. Que os galos cantem todos juntos. Que a manhã chegue. Que o silêncio acabe.
Quem é o juiz? O juiz literal que julgará este processo não estará apenas a decidir sobre Mondlane. Estará a decidir sobre si mesmo. Sobre o prestígio da Justiça moçambicana. Sobre a esperança do povo. E o juiz maior será a História. O tempo julgará. E o veredito final será do povo. Porque quando a Justiça se dobra ao poder, a democracia morre de joelhos.
A Frelimo e o Chapo têm duas escolhas: Prender Mondlane e transformá‑lo num mártir. Liberá‑lo e reconhecê‑lo como uma voz legítima da sociedade. Vencê‑lo com propostas e trabalho, não com processos — o caminho mais digno e eficaz. A escolha é do partido. Do regime. Do juiz formal. Mas o veredito final será sempre da população e da História.







