A população de Habel Jafar é o foco da abordagem em alusão, e, o artigo oferece alguns pressupostos vividos naquele bairro, e as nuances que giram em torno da abordagem em epígrafe. O valor dado aos direitos consuetudinários em Habel Jafar constitui uma das premissas de relevo na abordagem sobre os conflitos conjugais que em determinados casos desaguam em violência doméstica.
Palavras-chave: conflitos conjugais, terra e violência contra a mulher.
Carmelinda Alberto Miambo, licenciada em Ensino de Filosofia e mestre em Sociologia de Desenvolvimento pela Universidade Pedagógica de Maputo
Introdução
Os conflitos conjugais são uma realidade nas sociedades, e, Moçambique não é alheia a esta situação, consequentemente, os mesmos mexem com a estrutura familiar e social, onde por vezes colocam em vulnerabilidade a mulher, assim como os filhos. Este tipo de conflito quando mal gerido pode resvalar-se em violência doméstica, especificamente na violência contra a mulher. Estas e outras razões, culminaram com o decreto da Lei nº29/2009: Lei sobre a violência domesticada praticada contra a mulher; Mosimann (2023) -Escala do conflito conjugal: validade interna e relação com outras variáveis, e Guambe (2015), entre outros, debruçam sobre a questão da conjugalidade e seus contornos.
O bairro Habel Jafar foi alvo duma pesquisa, que incidiu concretamente na questão inerente a securização dos direitos da população sobre a terra, visto que a terra tem sido um dos recursos prioritários de aquisição quando se pretende firmar um laço conjugal e/ou familiar, e, concomitantemente pode ser motivo de contendas conjugais.
A terra é um dos recursos mais procurados em Moçambique, que de certa forma, para alguns, ela confere uma certa estabilidade social. A mesma possuí um valor vital, na medida em que é concebida como um meio universal de criação da riqueza e do bem estar social, conforme designa a Constituição da República de Moçambique (2004, Artg.109), podendo ser usada para a criação de habitação, prática de actividades agrícolas, bem como comerciais, que garantam o sustento da população.
A mulher, mesmo sendo um agente social de capital importância para a sociedade, vem sendo alvo de exclusão em muitos aspectos sociais, como oportunidades de acesso aos recursos naturais incluindo a terra, emprego, educação, entre outras, que lhe colocam numa situação de vulnerabilidade, tal como Agy (2020), do Observatório do Meio Rural, destaca, fazendo menção a tendência crescente de famílias monoparentais, sobretudo nas zonas rurais de Moçambique, chefiadas por mulheres, com elevado índice de pobreza.
Portanto, em situações de conflitos conjugais, a vulnerabilidade da mulher aumenta, chegando a situações de expropriação de bens, incluindo da terra onde habita.
Na República de Moçambique, o uso e aproveitamento da terra é direito de todo o povo moçambicano, determina-se a não Constituição da República de Moçambique (2004, Artg.109).
A população de Habel Jafar não é alheia a demanda da terra, e, sendo um bairro numa acelerada ascensão, o que culmina com a gentrificação, a busca pela terra aumenta.
O bairro Habel Jafar situa-se na localidade de Michafutene, Distrito de Marracuene, apesar de ser um bairro periurbano, com a construção da estrada circular, verifica-se uma vida híbrida, ou seja, dois mundos distintos habitando o mesmo espaço, uns em situação precária de vida, e, outros com uma robustez econômica, com condição de vida “luxuosa”.
Apesar do processo de gentrificação que se observa em Habel Jafar, para alguns habitantes do bairro, a questão cultural, ou seja, os direitos costumeiros, especificante sobre a terra, continuam patentes e enraizados, que chegam a colidir com a legislação.
A administração e gestão de terras em Moçambique é regida por legislação de terras que emana da constituição da República de Moçambique e desdobra-se em demais dispositivos legais.
Os (ARTIGOS, 8º, 46:1 e 109:1), das três versões das Constituições de Moçambique, designadamente (1975, 1990 e 2004), eles todos estabelecem que: “a terra é propriedade do Estado”. Portanto, a titularidade da terra ao Estado tem conhecido outros contornos, quando está se desdobra na posse para os cidadãos, que por seu turno acarreta a regularização da terra nas instituições designadas para o efeito, onde para alguns constitui-se como um processo oneroso, tal como afirmaram os entrevistados em Habel Jafar.
O bairro Habel Jafar, beneficiou do “Programa Terra Segura” que visava a regularização de terras.
O presente artigo foi norteado pela seguinte pergunta de Partida: Até que ponto a posse da terra influência no surgimento de conflitos conjugais no bairro Habel Jafar.
- Objectivo geral:
– Analisar a importância da posse de terra para os casais em Habel Jafar;
- Objectivos específicos:
-Compreender as causas dos conflitos conjugais em Habel Jafar;
– Analisar as implicações dos direitos consuetudinários e a legislação
no acesso à terra no bairro Habel Jafar.
Metodologia
O bairro Habel Jafar foi alvo duma pesquisa qualitativa, que visava avaliar o impacto do programa “Terra Segura” na securização dos direitos à terra da população.
A pesquisa obedeceu às técnicas de observação, entrevistas individuais e um grupo focal, com o intuito de imergir na vida quotidiana da população, procurando compreender a realidade “in loco” do bairro.
Do ponto de vista ético, a pesquisa privilegiou a protecção dos indivíduos envolvidos, garantiu que todos participassem de forma livre, voluntária e consentida. Para tal, o objecto desta pesquisa foi explicado de forma clara e directa aos participantes antes do início das entrevistas e da discussão em grupo focal para assegurar que os participantes tomassem decisões informadas sobre a sua participação.
Para manter a confidencialidade e ajudar na gestão de dados, cada participante é atribuído um nome fictício. Este nome é colocado nos excertos das entrevistas citadas ao longo do trabalho.
Conceptualização
Conflitos conjugais- segundo Mosman (2023)[1], entendem que conflito seja a discordância entre casais e/ou marido e mulher, que diferem em diversas abordagens inerentes à vida conjugal ou não.
Enquanto que para Guambe (2015)[2], uma união de cônjuges carece de uma prévia negociação, onde ambos reúnem consensos sobre os valores que prezam, porém, mesmo assim, torna-se difícil reunir tais consensos.
Terra- a terra é um recurso considerado como meio de criação da riqueza e do bem-estar social, e, na República de Moçambique, o seu uso e aproveitamento é direito de todo o povo moçambicano. (CRM, 2004, Artg.109)
Violência contra a mulher- todos os actos perpetrados contra a mulher e que cause, ou que seja capaz de causar danos físicos, sexuais, psicológicos ou econômicos, incluindo a ameaça de tais actos, ou imposição de restrições ou a privação arbitrária das liberdades fundamentais na vida privada ou pública (Lei nº29/2009: Lei sobre a Violência praticada contra a mulher).
Importância da posse da terra para a população do bairro Habel Jafar
A nota introdutória deste trabalho faz menção a importância da terra para a população, como um bem que serve para a criação da riqueza, através da prática da agricultura, comércio, assim como para a habitação, cuja importância é reconhecida pelo Estado moçambicano, razão pela qual a Constituição da República de Moçambique, 2004, no Artigo (109), atribui-se a todo o povo moçambicano o direito de uso e aproveitamento da terra. A CRM[3], concebe a terra como um meio universal de criação da riqueza e do bem-estar social.
Noronha e Fraga (2017)[4], elucidam sobre o papel fulcral da terra e da mulher que tem sido negligenciado e colocado ao serviço das novas tecnologias, na resposta à provisão das necessidades matérias e humanas básicas, como agricultura para a produção de alimentos, as mulheres constituindo-se como mão-de-obra na produção, processamento, armazenamento, assim como no preparo dos respectivos alimentos, não obstante, a mulher assume a execução dos trabalhos domésticos.
As entrevistadas realizadas em Habel Jafar, revelam a importância que a terra tem para as famílias, dado que na acepção daquela população, uma família constitui-se num espaço onde foram criadas condições habitacionais para agregar ou construir um lar, essencialmente, fala-se da terra, onde o homem que casa uma mulher, leva-a para sua casa.
Causas dos conflitos conjugais em Habel Jafar
A pesquisa realizada em Habel Jafar, revelou a existência de conflitos conjugais causados pelo processo de regularização de terras através do “Programa Terra Segura”, um projecto concebido pelo Ministério de Terra e ambiente com financiamento do Banco Mundial, que visava regularizar as terras habitadas por boa-fé, atribuindo DUAT’s, o mesmo foi efectuado em regime de co-titularidade.
A análise sobre as dinâmicas das relações conjugais é feita por alguns acadêmicos, que procuram elucidar sobre diversos aspectos inerentes a contracção desse laço.
De acordo com as entrevistas realizadas em forma de grupo focal, os conflitos começaram quando nos DUAT’s atribuídos no âmbito do programa “Terra Segura”, o nome do primeiro titular é a mulher e de seguida do homem, ou quando sequer aparece o nome do homem, situações estas que suscitaram vários questionamentos por parte dos homens que sentiram sua autoridade colocada em causa. Estes, protagonizaram conflitos que culminaram no nível de resolução das autoridades locais, reivindicando o seu direito de homem, dono da terra que casa a sua esposa para que ela passe a viver na sua casa, e não o inverso, tal como o DUAT revelava na óptica deles, o grupo afirmou ser um problema que até hoje prevalece na comunidade Habel Jafar.
A senhora Adisa Nguenha, entrevistada no Bairro Habel Jafar, retratou o caso nos seguintes termos: “há vezes em que o titular era a mulher e o homem ia às estruturas reclamar quem casou a quem?”
O senhor Félix Chaúque, de 63 anos de idade, no mesmo fórum, visando explicar melhor o sucedido, usou da palavra e expressou-se da seguinte forma:
“Como o Duat vem em nome dos dois, marido e mulher, quando o primeiro titular é a mulher e o homem o segundo, ele quer ser o primeiro, é quando o homem vai às estruturas provocar barulho para saber afinal quem casou a quem, porque depois de casar, a mulher é que vive em casa do homem, para evitar abuso e ter mais respeito.”
O senhor Hélio Muendane, aclarando a questão dos conflitos existentes, trouxe a outra face da questão:
“Houve problemas sérios nos lares, algumas mulheres foram oportunistas, já que os maridos trabalham fora, elas colocaram só os nomes delas como titulares, até chegou-se a agressões físicas. Há homens que preferiram vender as casas quando souberam que já não tinha como trocar os nomes.”
No mesmo fórum, o grupo afirmou que este conflito foi de grande vulto e mereceu várias reuniões na tentativa de resolução deste tipo de conflito que prevalece até hoje.
Os relatos do grupo focal demonstram conflitos intrafamiliares extremos, originados por direitos consuetudinários, estes que quando não encontram um diálogo profundo e franco com a legislação, podem causar consequências gravíssimas e catastróficas nos lares, tal como Mosimann (2023)[5] constata que os conflitos conjugais em níveis extremos podem causar divórcios, violência, infidelidade, alcoolismo e outras situações.
Ademais, estes relatos revelam a vulnerabilidade em que a mulher se encontra em termos de posse e acesso à terra, o que permeia as mentes de alguns homens de Habel Jafar é que a mulher goza do direito de propriedade que o homem lhe confere enquanto sua mulher e/ou esposa, onde ela deve viver ciente que estar a usufruir do direito da terra enquanto casada.
A ideia é de garantia de terra para a mulher enquanto casada, pois em alguns casos e/ou famílias se por qualquer eventualidade o casamento findar, quer pelo divórcio, ou mesmo pela morte do seu marido, a mesma começa a deparar-se com problemas sérios de falta de terra quer para habitar ou para outra actividade económica. Em algumas situações vividas, com a morte do marido, a mulher do finado era esposada com o irmão do finado (o vulgo Kutxinga-zona Sul de Moçambique), assim continuava com a terra garantida. Este processo de aquisição da terra insere-se no âmbito dos direitos consuetudinários que se incorporam na vivência das comunidades (Negrão,2000).
A segurança do direito da mulher à terra é colocada em questão, quando um entrevistado considera as mulheres oportunistas ao se aproveitarem da ausência dos seus maridos para colocarem os DUAT’s em seus nomes, por quê será que a mulher tem a necessidade de ter o DUAT em seu nome, sendo casada? E fê-lo à revelia do marido. Esta questão levanta muitos questionamentos em torno da securização dos direitos da mulher à terra, e, várias interpretações podem ser postas em marcha, desde a questão da sua vulnerabilidade, questões do gênero, falta de harmonia e confiança entre os casais, entre outras questões.
Portanto, quando as populações não veem os seus direitos assegurados por quem é de direito, procuram formas de autossobrevivência, sem observar nenhum sistema nem critério regulamentado, posto isto, urge frisar a pertinência de monitorar e avaliar permanentemente os processos de assentamentos e reassentamentos da população, garantindo a provisão dos serviços básicos necessários aos cidadãos.
Negrão (2002), considera a terra africana como imprescindível para a melhoria das condições de vida dos povos desfavorecidos, possibilitando a criação de trabalho para os mesmos, os laços que a mesma cria para com os seus habitantes, bem como a provisão dos recursos que permitem a vida na terra, cria para as famílias rurais relações sociais e é utilizada para vários fins, como fonte de subsistência.
Portanto a posse de terra pelas famílias rurais significa segurança, elas podem trabalhar, produzir, consumir, elas também podem multiplicar as suas linhagens através do parentesco, casamento e da herança. A manutenção das suas gerações torna-se um elemento primordial para eles.
O povo de Moçambique não prescinde da posse da terra como forma de garantia da sua vida e sobrevivência, e, cabe ao Estado oferecer as garantias necessárias para que possa adquirir esse direito que é conferido legalmente ao povo moçambicano, tendo em conta a diversidade cultural que compõe o País.
Alberto (2023), retratando sobre as estratégias de acesso, posse e partilha da terra nas associações agrárias de Marracuene, reconhece a existência de um regime dualista de administração e gestão de terras em Moçambique, nomeadamente: o consuetudinário e o legislativo.
Desta feita, há que se estudar formas mais eficientes de conciliar estes dois regimes de modo a evitar conflitos de posse de terra.
O conflito levantado no bairro Habel Jafar, pelos homens que se sentem lesados com atribuição dos DUAT’s tendo como primeira titular a mulher, revelam como os direitos consuetudinários em algumas regiões de Moçambique colocam a mulher numa situação de vulnerabilidade e falta de protecção e segurança no que concerne ao usufruto dos seus direitos sobre a terra.
A mulher mesmo sendo protegida por lei, quando a legislação não é difundida até ao nível mais baixo, com o intuito de conscientizar a população dos seus direitos pode resultar em conflitos desta natureza ou ainda mais graves.
A questão relativa à posse de terra pela mulher, deve ser analisada em várias perspectivas, ou seja, é pluridimensional, razão pela qual Korol (2016), citada por Noronha e Fragra (2013), entende que a problemática de acesso à terra pela mulher não deve ser vista apenas sob o ponto de vista econômico, mas também político e cultural.
A consciencialização da comunidade sobre a legislação e dos contornos da mesma pode constituir uma base segura para uma implementação eficaz e eficiente da lei.
Direitos Consuetudinários versus legislação no bairro Habel Jafar
Moçambique é um Estado de direito, onde vigora a lei que regula a convivência entre os homens, e, pressupõe-se que todos estejam subjacentes a ela, mas por outro lado, as comunidades emergem num seio onde vigoram hábitos e costumes, que a mesma comunidade elegeu como válidos para si.
Uma nota informativa preparada pela secretaria da OMPI[6] e estudos do Dr. Tobin e do sr. Lacruz, define direito consuetudinário como o conjunto de costumes, práticas e crenças que quando aceites pelos povos indígenas ou comunidades locais, vigoram como regras de conduta obrigatória, constituintes dos seus sistemas sócio-económico, e, contrastam com as leis escritas preconizadas pela autoridade política do Estado.
A nota informativa acima, revela uma oposição entre direitos consuetudinários e a legislação, contudo, a legislação moçambicana especificamente a Lei 19/97 de 1 de Outubro, no (ARTIGO 12), não se contrapõe aos que ocupam a terra segundo as normas costumeiras e de boa fé, desde que não contrariem à lei, daí que regula sobre elegíveis à aquisição e, designa que o direito de uso e aproveitamento da terra é adquirido por:
- Ocupação por pessoas singulares e pelas comunidades locais, segundo as normas e práticas costumeiras no que não contrariem a constituição;
- Ocupação por pessoas singulares nacionais que, de boa-fé, estejam a utilizar a terra há pelo menos dez anos.”
Negrão (2000), considera que a lei de terras 19/97, ao atribuir a pessoas singulares e comunidades locais o direito de uso e aproveitamento da terra segundo normas e práticas costumeiras, desde que não contrariem a lei, rompem com a prática legislativa, na medida em que ao longo da história os sistemas costumeiros, isto é, tribunais comunitários, vão se moldando e adaptando às situações circunstanciais, o mesmo não se observa com relação aos direitos estatuários
Os direitos consuetudinários sobre a terra em Moçambique geraram conflitos conjugais e/ou entre cônjuges, no bairro Habel Jafar, no âmbito da implementação do programa “Terra Segura”, que consistiu na co-titularizacão de terra, cujos conflitos revelavam uma colisão entre os hábitos e costumes, designados por direitos costumeiros e a legislação. Os conflitos ocorridos foram resultado da força que os hábitos e costumes exercem sobre o modo de vida das comunidades que os aceitam e adoptam como princípios de vida, principalmente em locais onde a população não tem domínio da lei.
O trabalho realizado em Habel Jafar, revelou que a população, sobre tudo alguns homens preservam os valores culturais, como o inerente à terra que determina que o homem é que é o dono da terra/casa, isto é, ele casa a mulher e ela passa a habitar na sua casa, e não o contrário. O posicionamento assumido pelos homens no que concerne ao usufruto deste direito à terra, manifesta uma diferença de direitos entre homens e mulheres, e dos destinos que os dois devem seguir, porém, a legislação de terras, política de gênero, lutam por direitos iguais entre os homens e as mulheres.
A actual política de gênero e estratégia da sua implementação (2018), surge em virtude de oferecer mais um suporte na prossecução de acções que concorram para a igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres, assim como para definir princípios para cada eixo estratégico, com a responsabilidade de implementação incumbida ao governo e à sociedade civil. A mesma almeja ter uma sociedade onde homens e mulheres se beneficiem dos processos de desenvolvimento.
A Resolução (nº 39/2020) de 8 de Julho, que Aprova a Estratégia de gênero na Administração Pública, estabelece o princípio de igualdade e equidade de gênero, onde afirma que na implementação de acções de promoção da igualdade de gênero, os actores devem levar em consideração, que os homens e as mulheres devem contribuir de igual modo, em todas as esferas da vida econômica, social, política e cultural do País, tendo em atenção a sua natureza, as suas situações e características.
A pesquisa realizada no bairro Habel Jafar mostra alguns choques levantados pela população no âmbito da implementação do Programa Terra Segura, no que concerne a titularidade dos terrenos, visto que o programa visando garantir mais segurança a mulher efectuou o processo num sistema de co-titularidade, onde a titularidade da terra é atribuída aos cônjuges ou marido e mulher.
O processo de co-titularizacão da terra foi materializado segundo o disposto na lei 19/97, que regula o direito de uso e aproveitamento, no capítulo III, (ARTIGO 10), designa os sujeitos ao DUAT, e, determina que podem ser pessoas nacionais, colectivas e singulares, que podem obter a título individual ou colectivo, em regime de co-titularidade, homens e mulheres, assim como as comunidades locais.
A questão de conflitos de terra verificados no bairro Habel Jafar no âmbito da implementação do programa terra segura, ocasionados por direitos consuetudinários, podem ser analisados na perspectiva de Sen ao abordar a equidade na distribuição das liberdades, onde o autor revela que a condição de aumento da liberdade de uma determinada pessoa pressupõe a redução da liberdade da outra pessoa.
A questão em alusão prende-se na redução do foço da desigualdade entre as pessoas, ou mesmo entre homens e mulheres.
A questão levantada por Sen, enquadra-se no problema que se levanta em Habel Jafar, a questão da desigualdade entre homens e mulheres no acesso à terra, onde os homens interiorizam que o direito à posse da terra cabe a eles, ficando deste modo a mulher numa situação de vulnerabilidade.
Sen alerta sobretudo às instâncias governamentais para a tomada de atenção desta questão de equidade, em particular quando se trata de graves privações e pobreza.
Considerações Finais
As relações conjugais gozam de características peculiares específicas, variando de caso para caso, e que podem culminar num deveis, traduzindo-se em conflitos conjugais, razão pela Mosimann (2023) considerou como consequências graves dos conflitos conjugais, a violência, infidelidade, alcoolismo, entre outros.
Contudo, cada comunidade ou agrupamento possui hábitos e costumes que se cristalizam em direitos consuetudinários que passam a reger as mesmas comunidades.
A pesquisa realizada em Habel Jafar revelou que o quão importante é a terra para os cônjuges na construção de famílias, a mesma constitui-se como uma das maiores premissas imprescindíveis para a constituição de um lar.
A pesquisa também revelou que há conflitos conjugais causados pela vulnerabilidade da mulher em termos de acesso aos recursos naturais incluindo à terra, o que por sua vez fez com a mulher ao se aperceber da oportunidade de ser titular da terra através do programa “Terra Segura” que beneficiou o bairro Habel Jafar, na ausência dos maridos, algumas mulheres no lugar de colocarem as terras em regime de co-titularidade, colocavam como proprietária do DUAT apenas a mulher, esta atitude constituiu uma das razões que gerou conflitos conjugais.
A questão dos direitos consuetudinários foi outra causa que gerou conflitos conjugais em Habel Jafar, dado que o homem de acordo com os valores que inculcou da sua tribo, sobretudo os da linhagem patrilinear, o homem é que casa a mulher e está passa a residir em sua casa, e não o inverso, portanto, estes entenderem que se o titular do DUAT ou se o primeiro nome do mesmo for da mulher, isto vai em contramão com estes valores adoptados por estas comunidades.
Portanto, os conflitos conjugais havidos em Habel Jafar, por razões de posse da terra, desaguaram em violência contra a mulher, e em outros casos o homem decidiu pela venda da terra, de modo a evitar o constrangimento causado com a titularização da terra.
Ora, a lei atribui direitos iguais entre homens e mulheres, incluindo o direito de uso e aproveitamento da terra, e a mesma lei aceita os direitos consuetudinários, desde que não contrariem a lei, porém, na situação de Habel Jafar, os direitos consuetudinários parecem sobrepor-se à legislação.
A pesquisa efectuada revela a necessidade de consciencialização à população sobre a legislação e terras e outras temáticas que se podem revelar relevantes para a uma vida conjugal e social sadia e harmoniosa.
Há também uma necessidade de se envolver as comunidades nos debates públicos sobre questões inerentes à sua vida, e, a melhor forma de conciliar os direitos consuetudinários e legislativos, assim como tornar a população parte integrante na tomada de decisões e na elaboração das leis.
As estruturas locais também carecem de ser dotadas de conhecimentos sobre gestão de conflitos e de mentoria, que lhes permitam aprimorar cada vez mais as suas capacidades na gestão dos conflitos comunitários, dado que na maioria dos casos, os líderes comunitários possuem baixo nível de escolaridade.
Referências Bibliográficas
AGY, Aleia R. OMR- Observatório do Meio Rural.2020
GUAMBE, Maria de Lurdes G. Dinâmica conjugal violenta e resiliência em mulheres assistidas na CÁ-PAZ. U.E.M.2015.
MOSMANN, Clarisse Pereira. Escala de conflito conjugal: Validade interna e relação com outras variáveis. Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo-RS-Brasil.2023.
NEGRÃO, José. Sistemas Costumeiros da terra em Moçambique. In: Santos & Trindade (eds) 2000.
NORONHA, I., FRAGA, L. S. A terra e seus significados para as mulheres de movimentos camponeses. 13º Mundos de Mulheres & Fazendo Gênero 11. 2017.ISSN-510X.
Organização Mundial da Propriedade Intelectual sobre a OMPI. Disponível em: http://www.wipo.int/about-ip/pt/.
Legislação
Lei nº19/97- Lei de terras
Lei nº29/2009 Lei sobre a violência doméstica praticada contra a mulher.
Moçambique. Constituição da República Popular de Moçambique. Maputo: Boletim da República, 2004.
Moçambique. Resolução nº36/2018 de 12 de Outubro- Aprova a Política de Gênero e Estratégia da sua Implementação.
[1] MOSMANN(2023) conceptualiza o conceito de conflito conjugal, citando (Buehler & Gerard, 2002; Fincham, 2003)
[2] GUAMBE(2015), discute a questão da dinâmica conjugal e os seus contornos, e, fundamenta citando Alvim e Sousa(2005)
[3] Constituição da República de Moçambique
[4] NORONHA & FRAGA ( ), elucidam sobre o papel fundamental que a mulher desempenha, mas que se torna invisível e negligenciado, citando Federici (2013) & Korol (2016)
[5] MOSMAN (2023) argumenta sobre os conflitos conjugais, citando Rauer et all. (2017) e Zordan et all.(2012)
[6] Organização Mundial da Propriedade Intelectual (World Intelectual Properties Organization-WIPO)