As suas vivências falam por si. Suas estórias são maiores que esses números que lhe atribuem e, na sua humildade típica, ela permanece calada, sem resmungar. Engole à seco as suas lágrimas e escolhe outras prioridades.
Tímida e muito acolhedora, apesar disso, os de memória curta facilmente se esquecem dos seus ensinamentos, do seu abraço e de todas as vezes que deu cama a alguém, dividiu o seu já escasso alimento e nutriu seus egos com farinha branca que levou uma semana a ficar pronta, acompanhada do ussipa com n’tolilo ou com feijão preparado simplesmente com água e sal. Hoje, com corações (in) gratos, “maldizem” e amaldiçoam as suas lutas.
Num tempo em que em todo o lado um simples copo de água para matar a sede era cobrado, seu suor alimentava os “vientes” sem se importar com as suas proveniências. Na sua humildade típica, soube sempre esperar pelo seu momento, tal como tem aguardado pela boa vontade dos seus filhos e de toda gente que pelas suas mãos passa,
De pé descalço, com crateras sobre o calcanhar, sua boa disposição revela esperança de um calçado digno da sua história. Mas como qualquer um, tem sentimentos e apesar de sua educação forjada num unhago conservador, sua ira é perturbadora. Quem não se lembra daqueles ventos fortes que seus efeitos ainda hoje pintam na cidade de castanho; dos trovões e raios que ameaçam dividir o céu e a terra em dias de sol escaldante? Do frio que congelava a alma? Mas, por detrás da tua ira sentimos a tua benevolência- a chitega de hoje não é mais como daquele tempo e o frio já não é mais frio.
Por vezes sentimos tuas lágrimas quando de forma torrencial choras, e quando choras lamentamos por não podermos circular, as crianças, as tuas crianças, essas não podem ter aulas nesse tempo. Sentimos também o teu desalento ao perceber que todos os pinheiros que providenciaste não foram suficientes para acolher os teus filhos.
Reconhecemos o tamanho das tuas lutas mãe! São imensuráveis, vão muito além dos Prédios 24 e Machatine, ultrapassam as ruas pavimentadas e avenidas que conduzem a destinos finitos.
Hoje contemplamos o teu sorriso ao entardecer, o teu brilho nota- se a cada entroncamento com os sinais luminosos, e, por favor, mãe, entenda que aqueles coletes reflectores em algumas das tuas esquinas, são coisas de atxatxi.
Sabemos que choras pelos teus, até mesmo pelos que hoje ignoram a tua simpatia e te apelidam de nomes. Os que te xingam no silêncio, mas que a cada decolagem do voo, variedades de feijões, batata, capulanas, cestas de morango, nêsperas, macadâmia, pêssego não cabem nos seus 23kg. E tu, Lichinga, ficas sempre na tua. Na velocidade que te dão cresces, e hoje não te limitas em Namacula, Chiuaula, Popular, Inzige, Sanjala ou Aeroporto, te permitiste alcançar novas dimensões, teu crescimento alcança Massengere, Nomba, Pista, Nangala, lugares nunca antes sonhados.
Obrigado Lichinga, mesmo com alguns enfeites e alguma maquilhagem, que fazem de ti uma jovem de longa data, continue humilde dona Ntxinga, sem ares de arrogância nem prepotência. (Leonel A. Mucavele e Geraldina P. Gueze)