Em 1975 gritava-se A Victória é Certa! Em 2025, gritam-se champanhes e contas offshore. Quem antes dizia a luta continua, hoje diz o saque continua. A independência virou co-mamância, e o povo segue como massa de manobra de cerimónias e discursos sem alma.
A elite política em Moçambique não governa. Ela mama. E mama-se juntos. É assim desde a independência. Quem questiona, desaparece. Quem alinha, é promovido. Faz-se política de bajulação, de conveniência e de favores cruzados. A moeda de troca é o silêncio cúmplice e a partilha dos despojos do Estado.
Por John Kanumbo
Ao longo desses 50 anos: As terras foram privatizadas. Os tribunais foram corrompidos. A polícia foi militarizada para defender os interesses do poder. A democracia tornou-se um teatro, onde o vencedor é sempre conhecido antes da contagem de votos. Em nome da independência, institucionalizou-se a impunidade.
Prometeram saúde, e construíram clínicas privadas e hospitais sem medicamentos, o que quer dizer quando não tiver medicamento no hospital público vá na clinica ou farmácia construída pelo chefe. Prometeram educação, e produziram gerações de analfabetos funcionais. Prometeram justiça, mas só julgam pobres e opositores. Prometeram paz, mas assassinaram jornalistas, ativistas e políticos dissidentes.
Cinquenta anos depois, Moçambique é o país onde o juiz vende sentença, o deputado vende consciência e o eleitor vende voto por um prato de arroz. Cinquenta anos depois, Moçambique é o país onde: O juiz vende sentença ao mais abonado. O polícia prende por opinião e protege o ladrão bem posicionado. O jornalista que ousa denunciar desaparece ou é silenciado com ameaças. O tribunal é apenas um palco onde se encena justiça para pobres e opositores.
Cinquenta anos depois: O deputado discursa para defender o bolso e não o povo. O eleitor vende o voto por camisetas, cerveja e promessas vazias. O ministro assina contratos que beneficiam estrangeiros e empobrecem o povo. A elite governa, os seus filhos estudam fora, e os do povo morrem nas escolas sem carteiras. A saúde pública é sucateada para os dirigentes lucrarem com clínicas privadas. As dívidas são feitas em nome do povo e os lucros vão para bolsos privados.
Cinquenta anos depois: O sistema controla tudo: partidos, sindicatos, igrejas, rádios comunitárias, às mídias e associações de bairro. Quem levanta a voz é acusado de destabilizador. Quem exige justiça vira alvo da PGR e da secreta. Quem denuncia corrupção é encontrado morto ou demitido.
Cinquenta anos depois: Nenhuma notificação para os autores das fraudes de 1999, 2004, 2009, 2014, 2019, 2024. Nenhuma condenação pelas execuções políticas, pelos massacres em Cabo Delgado ou pelas dívidas ocultas. Mas notificações relâmpago para divergentes e perseguição sistemática a jovens críticos.
Cinquenta anos depois: O neo-colono irmão distribuiu minas, gás, terra e florestas entre empresas-fantasmas e os filhos do poder. Os megaprojectos expulsaram comunidades inteiras sem compensação digna. O petróleo, o carvão e o rubi enriqueceram bancos suíços, enquanto o povo de Cabo Delgado foge de balas e de fome. Os projectos agrícolas viraram esquema de lavagem de dinheiro. A agricultura familiar foi abandonada para importar tomate e cebola da África do Sul. As terras comunais foram vendidas como concessões de elite.
Cinquenta anos depois, como advertira Aquino de Bragança, o colono apenas mudou de rosto. Trocou o nome para “camarada”, “dirigente”, “ministro”, “general reformado” e distribuiu entre si os melhores terrenos, as minas, os portos e os megaprojectos.
O discurso da luta armada foi reciclado para legitimar pilhagens institucionais. Quem ousa discordar, é chamado de divisionista ou terrorista interno.
Cinquenta anos depois: A cultura foi politizada, os artistas. Comprados por patrocínios partidários. Os festivais são propaganda disfarçada. Os heróis da luta foram reduzidos a nomes de ruas e palcos de discursos cínicos. Os seus filhos mendigam empregos, enquanto os camaradas de ontem viraram milionários de hoje.
Cinquenta anos depois: A educação é um armazém de diplomas sem saber. As universidades formam obedientes e não pensadores. Os livros didáticos são negócios milionários de editoras ligadas a ministros. Professores trabalham três meses sem salário, mas os reitores viajam em executiva.
No ano em que celebram meio século de uma independência traída, os camaradas brindam champanhe sobre os ossos de um povo exausto. Como advertira Aquino de Bragança, “a descolonização nunca foi completa, porque o colono apenas mudou de pele e permaneceu no comando das instituições, agora usando nomes africanos e o discurso da luta popular.”
Cinquenta anos depois: O polícia protege o corrupto. O deputado defende o partido, não o povo. O juiz vende sentenças. O jornalista morre ou é comprado. O professor vive na miséria. O médico trabalha sem luvas. A juventude sobrevive no desemprego, nas redes sociais e no crime de ocasião. Os estádios abandonados, os centros juvenis fechados e as bibliotecas vazias. Jovens morrem no mar, tentando chegar a Mayotte ou África do Sul. As moças são sexualizadas na televisão pública e oferecidas em palcos de concursos organizados por figuras do regime.
Cinquenta anos depois: O desporto nacional é propaganda política. As federações controladas por comissários disfarçados de dirigentes. Os atletas sem apoio, sem estádios e sem planos.
Cinquenta anos depois: O meio ambiente é saqueado por madeireiros chineses e empresas de elite. Os rios secos, as florestas devastadas, os mangais convertidos em resorts privados. As áreas de conservação entregues a milionários estrangeiros.
Os camaradas de ontem transformaram-se nos saqueadores de hoje. A juventude sobrevive de biscates ou seja, de nhonguismo, esquemas e migração. Os heróis da luta foram esquecidos ou falsificados em discursos convenientes. A imprensa, onde não é perseguida, foi comprada. Os intelectuais calaram-se, salvo raras excepções. E as escolas públicas tornaram-se fábricas de iliteracia programada e fábricas de ignorância funcional. A cultura virou cartaz eleitoral. O desporto serve de fotografia para ministros. As lagoas e regádios secaram. As florestas desapareceram. E a fome voltou — só que agora elegante, disfarçada de inflação.
Cinquenta anos depois: As vítimas da guerra civil vivem esquecidas. Os deslocados de Cabo Delgado sem esperança. As viúvas da luta desprotegidas e as mães dos mártires ignoradas. Cinquenta anos depois: A igreja serve de muleta ao sistema, benze eleições e santifica ditadores. O Estado virou seita, onde só quem jura fidelidade sobrevive.
Cinquenta anos depois: O que deveria ser a pátria, virou prateleira de negócios, onde tudo tem preço: terra, cargo, sentença, título académico, lealdade e consciência. Cinquenta anos depois, o país é deles. O luto é nosso.
Enquanto isso, em Sommerschield, os camaradas brindam com vinho sul-africano e champanhe francês. Os rubis de Montepuez pagam apartamentos em Lisboa e contas nas Maurícias. Os generais reformados tornaram-se senhores feudais do Norte. A terra já tem dono.
E o povo? Vive entre o desemprego, a fome disfarçada de inflação e a fuga desesperada para Mayotte e Joanesburgo.
Perigoso não é só o poder que mama. É o povo que se habitua a ser ordenhado. O Estado criou uma cultura de medo e amnésia, onde se celebra 25 de Junho com danças, hinos e bandeiras — enquanto nos bairros falta pão, segurança e dignidade. A memória dos mártires foi sequestrada. Os nomes dos resistentes foram apagados da história oficial. O Estado só celebra quem obedeceu e co-mamou.
Para Que Serve a Independência Sem Povo? Independência não é ter bandeira. Não é cantar hino. Independência é quando o povo pode comer sem pedir permissão.
É quando o cidadão pode falar sem medo de ser seguido. É quando a terra pertence a quem nela planta e não a quem carrega cartão partidário. Moçambique faz 50 anos livre no papel e algemado na vida real.
Cinquenta anos depois da independência proclamada, Moçambique é um país onde o Estado se privatizou, a justiça foi sequestrada e a esperança do povo está enterrada sob as mansões de Sommerschield e os campos de deslocados de Cabo Delgado. A festa é deles, a fome é nossa.
Quem deve festejar esses 50 anos? Os que construíram fortuna na sombra do Estado? Os generais com fazendas, contas em Dólar e carros de luxo? Os filhos dos dirigentes a estudar na África do Sul e Portugal? Porque a maioria só herda funerais, fome e promessas quebradas.
Que este cinquentenário seja o último em que comemoramos por hábito e não por conquista. E que, daqui a cinquenta anos, os jovens de 2075 possam olhar para trás e dizer que a geração de 2025 teve a coragem de romper com a hipocrisia, de pensar o país para além da guerra, para além do partido, para além dos interesses estrangeiros e de iniciar, finalmente, o caminho da verdadeira independência: aquela que transforma liberdade em dignidade.
O verdadeiro sentido de 50 anos deveria ser o de acertar contas com a história. Rever o contrato social. Reabilitar a pátria para os seus legítimos donos: o povo.