É particularmente inquietante constatar que 22 dessas ocorrências estejam directamente ligadas às eleições gerais de 9 de Outubro, um processo amplamente contestado. Isso revela uma correlação alarmante entre a instabilidade política e o aumento da repressão. Quando o Estado se sente ameaçado, sua primeira reacção parece ser calar aqueles que o expõem. E quem melhor faz esse papel do que o jornalista, que actua como guardião do espaço público e da verdade?
O que vimos em 2024 foi uma tentativa sistemática de sufocar esse papel. Agressões físicas, detenções arbitrárias, confisco de equipamento e intimidações verbais tornaram-se práticas quase normais em um país que se orgulha de ser democrático. As forças de segurança, em vez de protegerem os direitos, tornaram-se instrumentos de medo. Mais grave ainda é o silêncio cúmplice das instituições de justiça. Quando o Procurador-Geral da República se dirige ao parlamento e ignora por completo essas violações, está enviando uma mensagem clara: a violência contra jornalistas não será punida.
Mas essa negligência não é apenas institucional. Ela é também cultural e estrutural. O assédio constante contra mulheres jornalistas — seja por razões de género ou simplesmente por exercerem sua profissão — denuncia a falta de sensibilidade de uma sociedade que ainda resiste em reconhecer os direitos fundamentais como universais.
Frente a esse cenário, não podemos continuar a tratar a liberdade de imprensa como um luxo ou um tema para datas comemorativas. É urgente criar e fortalecer mecanismos de protecção aos profissionais da comunicação, em especial em contextos de risco elevado. É urgente também exigir responsabilização — não apenas dos agressores directos, mas também daqueles que, por omissão ou conivência, sustentam esse ciclo de violência.
A liberdade de imprensa não é um favor, é um direito. E atacá-la é atacar a espinha dorsal de qualquer democracia digna desse nome. Cabe à sociedade civil, aos meios de comunicação e aos cidadãos conscientes defender esse direito como quem defende a própria liberdade. Porque, no fim das contas, calar um jornalista é calar todos nós. (Nando Mabica)