O nome dele é Joel Amaral ou Trufafá, conforme conhecido nos palcos da política e nos corações dos revoltados. E eu pergunto: quem atira no sonho? Quem tenta silenciar a esperança?
Por: Bendito Nascimento
Em muitas culturas africanas, diz-se que “quando o tambor é calado, a aldeia perde o ritmo”. E Joel não era apenas músico, era tambor, era ritmo, era voz. Voz crítica, sim. Mas era, acima de tudo, uma voz viva. Baleia-lo é mais do que tentar tirar-lhe a vida. É tentar matar o que ele representa: a ousadia de falar, de discordar, de participar, de existir fora do script.
Os tiros que atingiram Trufafá não foram apenas metálicos. Foram tiros simbólicos. Foram mensagens escritas a sangue para todos que ousam erguer-se e dizer: “não concordo”. E o mais cruel nisso tudo é que tais mensagens, cada vez mais frequentes, vêm se repetindo como refrão de uma canção que ninguém quer cantar. Hoje foi Trufafá. Ontem, foi Elvino Dias. Amanhã, quem será? Talvez Bendito Nascimento.
Moçambique tornou-se, nos últimos tempos, um espelho partido. Cada fragmento mostra uma parte da dor: Morrumbala, Mopeia, Chinde, Maganja da Costa. E agora Quelimane. Como em certos países da América Latina, onde esquadrões da morte tornaram-se “correios do silêncio”, aqui também parece emergir uma cultura de medo, disfarçada de segurança nacional. E quando a segurança é usada contra os próprios cidadãos, o Estado deixa de ser protector, torna-se predador.
Será que o nosso país está falhando a sua juventude? O que significa para uma nação quando os seus filhos mais criativos são perseguidos, baleados e assassinados? Quando um DJ precisa de capacete e colete à prova de balas para fazer política, então é porque já não estamos num Estado democrático. Estamos num teatro, e tragédia.
Dizia Amílcar Cabral: “Na luta, seremos sempre realistas: sonhar com os olhos abertos.” Joel sonhava de olhos bem abertos. Fez da arte o seu palanque, da música o seu manifesto. E pagou caro por isso. Mas talvez o que mais incomode os que mandaram os tiros não seja a crítica dele. É o amor que o povo tem por ele. O verdadeiro poder não teme a crítica, teme a empatia.
Quem tem medo de Trufafá? Quem se sente ameaçado por um artista com microfone? A resposta está no medo que regimes fracos têm dos fortes de espírito. Porque um povo que canta é um povo que pensa. E um povo que pensa é perigoso para quem quer governar sem prestar contas.
É hora de o país olhar-se ao espelho e perguntar: que tipo de nação estamos a construir? Uma onde se premia o silêncio e se pune a cidadania? Uma onde a juventude é marginalizada por ter opinião? Uma onde a Constituição é letra morta e a bala é decreto?
Diz-se em Chuabo: “Mulobwana caiyo odhule anloga”, “Não se pode considerar homem aquele que não fala”. E é isso que estão a tentar fazer: calar homens e mulheres, reduzi-los a sombras. Mas esquecem-se de que a história nunca foi feita pelos que mandaram calar, foi feita por quem se recusou a ficar calado.
Aos órgãos da justiça: até quando o silêncio? À Procuradoria, ao SERNIC, à PRM, quem são os mandantes? Quem são os executores? Haverá coragem para quebrar o ciclo da impunidade? Ou viveremos de relatórios mornos e promessas vazias?
À sociedade civil, às organizações de direitos humanos, às igrejas, aos jornalistas: não deixem que este caso vire estatística. Não deixem que o tiro que quase matou Joel Amaral mate também a nossa capacidade de nos indignar.
E a ti, Joel, irmão, filho desta terra ferida: que a tua recuperação seja também símbolo da resiliência do povo moçambicano. Que voltes a cantar, não apenas com voz, mas com mais coragem. Porque como dizia Eduardo Galeano: “Muita gente pequena, em lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, pode mudar o mundo.”
Hoje, Trufafá está fora de perigo clínico. Mas o país ainda está em perigo moral.