A 29 de outubro de 2025, os tanzanianos foram às urnas para eleger um novo presidente.
Esta foi uma eleição que parecia um jantar congelado, pré-cozido para ser aquecido antes de ser servido. O regime tinha banido o principal partido na oposição, o CHADEMA, e detido o seu líder, Tundu Lissu, sob acusações de traição em Abril. O secretário-geral do CHADEMA, John Heche, foi recentemente raptado quando tentava assistir ao funeral de Raila Odinga no Quénia, país vizinho, e não foi visto desde então.
A população respondeu no dia das eleições com protestos. Apesar do regime ter cortado a internet, ainda assim existem vídeos que comprovam a agitação pública.
Talvez isto seja de esperar de um movimento de libertação que governou a Tanzânia sem contestação, por via de várias iterações, desde a independência do país em 1961. O Chama Cha Mapinduzi (CCM) foi resultado da fusão da União Nacional Africana do Tanganica (TANU), do continente, e do Partido Afro-Shirazi (ASP), de Zanzibar, em 1977, ambos líderes dos movimentos independentistas.
O CCM manteve um controlo implacável e repressivo sobre o poder. Mais recentemente, adoptou uma sofisticada estratégia de engodo e troca, fingindo estar a promover reformas até à chegada das eleições, altura em que regressa às tácticas autoritárias. No entanto, apesar das críticas em relação às práticas democráticas e às restrições aos partidos na oposição, continua a ser um dos favoritos dos doadores ocidentais e dos autocratas do Leste.
Para formar adequadamente os tanzanianos – e outros movimentos de libertação na região – nas virtudes da autocracia, a China estabeleceu uma escola de “movimento de libertação” na Tanzânia.
É uma versão da esquizofrenia relacionada com a ajuda humanitária que ilustra um nível de cinismo tanto quanto representa uma falta de visão política e de políticas públicas.
O líder da oposição, Tundu Lissu, foi detido a 9 de abril, também sob acusações de traição, e tudo indica que permanecerá na prisão até que as eleições decorram sem problemas maiores. Juntamente com John Heche, outros membros importantes do partido na oposição CHADEMA estão presos ou são constantemente aliciados.
Existe aqui um padrão antigo, mesmo que os doadores considerem há muito a Tanzânia um país querido, um local de experimentação com a ajuda humanitária, tanto quanto um alívio para as consciências ocidentais do passado colonial.
As elites irresponsáveis transformam a generosidade dos contribuintes estrangeiros numa vantagem própria, reforçando o seu controlo do poder por via da imposição de um Estado unipartidário e alimentando uma forte dose de privilégios. A Lei de Detenção Preventiva de 1962, por exemplo, permitia ao presidente prender indefinidamente qualquer pessoa considerada uma ameaça à segurança nacional, à paz ou à ordem pública, sem ter de provar os seus crimes num tribunal. O presidente fundador Julius Nyerere defendeu a sua utilização, argumentando que deter “99 pessoas inocentes” era por vezes necessário para impedir que um “possível traidor” prejudicasse a nação.
Mais de seis décadas depois, estas técnicas não foram esquecidas quando se enfrenta um desafio político.
O ex-presidente da Ordem dos Advogados, Lissu construiu uma reputação como um crítico acérrimo do governo, especialmente do presidente John Magufuli, cuja administração acusou de saque sistemático de fundos públicos, e de Samia Hassan, que fingiu ser uma reformista enquanto recuava para um regime de partido único.
Eleito deputado em 2010, Lissu foi detido seis vezes em 2017, acusado de insultar o presidente e perturbar a ordem pública, entre outras acusações. Depois, a 7 de setembro desse ano, foi baleado 16 vezes no parque de estacionamento da sua residência parlamentar. Após muitos meses hospitalizado e cerca de 19 cirurgias, regressou à Tanzânia em janeiro de 2023. Ninguém foi condenado pelo atentado contra a sua vida.
A comunidade internacional manteve-se em grande parte em silêncio sobre estas acções, onde os direitos humanos são suplantados por uma combinação perversa de interesses estratégicos e nostalgia.
Os tanzanianos foram privados de qualquer alternativa eleitoral credível para presidente pela Comissão Nacional Eleitoral Independente. Com tamanha falta de competição política, há falta de supervisão, do Estado de Direito e de responsabilização.
E espere-se que outros aprendam com o precedente da inação internacional, tal como a elite governante da Tanzânia e a sua presidente, Samia Suluhu Hassan, parecem ter aprendido com a resposta discreta do Ocidente às eleições fraudulentas, do Uganda ao Congo e muitas outras.
Não admira que o Congresso Nacional Africano (ANC) da África do Sul tenha manifestado o seu apoio ao CCM antes da eleição, enviando os seus “votos fraternos” ao seu “movimento irmão” enquanto o povo da Tanzânia se dirigia às urnas, “saudando o legado duradouro do CCM como um movimento de libertação que se manteve firme na promoção dos princípios da unidade pan-africana, da autodeterminação e do desenvolvimento centrado nas pessoas”.
O rendimento per capita anual da Tanzânia, de 1.120 dólares, é mais de 40% inferior à média continental e menos de 10% da referência global. O apoio dos movimentos de libertação aliados ao CCM em Angola, Moçambique, Zimbabué e, claro, na África do Sul, não depende claramente do desempenho económico do CCM. Em vez disso, trata-se de política e do que qualquer ameaça ao domínio de um movimento de libertação representaria para outro.
Também não é como se a fraude não fosse cuidadosamente anunciada.
O juiz Johann Kriegler resumiu isto na perfeição quando disse, após as eleições de 2018 no Zimbabué, que só um idiota tentaria fraudar uma eleição no dia das eleições. “A primeira vítima de uma eleição é sempre a verdade”, disse Kriegler, antigo presidente da Comissão Eleitoral Independente da África do Sul, ao liderar uma equipa de observação no evento zimbabueano.
“Não creio que o resultado [de 2018] seja surpreendente, tendo em conta o domínio que o Zanu-PF exerceu sobre o país durante a sua administração e o domínio das comunidades em particular”, disse. Nestas circunstâncias, o facto de o candidato da oposição ter recebido 44% dos votos foi, observou, “surpreendentemente bom”.
O cenário político já estava radicalmente desequilibrado a seu favor muito antes do dia da votação.
“É assim que têm mantido o recenseamento eleitoral ao longo dos anos. Têm controlo total sobre os meios de comunicação social como partido no poder; têm controlo total sobre o que é notícia, como a abertura de escolas, pontes e estradas, manutenção e sistemas de apoio para idosos e necessitados”, disse Kriegler.
É preocupante que os governos procurem realizar eleições desta forma. É ainda mais preocupante que os ocidentais e outras forças maléficas que procuram influência em África mantenham um fluxo constante de financiamento de doadores para os autocratas da Tanzânia.
Justiça para Tundu Lissu e John Heche é justiça para todos os que acreditam na democracia. Permanecer em silêncio é ser cúmplice do que acontece na Tanzânia e, possivelmente, no seu próprio país a seguir.
Os autores desse texto são todos membros da Plataforma para os Democratas Africanos.







