Num país com elevado número de jovens qualificados fora do sistema produtivo, seria natural imaginar que o critério de seleção para vagas fosse baseado no mérito. Contudo, o que se verifica é o contrário. Os processos de recrutamento, tanto no sector público como no privado, muitas vezes não passam de formalidades — encenações — porque os nomes dos “selecionados” já estavam definidos antes mesmo da publicação do anúncio.
Por: António Mugadui & Shantel Nchope
O Nepotismo e o Favoritismo institucionalizado criam um ciclo perverso. Pessoas sem a devida qualificação ocupam posições de responsabilidade, enquanto verdadeiros talentos são deixados de lado. Esse desvio compromete não apenas a qualidade dos serviços prestados, mas também a eficiência das organizações, o crescimento económico e a confiança nas instituições.
Um dos exemplos mais emblemáticos dos efeitos nocivos dessa cultura é o escândalo das Dívidas Ocultas. A estrutura que permitiu a contratação de empréstimos ilegais no valor de mais de dois mil milhões de dólares teve por base um ciclo empresarial montado com figuras politicamente expostas e seus familiares. Um golpe profundo na economia nacional, perda de credibilidade internacional e o agravamento da dívida pública que todos os moçambicanos ainda hoje pagam.
Esse ambiente de favoritismo generalizado abre brechas para práticas igualmente preocupantes, como o suborno e os esquemas de recrutamento fraudulentos. Com o sistema fechado aos de fora, surgem “intermediários” senão “Nhonguistas”, que exigem pagamentos para garantir vagas, muitas vezes inventadas, iludindo jovens desesperados. Há quem gaste os últimos centavos com falsas promessas de emprego, caindo em redes de corrupção que exploram a vulnerabilidade social.
Até mesmo os estágios profissionais, que deveriam ser mecanismos de inclusão, muitas das vezes são afectados. Muitos são não remunerados e funcionam apenas como requisito para encerrar ciclos académicos, sem qualquer garantia de absorção futura. Enquanto isso, os apadrinhados entram directamente para o quadro de funcionários, mesmo sem cumprir fases de preparação.
O problema não se resume às más práticas em si, mas sim à normalização delas. A sociedade moçambicana, pouco a pouco, vai-se acostumando com a ideia de que “assim é que as coisas funcionam”, perdendo a capacidade de se indignar. Pior: jovens começam a acreditar que o único caminho para vencer é encontrar um padrinho ou costas quentes e não mais melhorar as suas capacidades.
É urgente repensar os nossos valores e o nosso modelo de justiça social. O progresso de uma nação não pode estar refém das relações pessoais ou dos jogos de bastidores. Precisamos de um sistema onde todos — independentemente da origem, apelido ou influência — tenham oportunidades justas, transparentes e baseadas na competência real.
A mudança começa com uma escolha: manter o país nas mãos de um pequeno grupo favorecido ou abrir caminho para o talento e a dedicação de quem tem muito a oferecer, mas pouca proteção. A transformação ética e profissional de Moçambique passa necessariamente por romper com a cultura das costas quentes e devolver dignidade aos processos de recrutamento. Só assim poderemos construir um futuro mais justo, produtivo e verdadeiramente desenvolvido.