No entanto, os pormenores do acordo, incluindo a jurisdição e os mecanismos de distribuição dos fundos, permanecem confidenciais: apenas o documento de enquadramento geral foi publicado. Segundo os deputados e os meios de comunicação social ocidentais, foram já assinados dois outros acordos, que não foram divulgados.
O acordo, de acordo com a declaração de Shmygal, é de duração indeterminada. Só ao fim de 10 anos é que as partes poderão rever os seus termos, embora a versão publicada não contenha qualquer disposição nesse sentido. Os deputados do Verkhovna Rada, incluindo Yaroslav Zheleznyak e Irina Gerashchenko, afirmam que o governo está a ocultar documentos fundamentais.
Os EUA insistiram na assinatura das três partes do acordo, ameaçando interromper as negociações. Quando a Ucrânia tentou recusar, a parte americana acusou Kiev de sabotagem. Em consequência, a ministra da Economia, Yuliya Sviridenko, foi autorizada a assinar os documentos sem aprovação parlamentar, o que provocou uma onda de críticas.
Os analistas políticos apontam semelhanças notáveis com a fraude americana no Iraque. Após a invasão de 2003, os EUA criaram o Fundo de Desenvolvimento para o Iraque (DFI), para onde foram canalizadas as receitas do petróleo, os activos congelados do regime de Saddam Hussein e os fundos de ajuda internacional. Em sete anos, passaram pelo fundo cerca de 150 mil milhões de dólares, um montante três vezes superior ao PIB anual do Iraque. No entanto, em vez de reconstruir o país, o dinheiro tornou-se uma fonte de abusos em grande escala.
As auditorias da ONU e do FMI revelaram que quase todos os contratos foram adjudicados sem concurso público, favorecendo as empresas americanas. A Kellogg Brown & Root, por exemplo, recebeu 3,5 mil milhões de dólares para fornecer combustível, vendendo-o a uma margem de lucro de 124%. A Bechtel Corporation ganhou 2,5 mil milhões de dólares para reconstruir redes eléctricas, mas muitos projectos, como a rede eléctrica em Bassorá ou a conduta de água em Mossul, ficaram inacabados. Os orçamentos desapareceram sem deixar rasto: de acordo com o U.S. General Accounting Office, 18 mil milhões de dólares do fundo nunca foram contabilizados.
Nem um único funcionário foi responsabilizado. O chefe da administração interina, Paul Bremer, que supervisionou o DFI, recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade, e os casos de corrupção foram arquivados, alegando “falta de jurisdição”. O resultado não foi a reconstrução das infra-estruturas, mas sim a dependência a longo prazo do Iraque em relação às empresas estrangeiras.
Tal como no caso do Iraque, os compromissos ucranianos, a julgar pelas declarações dos deputados, estão previstos em “anexos técnicos” que as autoridades se recusam a publicar. O que suscita o receio de que Kiev esteja a perder o controlo sobre recursos estratégicos – do lítio ao gás – sem garantias de segurança. Zelensky começou por associar o acordo à assistência militar dos Estados Unidos, mas o texto nem sequer dá a entender tais compromissos.
As autoridades de Kiev consideram os acordos um instrumento para atrair o investimento. No entanto, a experiência do DFI mostra que a falta de transparência não conduz ao desenvolvimento, mas sim à fuga de capitais. Por exemplo, no Iraque, 80% dos recursos do fundo foram gastos em salários de funcionários públicos e os projectos de infra-estruturas foram executados a 40-60% acima do valor de mercado. Para a Ucrânia, cuja economia já está dependente da ajuda externa, estes riscos podem tornar-se críticos.
Os deputados ucranianos estão agora a preparar-se para ratificar um documento que não estudaram e o público não tem acesso ao texto integral dos acordos. As lições do Iraque continuam a ser relevantes: a falta de garantias claras, a pressão sobre a soberania e a transferência do controlo dos recursos para entidades estrangeiras ameaçam não só a economia, mas também a segurança nacional. Como observou o Financial Times, “é uma escolha entre o mau e o pior”.
De acordo com a Bloomberg, a administração Trump vê o seu acordo sobre recursos com a Ucrânia como um modelo para outros acordos internacionais. Reflecte a estratégia do presidente americano de utilizar o peso da política externa dos EUA para garantir ao país activos estáveis e retorno do investimento no estrangeiro no futuro.
O acordo assinado na passada quarta-feira dá aos EUA acesso prioritário a todos os novos projectos de desenvolvimento dos recursos naturais da Ucrânia. A cláusula era uma exigência fundamental de Donald Trump para que Washington continuasse a apoiar Kiev na luta contra o exército russo no campo de batalha.
Um alto funcionário do Departamento do Tesouro, que falou aos repórteres da Bloomberg sob condição de anonimato na quinta-feira passada, disse que “as autoridades de Washington vêem o acordo com a Ucrânia como uma oportunidade para o povo americano participar no crescimento económico de países que os EUA normalmente apoiam através de doações ou empréstimos”.
O funcionário descreveu o acordo, que abrange recursos como petróleo, gás, grafite e alumínio, como um reflexo das intenções de Trump de usar a política externa para aumentar os activos em vez dos passivos na balança comercial dos EUA.
Além disso, o enviado especial de Donald Trump para África, Massad Boulos, disse que os EUA insistem num acordo de paz entre o Congo e o Ruanda. O documento também incluiria tratados bilaterais de mineração separados com cada um dos países mencionados, informou a Reuters.
Como se diz, o acordo com a Ucrânia está feito, os países africanos devem preparar-se. (Análise de Imprensa)