No dia 19 de Julho de 2024, na sequência da apresentação pública da deliberação de rejeição e exclusão da candidatura da Coligação Aliança Democrática (CAD), o Consórcio convocou uma Conferência de Imprensa na qual emitiu o seu posicionamento preliminar sobre a decisão da CNE. No essencial, este grupo de organizações da sociedade civil manifestou o seu desagrado com o cariz legalista da deliberação da CNE, que primou por privilegiar o conflito e a instabilidade no lugar do diálogo e a paz social. O presente comunicado faz uma abordagem técnico-jurídica da referida deliberação de modo a sustentar o posicionamento do Consórcio Eleitoral Mais Integridade.
I. Princípio de aquisição progressiva dos actos e procedimentos eleitorais
O período de inscrição dos partidos políticos, coligações de partidos políticos e grupos de cidadãos eleitores proponentes decorreu de 22 de Abril a 7 de Maio de 2024. Relativamente a este período, não consta que, até ao encerramento da recepção dos pedidos de inscrição dos partidos políticos, coligações de partidos políticos e de grupos de cidadãos proponentes, tenha havido alguma rejeição, nem até ao dia 12 de Maio de 2024, dia anterior ao arranque da etapa de apresentação das listas de candidatura.
Em virtude disso, considera-se a medida da CNE de rejeição da candidatura de intempestiva, porque foi tomada fora do prazo legal previsto no calendário eleitoral, 12 de Maio de 2024. O dia 13 de Maio de 2024 marcou o começo da fase seguinte prevista no calendário eleitoral, de apresentação das listas de candidaturas, dando assim por encerrada e consumada a fase de inscrição dos concorrentes. A própria CNE tratou de formalizar todos os actos praticados na fase de inscrição dos concorrentes em Boletim da República, o que configura nula e de nenhum efeito qualquer decisão de rejeição da candidatura da CAD.
II. Recepção e verificação das candidaturas
A CNE aponta ter criado equipas de trabalho de recepção das listas de candidatura, tendo definido, para o efeito, como dispositivo legal, o n.º 3 do artigo 41, da Lei n.6/2013, de 22 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n. 30/2014, de 26 de Setembro, que regulou o funcionamento das equipas de trabalho e definiu os termos de referência, de acordo com a resolução n.º 38/CNE/2024, de 9 de Maio e a resolução n.º39/CNE/2024, de 9 de Maio.
Paralelamente, a CNE fixou o período de 13 de Maio a 10 de Junho de 2024 para a entrega das candidaturas. Porém, a lista de candidatura do partido Revolução Democrática não foi recebida pela CNE por extemporaneidade. Entretanto, o Conselho Constitucional (CC), através do acórdão n.º 7/CC/2024, de 26 de Junho, ordenou, à CNE, para receber a candidatura e processá-la de acordo com o regime previsto no n.º 1 do artigo 180 da Lei n.º 8/2013, de 22 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio.
Através de uma deliberação, a CNE decidiu que os concorrentes cujos processos tinham irregularidades por sanar seriam dados como não reunindo requisitos para se manter válidos, o que implica a nulidade da candidatura nos termos prescritos no artigo 181 da Lei n.º 8/2013, de 27 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio, e artigo 24 da Lei n.º 3/20019, de 31 de Maio.
A decisão da CNE refere que são rejeitadas as listas plurinominais fechadas de candidaturas da Coligação Aliança Democrática em decorrência de não reunir os requisitos legais estatuídos para a apresentação de candidaturas.
Através de uma deliberação, a CNE decidiu que os concorrentes cujos processos tinham irregularidades por sanar seriam dados como não reunindo requisitos para se manter válidos, o que implica a nulidade da candidatura nos termos prescritos no artigo 181 da Lei n.º 8/2013, de 27 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio, e artigo 24 da Lei n.º 3/20019, de 31 de Maio.
A decisão da CNE refere que são rejeitadas as listas plurinominais fechadas de candidaturas da Coligação Aliança Democrática em decorrência de não reunir os requisitos legais estatuídos para a apresentação de candidaturas.
Princípio de aquisição progressiva dos actos e procedimentos eleitorais
Em 2019, este princípio fundamentou a decisão do Conselho Constitucional que não deu provimento ao recurso da Renamo por intempestividade. O objecto do recurso foi a manipulação dos dados do recenseamento eleitoral na província de Gaza. Quer significar que o recurso interposto foi sobre matéria de etapas anteriores, designadamente nos postos de recenseamento eleitoral, nas Comissões Distritais, Comissões Provinciais e na Comissão Nacional de Eleições, portanto, antes de recorrer ao Conselho Constitucional.
No caso em apreço, a diferença é que no caso do recenseamento de Gaza foi a oposição que ficou penalizada pela violação do princípio de aquisição progressiva dos actos, enquanto para este caso foi a CNE que violou o mesmo, em virtude de rejeitar a CAD em virtude de matéria referente à fase anterior.
III. Declaração de nulidade a todo o momento:
De acordo com a CNE, por força do n.º 1 e da alínea b) do n. 2 da Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto, os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei imponha expressamente ou que careçam, em absoluto, de forma legal, são nulos. No entender do Consórcio Eleitoral Mais Integridade, o pensamento do Conselho Constitucional sobre a noção de aquisição progressiva dos actos e procedimentos eleitorais significa que os actos praticados numa determinada fase do processo eleitoral, já encerrada, consideram-se adquiridos e consolidados, desde que não tenham sido impugnados no prazo legal, não podendo vir a sê-lo numa fase posterior, salvo em casos extraordinários.
Sobre esta matéria, certos autores, como Teodato Hunguana, defendem que, em certas circunstâncias, pode-se derrogar a este princípio. Para este autor, as nulidades absolutas, como são as que consistem no voto de cidadãos já falecidos, não abatidos nos cadernos de recenseamento eleitoral, podem e devem ser conhecidos a todo o tempo, até o encerramento do processo eleitoral.
A CNE fundamentou que a medida de rejeição da CAD baseou-se no instituto segundo o qual, «qualquer nulidade pode ser invocada a todo o momento», nos termos do artigo 286 do Código Civil. Este instituto não passa de um equívoco, porque tal como o princípio do contraditório, o princípio da nulidade não se aplica em todos os casos do processo eleitoral. De contrário, haveria o risco de cometer-se inconstitucionalidades, como de extravasamento do tempo de duração de mandatos em prejuízo dos novos eleitos.
O Consórcio Eleitoral Mais Integridade entende que a decisão de nulidade invocada pela CNE é intempestiva porque a rejeição foi feita fora do prazo legal, depois de 12 de Maio de 2024. Ao rejeitar as listas plurinominais fechadas de candidaturas da Coligação Aliança Democrática, na fase em o que fez, a CNE apenas demonstrou problemas na sua organização interna ao fazer passar a inscrição da CAD, e ultrapassado o prazo legal, cerca de dois meses depois, excluir a inscrição da mesma CAD.
Ademais, com a deliberação de rejeição da CAD, a CNE faz confusão entre matérias distintas, que concorrem para a inscrição dos partidos políticos, coligações de partidos políticos e grupos de cidadãos eleitores proponentes, e as matérias que concorrem para a apresentação e a verificação de candidaturas. O Consórcio Eleitoral Mais Integridade manifesta-se preocupado com os procedimentos inconsistentes da CNE, que tendem a ser em prejuízo da CAD e a favor de outros. Espelha isso a própria deliberação da CNE, que visa apenas a Coligação Aliança Democrática. Esta situação traduz o impacto negativo da postura controversa da CNE. Por isso, o Consórcio Eleitoral Mais Integridade sugere uma auditoria às deliberações da CNE sobre as candidaturas.
Mais ainda, neste momento em que a sociedade aguarda pela decisão do CC, o Consórcio Eleitoral Mais Integridade apela a este órgão de soberania e última instância para dirimir os processos eleitorais, a não dar provimento à deliberação de rejeição da candidatura da CAD. Para isso, o CC tem a sua própria jurisprudência de 2019, quando não deu provimento ao recurso da Renamo exactamente por intempestividade. Além dos aspectos legais, o Consórcio Eleitoral Mais Integridade insta ao CC a tomar uma decisão que garanta maior participação dos partidos políticos e dos cidadãos nas eleições, ao invés de restringir a participação política.
Permitir maior participação nas eleições é uma forma também de evitar possíveis abstenções nas próximas eleições, o que é crítico na história eleitoral do país. Mas permitir maior participação nas eleições de Outubro próximo é, igualmente, uma forma de consolidar a democracia no país, o que pressupõe justamente um maior envolvimento dos cidadãos nos processos de tomada de decisão, incluindo eleger e fazer-se eleger. O que o CC não deve fazer é seguir a via da CNE de privilegiar o conflito e a instabilidade no lugar do diálogo e da paz social. (Posicionamento Consórcio Eleitoral Mais Integridade)