Resumo
O presente artigo discute a questão do impacto da geração de uma economia feminina na sociedade.O argumento é de que a liberdade para a criação de uma economia feminina e/ou da mulher gera um bem estar a todos os níveis, partindo do familiar até às demais instituíções sociais, políticas, culturais e econômicas, através da independência econômica da mulher. As políticas públicas e os demais dispositivos assim como a legislação sobre gênero, devem ser acompanhados e monitorados regularmente de modo a garantir a sua efectiva e eficaz implementação diante da tradição e dos direitos consuetudinários existentes nas diversas comunidades. A consciecialização social, massiva e abrangente sobre as políticas de gênero, assim como o reconhecimento do trabalho feminino, quer formal ou informal, remunerado ou não, doméstico ou no mercado de trabalho são cruciais para a materialização deste objectivo que é a emancipação econômica da mulher e consequentemente contribuír para a criação do bem estar social. A padronização do trabalho doméstico como sendo específico à mulher deve ser resignificada. Moçambique deve estudar mecanismos que traduzam a participação da mulher nos órgãos de tomada de decisão em melhoria da qualidade de vida das mulheres e suas famílias.
As palavras-chave são: economia, sociedade, feminina, gênero.
Abstract
This article discusses the impact of generating a female economy on society.The argument is that the freedom to create a female and/or women’s economy generates well-being at all levels, from the family to other social, political, cultural and even economic institutions, through women’s economic independence. The public policies and other provisions, as well as legislation on gender, must be followed and monitored regularly in order to guarantee their effective and efficient implementation in light of the tradition and customary rights existing in the different communities. A massive and comprehensive social awareness about gender policies, as well as the recognition of female work, whether formal or informal, paid or unpaid, domestic or in the labor market, are crucial to the materialization of this objective, which is the economic emancipation of women and consequently contributes to the creation of social well-being. The standardization of domestic work as being specific to women must be redefined. Mozambique must study mechanisms that will reflect women’s participation in decision-making bodies into improving the quality of life of women and their families.
Keywords: economy, society, feminine, gender.
I. Introdução
A questão da geração de uma economia feminina é crucial para o desenvolvimento de qualquer sociedade, dado que a mulher é parte integrante dos agentes sociais com um capital humano imprescindível no contibuto da robustês da economia de qualquer sociedade.
Segundo Sen(2000,p.139,140): “(…) a liberdade das mulheres para procurar emprego fora de casa é uma questão fundamental em muitos países do Terceiro Mundo. Em muitas culturas essa liberdade é sistematicamente negada, e isso em si, é uma grave violação da liberdade das mulheres e da igualdade entre sexos. A ausência dessa liberdade prejudica o ganho de poder econômico das mulheres e tem ainda muitas consequências. Além dos efeitos directos do emprego no mercado, favorecendo a independência econômica feminina, trabalhar fora tem importância causal na atribuíção de uma fatia melhor às mulheres nas distribuíções dentro da própria família.”
A mulher tem enfrentado desafios na cosntrução da economia quer familiar, quer social, mesmo ela sendo considerada multifacetada no que concerne a vida laboral quotidiana, desempenhando pápeis diversificados relacionados a própria economia familiar e que garantem o bem estar familiar e social.
Os desafios que a mulher enfrenta são de natureza diversificada, desde os problemas relacionados ao gênero que geram desigualdades entre homens e mulheres, quer nas oportunidades sociais, políticas, entre outras; as questões culturais também tem sido um grande desafio para que ela conquiste a sua independência econômica, entre vários outros aspectos que a privam da liberdade de construir uma economia feminina que traduz-se no bem estar familiar e social.
As mulheres nalgum momento sujeitam-se a proibição de trabalhar fora de casa por medo de desrespeitar a tradição e chocar com os princípios e valores concebidos como paradigmas que regem a sociedade, e, consequentemente contrastar com os ideais sociais. (SEN,2000)
O problema da inserção da mulher na economia tem a sua origem no papel em que a mesma sempre foi atribuída na sociedade, tal como descrevem vários autores, como dona de casa, como um instrumento ou máquina de reprodução de filhos ou até mesmo como uma escrava sexual.
Portanto, o artigo irá numa primeira abordagem conceptualizar os conceitos-chave, de seguida debruçar-se-á sobre o papel da mulher ao longo da história na sociedade, dando sequência a questão da mulher e o mercado de trabalho; a posterior o mesmo procura esmiuçar aspectos inerentes a economia feminista, onde irá destacar aspectos inerentes ao contributo da mulher na economia, a mulher e a cultura, as desigualdades de gênero; o penúltimo título faz uma breve contextualização da mulher na economia em Moçambique, e, por fim são tecidas algumas considerações finais sobre o tema.
II. Conceptualização
Economia – é uma ciência que estuda os processos de produção, distribuíção, acumulação e consumo de bens materiais; é a contenção ou moderação nos gastos, é uma poupança.
Sociedade – associação entre indivíduos que compartilham valores culturais e éticos e que estão sob um mesmo regime político e econômico, em um mesmo território e sob as mesmas regras de convivência.
Feminino – que é próprio ou relativo a mulher; que tem qualidades ou atributos considerados como pertecentes às mulheres.
Gênero – atributos sociais, comportamentais e culturais, expectativas e normas associadas a ser uma mulher ou um homem.
Igualdade de gênero – refere-se a ausência de discriminação com base no sexo, homens e mulheres são tratados de forma igual, gozam de mesmos direitos e oportunidades.
Equidade de gênero – reconhece que os indivíduos são diferentes entre si e, portanto, merecem tratamento diferenciado, mas que elimine ou reduza as desigualdades. A equidade de gênero implica uma série de acções que procura dar um tratamento justo para mulheres e homens.
1.O lugar da mulher na sociedade ao longo da história
Vários autores debruçam-se sobre a trajectória percorrida pela mulher desde os tempos transatos, um percurso desafiador, que coloca a mesma numa posição de subjugação, até mesmo de um ser com pouca validade, sem direitos e nem liberdades, o que conferia-lhe uma vida coberta de restrições de natureza diversa, que deixou marcas e cicatrizes que ainda fazem-se sentir actualmente.
A posição em que a mulher foi colocada ao longo da história contribuíu sobremaneiras para a sua participação ou não no mercado formal de trabalho, é como se tivessem imposto a condição e o contributo digno da mulher na esfera laboral, onde evidenciou-se o papel minusculo da mulher na sociedade.
Segundo Antonio, G.J. Yunes et Al (2020,p.71): “esse preconceito, que leva ao esquecimento e invisibilidade das mulheres rurais, vem de um processo histórico, decorrente do patriarcado, que coloca a mulher em posição inferior ao homem, majoritariamente numa lógica de subordinação”. Os autores fazem menção a realidade das mulheres rurais brasileiras, porém retrata a vida de muitas mulheres um pouco pelo mundo.
Pateman(1993) traça a trajectória que a mulher passou até chegar a conquistar o seu espaço como mulher, como ser humano, com a sua individualidade, originalidade, intimidade e dignidade que deve ser respeitada. O percurso é descrito com marcas de luta, dado que a autora destaca a condição civil legal de uma esposa até aos finais do século XIX, ela faz uma analogia de esposa com uma escrava. Daí a luta das mulheres posicionadas entre as classes média e alta em conquistarem a lei da igualdade, contudo não foi uma luta fácil dadas as cirncustâncias vividas nas relações conjugais primitivas.A autora compara as mulheres, esposas com escravos, onde referencia a relação entre o senhor e seu escravo; e do senhor e seu servo que era firmada através de contratos domésticos de trabalho. Portanto, ela faz um paralelo com a antiga relação de uma esposa com seu marido, onde a mulher era tida como uma dona de casa, ou seja, a esposa era alguém que trabalhava para seu marido no lar, onde o senhor civil obtinha o direito da mulher através de um contrato. O contrato de casamento reflectia a organização patriarcal, e com o casamento instituía-se uma divisão sexual do trabalho.
A autora tráz várias perspectivas dos autores sobre o lugar da mulher na família, dentre vários, destaca o Hobbes que considera que no estado natural, quando um homem conquista uma mulher, ele torna-se seu senhor e ela sua serva. Enquanto Ziboorg na sua interpretação, afirma que as mulheres tornam-se escravas sexuais e económicas na família. Por sua vez, William Thompson, argumenta que inicialmente a sagacidade dos homens levou-lhes a escravizarem as mulheres, onde só não as tornaram suas empregadas domésticas pela dependência que eles têm para com as mulheres na satisfação dos seus desejos sexuais. Cujo desejo sexual e a multiplicação da espécie humana, que também lhes proporciona prazer, são os factores que lhes levam a estabelecerem contratos,onde cada homem deve coabitar com a mulher, pois do contrário, não teriam tal necessidade. (IBIDEM)
Machel, também aborda sobre a necessidade da libertação da mulher, na medida em que no seio da sociedade, esta era explorada, humilhada, oprimida, em outras palavras, a mulher era instrumentalizada, daí que vendo a sua utilidade material resolve-se pagar um dote por ela: “ a sociedade compreendendo que a mulher é uma fonte de riqueza, exige que um preço seja pago…o lobolo… a mulher oferece duas outras vantagens ao seu proprietário: é uma fonte de prazer, e sobretudo é uma produtora de outros trabalhos, uma produtora de novas fontes de riqueza” ( MACHEL, 1979, p.26).
A visão sobre o lugar que a mulher ocupava na sociedade, também foi evidenciada por Santana citando Mateus(2015), onde aborda a separação dos papéis que os homens e as mulheres ocupavam no período colonial, afirma que os homens eram trabalhadores da esfera pública, enquanto que às mulheres cabia-lhes a missão de trabalhadoras domésticas.
As abordagens dos autores destacam a submissão ou subordinação das mulheres para com os homens, de certa forma, essa submissão condiciona o acesso aos recursos por parte da mulher, até sofre escassez de recursos econômicos. Contudo, Pateman(1993), evidencia também a luta das mulheres em serem reconhecidas como indivíduos civís, e as modificações que este processo de luta permitiu alcançar, embora saliente que as marcas da sujeicção permanecem, podendo ser notadas ainda hoje pelo facto da mulher ser conhecida pelo nome do marido.
Segundo Santana(2023, p.111-112),“…as mulheres das comunidades rurais do Distrito de Maputo enfrentam vários entraves, como a desigualdade social, no poder de decisão e no pouco acesso aos recursos financeiros, à terra ou ao nível de participação cívica e comunitária”. Portanto, as mulheres clamam pelo direito de produzir para que posam alcançar a autonomia econômica, acesso à terra e aos recursos naturais para que possam conseguir renda e sustentarem as suas famílias.
Segundo Teixeira (2017,p.22): “é possível afirmar que a diferença baseada no sexo é uma das formas mais profundas de exploração humana, ela está enraizada nas relações de gênero, nas instituíções sociais básicas, como a família, e nas estruturas econômicas e políticas. São múltiplas as suas manifestações e se estendem por todos os níveis da sociedade. Essas manifestações constituem um complexo sistema de relações de poder que tipifica a subordinação das mulheres em diferentes níveis sociais. Essa relação de subordinação sobreviveu a diferentes tipos de sociedade e persiste até os dias actuais, assumindo diferentes formas e graus de intensidade.”
A questão da subordinação da mulher é analisada numa perspectiva de exploração humana, onde intervém este tipo de relação, inevitavelmente evidencia-se a questão do poder. O outro elemento que a autora vinca é o da diferença baseada no sexo como estando enraizada nas relações de gênero, de facto, as diversificadas instituíções sociais é que estão na génese da criação das desigualdades de gênero como muitos designam, ou simplesmente entre homens e mulheres, pois são as instituíções sociais que regulam a convivência entre os homens na sociedade, determinando os papéis que são esperados por cada membro da sociedade, esta (a sociedade) faz os indivíduos, e, estes por sua vez é que fazem ou compõem a sociedade. A autora também salienta o facto da subordinação da mulher prevalecer até nos dias actuais. (IBIDEM)
A questão da subordinação da mulher parece ter sido incutida na mulher como um valor hereditário, actualmente é a mulher que se auto-impõe a condição de mulher doméstica, ou dona de casa como algumas preferem designar, ela assimilou e incorporou esta condição de subordinada ao homem. Portanto, a luta pela emancipação da mulher desse é notória, porém, há que reconhecer que ainda há esforços por evidar de tal maneiras a disseminar e consciencializar não só a mulher, mas a sociedade em geral sobre o papel da mulher na sociedade.
2.A mulher e o mercado de trabalho
As mulheres realizam um trabalho doméstico àrduo que muitas vezes não é reconhecido, e que nem sequer é remunerado, e ao mesmo tempo elas encontram restrições ao pretenderem trabalhar fora de casa, isto é, ao pautarem por trabalhos formais remuneráveis, veêm essa liberdade restringida. (SEN, 2000).
A Secretaria especial de políticas para Mulheres(2016), também relata a situação de trabalho doméstico de mulheres que muitas vezes para além de prover as necessidades do lar, tem sido acrescido por tarefas que melhoram a performance dos trabalhadores e a mais valia nas empresas, mas ainda assim não é valorizado, é um trabalho invisível, dado que é a mulher que prepara marmita para o seu marido alimentar-se na empresa, lava seu uniforme, para que se faça ao trabalho em condições, cria e educa as crianças para que se tornem futuros trabalhadores de sucesso. Na perspectiva doméstica, o trabalho das mulheres é sempre considerado como uma ajuda, e não como um trabalho em si.
A mulher também pode contribuir para a economia da sociedade por via da sua inserção no mercado de trabalho formal remunerável- um emprego, e, isto pode catapultar a melhoria das condições de vida, e ou do bem estar, quer no seio familiar, quer no social.
Segundo Teixeira (2012,p. 24): “para a economia feminista, a economia monetária depende da economia não monetária por razões óbvias, visto que os salários pagos são insuficientes e as famílias dependem do trabalho realizado no âmbito doméstico e das relações afetivas e emocionais, que não podem ser adquiradas no mercado e são essenciais para o ser humano”. A autora para debruçar-se sobre a economia feminina parte da crítica da escola econômica neoclássica, dado que vê nela políticas econômicas predominantes, e é lá onde encontram-se as raízes das desigualdades sociais e econômicas, tem suas premissas guiadas pela divisão social e sexual do trabalho, onde a mulher é atribuída a tarefa de reprodutora da forma de trabalho.
A questão da produção econômica no mercado acareta vários factores que muitas vezes são negligenciados, seria difícil, se não impossível fazer-se ao mercado de trabalho e produzir quando emocionalmente a pessoa não está bem, igualmente quando a pessoa não estiver alimentada e bem nutrida para fazer face a força psicológica e física que irá empreender no exercício do seu trabalho, e não menos importante, a pessoa deve apresentar-se limpa ou em condições aceitáveis ao trabalho, portanto, estas condições são criadas no seio familiar e muitas vezes a mulher é quem providencia no anonimato e sem remuneração, quer dizer, para que alguém se faça ao mercado de trabalho, há um trabalho prévio que é realizado a nível intra-familiar, por uma mulher que não é reconhecida.
Na questão da economia feminista para as mulheres no período entre 2004 e 2013 no mercado brasileiro, evidencia-se que a expansão da estrutura produtiva alavancada pelo contexto internacional favorável, pelos investimentos, ampliou os horizontes da economia, impulsionando a participação feminina na força de trabalho remunerado. Portanto, a reflexão gira em torno do estágio da inserção da mulher no mercado de trabalho, face a nossa dinâmica social e econômica mais favorável, com uma tendência crescente de oportunidades de emprego. O trabalho das mulheres pode ser analisado em várias perspectivas: o trabalho não remunerado, realizado na esfera doméstica; trabalho não remunerado realizado para o mercado e o trabalho voluntário. TEIXEIRA(2017).
A secretaria especial de políticas para mulheres(2016), também considera que o número de mulheres com trabalho remunerado aumentou, porém, os desafios para a mulher ainda prevalecem, ela não abdicou do trabalho doméstico, ou seja, reprodução social, e os homens continuam sem assumir os trabalhos domésticos, quando eles realizam alguma tarefa doméstica, tem de ser muito superficial e a executam clandestinamente, não querem ser vistos. Ademais, a remuneração das mulheres pelo seu trabalho é irrisório, ela não é bem remunerada, devido a divisão sexual do trabalho, o mercado transporta as capacidades da socialização feminina para o trabalho, justificando-se que ela tem menor força física, as habilidades também são colocadas em questionamentos, e, por isso são atribuídas trabalhos precários.
As duas perspectivas de análise do trabalho da mulher constatam que a sociedade está assente numa base dicotômica que atribui papéis diferenciados aos homens e às mulheres, criando assimetrias e desigualdades sociais em todas as esferas da vida, que colocam a mulher numa situação discriminatória, desfavorecendo-a no que concerne a participação na produção da economia.
As mulheres, desde da metade do século XIX, criaram movimentos que visavam reivindicar o trabalho realizado pelas mesmas na esfera doméstica e que não era reconhecido ou visível. A autora também dicute a questão da divisão do trabalho como estando atrelada a questão do sexo, isto é, divisão do trabalho mediante o sexo, onde o trabalho doméstico é tido como inerente às mulheres, e, sob o ponto de vista do desenvolvimento teórico que questiona o trabalho doméstico como exclusão do domínio econômico, dado que o mesmo quando realizado na esfera doméstica ou familiar é gratuita, porém, fora de casa é remunerado. A maioria das análises econômicas concebe esta divisão do trabalho como algo natural e inquestionável. (TEIXERA,2017)
A autora também constata que nas relações econômicas e sociais, numa perspectiva histórica destacam-se duas dimensões: a reprodução econômica e a reprodução social. A dimensão da reprodução econômica está ligada a uma vertente mercantil, traduzida na produção de bens e serviços com valor monetário, e por seu turno a reprodução social é inerente ao local de realização de todo o trabalho de reprodução da vida humana, no que concerne a reprodução biológica, isto é, procriação de filhos; a reprodução da força de trabalho, vinculada à educação, técnicas de produção, assim como a socialização e ideologia do trabalho; e por fim a reprodução social que tem a ver com a transmissão e controle de recursos econômicos de uma geração para a outra, acção esta que pode ser executada a nível familiar.
Segundo Teixeira (2017, p.22): “É possível afirmar que a diferença baseada no sexo é uma das formas mais profundas de exploração humana, ela está enraizada nas relaçòes de genêro, nas instituíções sociais básicas, como a família, e nas estruturas econômicas e políticas. São múltiplas as suas manifestações e se estendem por todos os níveis da sociedade. Essas manifestações constituem um complexo sistema de relações de poder que tipifica a subordinação das mulheres em diferentes niveis sociais. Essa relação de subordinação sobreviveu a diferentes tipos de sociedade e persiste ate os dias actuais, assumindo diferentes formas e graus de intensidade.”
A abordagem é extremamente profunda e sensível ao ser humano, que toca até com a dignidade humana, quando fala da diferença baseada no sexo como uma forma profunda de exploração humana, restringir a mulher a liberdade de participar da construção da economia quer familiar, quer social, traduz-se na opressão da mulher. As diferenças em qualquer esfera da vida, principalmente as diferenças no poderio econômico, sempre propiciam relações de poder e consequentemente de subordinação, onde quem detêm maior poderio econômico tende a fazer com que os outros cumpram com a sua vontade, portanto, situação similar verifica-se quando se trata de diferenças entre seres humanos e/ou sexo.
Portanto, a autora visa trazer atona reflexões em torno do trabalho da mulher, teorias que reconheçam a importância do trabalho reprodutivo, as actividades realizadas na esfera doméstica e fora dela, mas que são invisíveis aos olhos da sociedade. A autora busca reflectir em torno das actividades que as mulheres tradicionalmente praticam, que são tradicionalmente atribuídas por sexo; as razões que fazem com que as mesmas tenham uma remuneração inferior ao do sexo masculino, não obstante, a maioria das mulheres são desempregadas e realizam trabalho informal. A autora dá ênfase a valorização da vida humana, daí a necessidade de modificar as abordagens e as próprias políticas públicas em torno da mulher e a geração da economia, procurando reconhecer e dar valor ao trabalho não remunerado realizado tradicionalmente pelas mulheres, com o fim de cuidar da vida humana.
Se calhar para não levantar outros debates concernentes as diferenças baseadas no sexo, dado que existem diferenças de facto entre o sexo que não podem ser negligenciadas e nem ocultadas, daí que a autora evidencia que esta diferença baseada no sexo está enraizada nas relações de genêro, pois, justificam-se nos papéis que a sociedade atribui aos homens e as mulheres.
Segundo Carrasco(2006) Apud Teixeira (2017,p.22): “as primeiras manifestações que questionam o não reconhecimento das condições de inserção das mulheres no mundo produtivo se desenvolvem quase em paralelo ao pensamento econômico (…) como uma importante elaboração teórica e análise empírica, tenha ganhado força a partir dos anos setenta do século XX, já havia desde o século anterior uma presença forte de mulheres pioneiras que ousaram reivindicar direitos iguais, emprego e denunciavam as desigualdades no trabalho e as diferenças salariais entre os sexos)”.
A comunidade feminina face a notória exclusão na participação em diversas esferas da sociedade, como econômica, política, social, entre outras, que a mulher sofria e vem sofrendo, tinha que tomar alguma atitude e dar passos rumo ao alcance da sua liberdade e reconhecimento do espaço que a mesma ocupa na sociedade, daí que esta luta foi mesmo iniciada nos séculos passados, e a mesma deve ser contínua e mais estruturante até que a mulher seja vista como ela própria, com valor e dignidade própria, agente de mudança social e arquictecta do seu destino, com vontade própria, e, capaz de conquistar a independência econômica.
No boletim de estudios geográficos, os autores retratam a situação do protagonismo das mulheres que vivem em zonas rurais brasileiras, embora seja uma visão específica do Brasil, a abordagem retrata o que ocorre com as mulheres um pouco pelo mundo. Os autores concebem as mulheres que vivem em zonas rurais como agentes de mudanças em vários segmentos da sociedade, quer a nível econômico, ambiental e social, contudo, entendem que o trabalho realizado pelas mulheres que vivem nas zonas rurais, mesmo sendo àrduo, já que para além de participarem no processo produtivo de alimentos e em actividades relacionadas a geração de renda e ao desenvolvimento sócio-econômico, também têm a responsabilidade acrescida de administrar o lar, onde lhe são incumbidas actividades tidas como tipicamente da mulher, tais como; cuidar da casa, limpar, cozinhar, entre outras, ainda assim, o seu trabalho é tido como invisível e esquecido, e, não é remunerado.(ANTONIO, G.J.YUNES et All, 2020)
Ora, o trabalho da mulher rural não é reconhecido, o seu esforço e dedicação muitas vezes são anulados.
A reflexão é mesmo em torno das actividades tipicamente da mulher! Quais e quem padroniza as actividades entre os sexos, a fim de afirmar sem reservas que determinadas actividades estão categorizadas para as mulheres? A intenção não é de levantar um debate em torno da questão, mas sim ampliar a reflexão em torno da questão, será que ao se padronizar actividades baseando-se no gênero, não se estará a restringir a liberdade de certas oportunidades quer a nível social, político, econômico e até mesmo cultural para um dos gêneros, isto é, uma espécie de discriminação baseada no gênero? Portanto, uma atenção especial deve ser dada a esta questão de gênero e o acesso a oportunidades, assim o respeito das liberdades. Na impossibilidade de haver uma igualdade de gênero, por quê não pautar pela equidade de gênero?
3.O impacto da geração da economia feminina para a sociedade
Qualquer sociedade almeja o desenvolvimento, e este por sua vez traduz-se na criação de melhores condições de vida para os membros da mesma, portanto, o crescimento econômico, a geração de riqueza e sobretudo quando ela é bem distribuída pela população, isto concorre para a elevação do índice do desenvolvimento humano ou do bem estar.
Segundo Sen(2007,p.18): “o desenvolvimento requerer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituíção social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos”. O autor oferece as ferramentas imprescindíveis para que ocorra o processo de desenvolvimento, onde a liberdade aparece como uma premissa maior na equação do projecto desenvolvimentista.
Segundo o Banco Mundial(2012,p.3): “a igualdade de gênero também é importante como instrumento de desenvolvimento(…) representa uma economia inteligente: ela pode aumentar a eficiência econômica e melhorar outros resultados de desenvolvimento de três maneiras. Primeiro, removendo barreiras que impedem as mulheres de ter o mesmo acesso que os homens têm à educação, oportunidades econômicas e insumos produtivos podem gerar enormes ganhos de produtividade – ganhos essenciais em um mundo mais competitivo e globalizado. Segundo, melhorar a condição absoluta e relativa das mulheres introduz muitos outros resultados de desenvolvimento, inclusive para seus filhos. Terceiro, o nivelamento das condições de competitividade – onde mulheres e homens têm chances iguais para se tornar social e politicamente activos, tomar decisões e formular políticas.”
A geração da economia feminina contribui para o alcance da autonomia econômica da mulher, que por sua vez aumenta a renda familiar e incide no desenvolvimento sócio-econômico. Ao se conceder oportunidades iguais aos homens e às mulheres concorre-se para um acelerado desenvolvimento econômico e concomitantemente para uma melhoria na qualidade de vida das famílias e da sociedade, a adição de mais uma renda na família contribui sobremaneiras para a elevação do nível de vida, desde que seja bem gerida.
De acordo com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres(2016,p.5): “a autonomia econômica é essencial para que as mulheres possam prover seu próprio sustento e decidir por suas próprias vidas. Ela não envolve, portanto, apenas independência financeira e geração de renda, mas pressupõe também autonomia para realizar escolhas. Além de garantir a própria renda, é preciso que as mulheres tenham liberdade e condições favoráveis para escolher sua profissão, planejar seu futuro, ter tempo para o lazer e para se qualificar”.
A mulher é um ser individual com dignidade e vontade próprias, e, ela deve ser vista como um fim em si mesma e não em função dos outros, pode e deve ser vista como autora e protagonista do seu destino, fazendo escolhas próprias da vida que lhe convém.
Segundo Sem( 2000), a restrição da liberdade de procurar emprego fora de casa é uma realidade para muitas mulheres sobretudo em muitos Países do terceiro mundo, e, a violação desta liberdade das mulheres e a desigualdade entre os sexos, prejudica a conquista do poder econômico das mulheres e consequentemente influencia negativamente na criação de melhores condições de vida. A mulher inserida no mercado de trabalho contribui para a autonomia econômica feminina.
- Breve visão da mulher na economia em Moçambique
As mulheres em Moçambique constituem a maioria da população, com uma percecentagem de 57%, que corresponde a 15.95 milhões, num universo de 30.83 milhões da população moçambicana, contudo, apesar da sua maior representação estatítisca, em termos laborais ela encontra-se num nível baixo em relação aos homens, tendo um índice percentual de de 85.4% para mulheres e 88% para homens. Quanto a empregabilidade da mulher em Moçambique apresenta de igual modo uma baixa taxa, compondo 64% de mulheres desempregadas. (CHARLES e CHILUNDO,2023)
A maioria das mulheres em Moçambique trabalha em àreas menos consideradas, maioritariamente informais, mais viradas a subsistência, como agricultura, sivicultura e pesca, em condiçoes precárias e com baixa remuneração. A desigualdade salarial baseada no sexo também é uma realidade que ocorre na sociedade moçambicana, homens e mulheres submetidos às mesmas condições de trabalho, com o mesmo nível de educação, igual tempo de trabalho, mesmo nível de produtividade, porém, verifica-se que os homens auferem mais que as mulheres. Contudo, a variação salarial depende do sector, profissão, habilitações literárias do colaborador.(IBIDEM)
Em relação a representatividade das mulheres nos órgãos de tomada de decisão, dados relativos ao ano de 2022, os autores consideram que houve melhorias, em termos de participação de homens e mulheres, sobretudo a nível central e provincial, nos órgãos executivos de tomada de decisão. Os secretários de estado é que apresentam uma percentagem elevada de mulheres em relação aos homens.O maior foço de disparidade verifica-se nos distritos, onde os homens destacam-se com uma percentagem muito elevada em relação às mulheres, onde apenas 23% das mulheres ocupam cargos de chefia. Quanto aos órgãos executivos de poder de decisão, as mulheres participam em todos, embora com um índice baixo em relação aos homens. No que concerne aos órgãos legislativos também as mulheres constituem a minoria, com uma representatividade de 42.8%, num universo de 250 deputados. Relativamente aos órgãos ministeriais observa-se uma disparidade reduzida, com uma representatividade de 40.5% para as mulheres (IBDEM).
Para o bem do equilíbrio de gênero e contrariamente aos 40.5% da representatividade das mulheres nos órgãos ministeriais; “em Março de 2022, Moçambique juntou-se a um grupo selecto de apenas 14 países que alcançaram a paridade de gênero e passou a ser o terceiro País em Àfrica a ter 50%, ou mais mulheres ministeriais. O número de homens e mulheres atingiu o equilíbrio depois da remodelação realizada pelo presidente da República, Filipe Nyunsi, em que dos 22 ministros membros do Governo, incluindo o primeiro-ministro, 11 são mulheres e 11 homens. A nível mundial apenas um quinto dos cargos ministeriais são ocupados por mulheres”(CHARLES e BILA, S/A, p. 2).
Os autores elucidam sobre a realidade moçambicana em torno da representatividade da mulher nos órgãos de tomada de decisão a vários níveis do poder, desde do executivo, legislativo e judicial, os dados indicam que foram registadas melhorias em torno da integração e participação da mulher nesses órgãos, contudo, mais esforços ainda devem ser empreendidos a fim de conseguir a paridade, a integração e a participação da mulher em todas esferas de actuação sócio-econômica e cultural.
A representatividade da mulher em diversos órgãos de tomada de decisão deve criar mecanismos de modo a traduzir-se na melhoria da qualidade de vida das mulheres e das suas famílias, assim como da sociedade em geral, e, a mesma não deve ser restringida a uma minoria de mulheres eruditas e urbanas, a vitalidade da mulher deve ser percebida até em zonas recônditas e por mulheres rurais que não tiveram oportunidades de ter acesso a educação e a outros serviços sociais básicos que lhes permitissem ter uma qualidade de vida melhor.
5.Considerações Finais
Após a reflexão em torno do impacto da geração de uma economia feminina, constata-se que gerando-se uma economia feminina, não só se protege a mulher da vulnerabilidade que esta encontra-se sujeita pela dependência econômica, que muitas vezes ela vê-se obrigada a cumprir com vontades alheias, até mesmo a submeter-se a opressão, muitas vezes para garantir o seu sustento, como contrair uniões e/ou casamentos forçados e arranjados, alguns progenitores vendem as suas filhas devido a condições econômicas precárias, enquanto que se a mulher fosse dada a oportunidade de produzir economicamente, supriria algumas necessidades familiares, reduziria a inserção da mulher no campo da prostituíção, da vulnerabilidade à violência doméstica e sexual, bem como a abusos de qualquer índole perpetrados pelos homens.
Tradicionalmente, o lugar da mulher segundo a gíria popular sempre foi: “dentro de casa, pilotando o fogão e cuidando de filhos”. A questão é que até nos dias actuais alguns homens, incluindo algumas mulheres, reivindicam este espaço da mulher, atribuído a ela socialmente, como sendo um espaço tipicamente da mulher, contudo, cabe a mulher accionar mecanismos que lhe permitam resignificar o seu papel e lugar na sociedade. O movimento feminista desde do século XVIII, como movimento social e político busca a igualdade de gênero e direitos iguais para as mulheres, embora seja um movimento que é conotado por vários segmentos sociais.
A mulher precisa conquistar o seu lugar na sociedade, não visando com isto ocupar o lugar do homem, ela precisa de ter espaço próprio, o lugar da mulher na sociedade, e ter a liberdade e apoio da sociedade em geral para produzir economicamente, pois desta forma, os benefícios traduzir-se-iam não apenas para a esfera familiar, mas sim num contributo imprescindível para a sociedade.
A robustês econômica da mulher faz parte de uma parcela imprescindível da economia social, partindo da própria família.
A emancipação econômica da mulher concorre para o fortalecimento da sociedade, apesar das controvésias em torno desta premissa, a mulher é um dos alicerces de qualquer pilar do desenvolvimento na sociedade.
Há avanços actualmente no que concerne a inserção da mulher no mercado de trabalho, porém os índices da mulher que ocupam posições cimeiras na política, economia, entre outras instituíções ainda precisam de ser melhorados, assim como a valorização e reconhecimento do trabalho da mulher, quer remunerado, assim como não, carecem de uma atenção especial.
Há uma necessidade de garantir que as políticas públicas e de gênero que asseguram a igualdade de gênero sejam monitoradas de forma a permitir que os processos de implementação das mesmas seja efectivo, e isso passa pela consciencialização de toda a sociedade, e não apenas das instituições que lidam com estas matérias, na impossibilidade de se falar da igualdade de gênero, por admitir as diferenças existentes entre os sexos, pode se pautar pela equidade de gênero.
A mulher precisa de estar inserida no mercado de trabalho formal, ter um salário justo e não inferior por motivos da sua condição de ser mulher, dado que alguns adjectivam a mulher com termos como: incapaz, frágil, imperfeccionista, sensível, que durante a gestação pode comprometer o trabalho e no pós-parto terá uma licença, em suma, problemática quando o assunto é assumir um posto ou cargo no trabalho formal.
O foco é conceber modelos econômicos que tomem como agentes econômicos mulheres e homens, sem discriminação de sexo.
A luta da mulher é impôr-se no mercado de trabalho, sem ser minimizada pelo sexo que ela ostenta, nem pela raça, cor ou qualquer outra condição inerente à mulher.
Qual é a legitimidade da divisão sexual do trabalho? Esta é a questão a não ser negligenciada quando trata-se da economia feminina, inevitavelmente está patente a questão de gênero no mercado de trabalho, e, esta reflexão abre espaço para múltipos debates em torno da economia feminina, razão pela qual deixa-se em aberto esta e outras questões sobre a temática, com o intuinto de ampliar os debates sobre a temática, a fim de influenciar os tomadores de decisões, com vista a melhorar a condição de vida das mulheres e da sociedade em geral.
Referências Bibliográficas
ANTONIO, G.J. YUNES At ALL. O Protagonismo das mulheres rurais. Realidade atemporal: o caso de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil. BOLETÍN DE ESTUDIOS GEOGRÁFICOS.2020
CHARLES, E. e BILA S. Representatividade da Mulher nos órgãos de tomada de decisão e qualidade de serviços de saúde Materno-infantil. CIP- CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA. Anticorrupção- Transparência – Integridade. SEM ANO.
CHARLES, E. e CHILUNDO, Z. Mulher Trabalhadora em Moçambique: marginalizada, mal remunerada e sem protecção legal efectiva. FINANÇAS PÚBLICAS. CIP- CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA. Anticorrupção- Transparência – Integridade. Edição nr 07. 2023.
Moçambique. POLÍTICA DE GÊNERO E ESTRATÉGIA DA SUA IMPLEMENTAÇÃO. Aprovada através da Resolução do Conselho de Ministros no 36/2018 de 12 de Outubro.
MACHEL, Samora. A libertação da Mulher é uma necessidade de Libertação.1979.
Gênero e Autonomia Econômica para as Mulheres. Caderno de Formação-Brasília;SPM – Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, MMIRDH. 2016.
PATEMAN, Carole. O contrato Sexual. Paz e Terra, 1993.
Relatório sobre o desenvolvimento mundial de 2012. Visão geral. IGUALDADE DE GÊNERO E DESENVOLVIMENTO. BANCO MUNDIAL.
SANTANA, Mónica de Lurdes. As mulheres da zona rural de Moçambique: Impactos da posse de Terra. Revista de Estudos Internacionais(REI), ISSN: 2236-4811, V.14. 2023.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade.Edtora SCHWARCZ, São Paulo, 2000.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade.Edtora SCHWARCZ, São Paulo, 2007.
TEIXEIRA, Marilane O. Um olhar da economia feminista para as mulheres: os avanços e as permanências das mulheres no mundo do trabalho entre 2004 e 2013. Campinas. 2017