A tragédia de Montepuez, onde dois mineiros dito por eles “ilegais” perderam suas vidas no dia 5 de abril, não é um acaso, é um reflexo de uma realidade brutalmente naturalizada. O que aconteceu ali em Namanhumbiri não é isolado, mas é o dia a dia de um povo que luta pela sobrevivência nas entranhas da terra que deveria ser de todos, mas não é. O que é ilegal, na verdade, é a própria estrutura que condena esses homens ao risco de morte e à marginalização, enquanto os verdadeiros criminosos, aqueles que se beneficiam do sistema, continuam a rir do outro lado da cerca. É lástima de um país onde o chão é rico, mas o povo é pobre. Onde os rubis brilham, mas os rostos da nossa gente estão cobertos de pó, fome e luto. O que é “ilegal”, afinal? Morrer tentando colher da terra aquilo que, por justiça e natureza, deveria alimentar os próprios que nela nasceram?
Por John Kanumbo
Jean-Jacques Rousseau, em “Do Contrato Social”, já dizia: “O primeiro imbecíl foi que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer ‘isto é meu’ e encontrou pessoas bastante simples para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.” Ora, em Moçambique, a legalidade da terra e dos recursos é determinada pelo poder do capital, não pelo bem do povo. O “dono” do rubi não é quem dele precisa, mas quem tem os papéis assinados no Ministério da Energia.
Veja, o recurso mineral – rubis, riquezas que poderiam desenhar um futuro diferente – é decretado como patrimônio inalienável do Estado. Mas quem, na prática, se beneficia? Os gringos, as grandes corporações, e, sim, até mesmo certos coronéis de poder que brincam de governo com o povo nos bolsos. Quem decide a legalidade, quando a lei é feita por quem já tem o seu destino traçado? Enquanto o cidadão, que mal tem para comer, vê seus irmãos e irmãs lutando por uma chance, o Estado se cala e omite, validando uma justiça que parece alheia a ele.
Karl Marx, em “O Capital”, mostrou que o acúmulo primitivo do capital se deu através do roubo legalizado. Chamavam de progresso o saque das riquezas de povos oprimidos. E em Montepuez, chamam de investimento o que é, na verdade, um processo de expropriação e exploração do corpo e do espírito.
Esses mineiros, que vão para os poços de rubis em busca de algo que nem sabem ao certo o que é, estavam apenas tentando pegar o que deveria ser deles por direito. O conceito jurídico clássico de Estado, segundo Georg Jellinek, é composto por três elementos: território, povo e governo. Mas aqui em Moçambique, o povo parece ter sido amputado do próprio Estado — ou melhor, transformado em obstáculo para o funcionamento de um Estado-corporação. O povo não é servido; é subjugado.
Aqui, a terra e seus recursos não são de quem os habita. A terra é do Estado, que repassa a concessão para empresas estrangeiras ou locais que, com ou sem a conivência das autoridades, se apropriam daquilo que deveria alimentar e dignificar o povo. O Estado, com a mão pesada da lei, criminaliza quem se aventura na busca do que é, de facto, seu, mas não oferece alternativas reais. Eles são chamados de “ilegais”, mas quem são os verdadeiros ilegais? verdadeiro Ilegal é o sistema que se construiu sobre a negação dos direitos mais básicos. Ilegal é o país que permite que uma empresa explore as pedras e enterre os vivos em silêncio. Ilegal é chamar de desenvolvimento o que é, de facto, pilhagem institucionalizada.
Achille Mbembe, em “Necropolítica”, ensina que o poder moderno já não se limita a controlar a vida — ele administra a morte. Quem vive e quem morre. Os mineiros “ilegais” não morreram por acidente; foram previamente condenados pela estrutura de um Estado que decide quem pode existir com dignidade e quem deve ser sacrificado pelo lucro.
Viver aqui em Namanhumbiri é uma guerra constante. Uma guerra que não é anunciada, mas que está nas pequenas batalhas diárias de cada cidadão, lutando contra um sistema que favorece uns poucos e deixa os outros na beira do abismo. O governo se considera o dono dos recursos, mas quem é o verdadeiro proprietário de um país, senão o povo que nele vive, trabalha e sobrevive? A terra, o território, o povo — tudo isso deveria ser um pacto entre todos nós, e não entre uma classe política que fecha os olhos para as necessidades reais e uma elite que apenas acumula riqueza, enquanto o povo tomba no desespero.
Todo dia, a guerra não é de balas, mas de caminhos tortuosos, de burocracias sufocantes e de promessas vazias. O grito de socorro de um mineiro, que se arrisca na luta por um pedaço do que é seu por direito, ecoa pelas vielas da injustiça, mas é abafado por uma ordem que privilegia os poderosos. É uma batalha cotidiana, travada entre a lei escrita – que, longe de proteger, serve para excluir – e a dura verdade de um povo esquecido.
E Montepuez sangra. Sangra em silêncio. Enquanto os rubis saem do solo e cruzam as fronteiras, as nossas manas — sim, as nossas irmãs, mães, filhas — vendem os seus corpos para sobreviver. Porque em Montepuez, tudo gira em torno da mina: quem não morre soterrado, morre aos poucos de fome, de doenças, de vergonha, de abandono. Ninguém fala disso. Ninguém quer saber. A prostituição explode como reflexo cruel da desigualdade: meninas com menos de 18 anos se vendem a estrangeiros, a seguranças, a mercenários do lucro — não por gosto, mas por falta de pão. Não há políticas públicas, não há proteção social. Frantz Fanon já dizia em “Os Condenados da Terra”: “Cada geração deve, a partir de relativa opacidade, descobrir sua missão, cumpri-la ou traí-la.” Nós estamos a trair. E o Estado, onde está?
O Estado assina concessões, celebra lucros e criminaliza os que gritam de fome. O povo é descartável. O que é mais valioso: o rubi ou a vida de quem ali vive? O que é mais criminoso: um jovem escavando ilegalmente ou um sistema inteiro que privatiza a esperança e distribui miséria? Boaventura de Sousa Santos apontava que o direito moderno é um instrumento da dominação. O conceito de “ilegal” é uma arma simbólica contra os pobres. O mesmo Estado que criminaliza o mineiro pobre, negocia isenções fiscais para multinacionais saqueadoras. A ilegalidade é sempre do lado de cá.
Os mineiros não estavam apenas procurando por rubis; estavam em busca de dignidade. Estavam tentando resgatar o que foi roubado deles desde sempre: a oportunidade de viver bem, de ter acesso ao básico. Ter uma mueda no bolso para comprar ipwiri comer com os filhos. Comprar a capulaninha para sua esposa, mãe ou tia. Mas a resposta do Estado a esse grito de sobrevivência é simples: a criminalização. Em vez de garantir condições dignas de trabalho, o Estado, através de suas leis, apenas limita o acesso ao que é essencial. A exploração do trabalho humano se tornou normalizada e institucionalizada nessa terra. Não importa se você vive na pobreza, sem acesso a saúde, educação ou segurança — o que importa é que, enquanto o povo se afunda, as grandes empresas estrangeiras continuam lucrando, e a elite política se apodera daquilo que poderia transformar vidas.
E por que é ilegal? Qual é a verdadeira ilegalidade em um sistema que não oferece nada de bom? Os mineiros são chamados de “ilegais”, mas, de facto, são as estruturas que permitem que o povo fique sem acesso ao básico que são ilegais. Quando o governo permite que os recursos naturais sejam apropriados por empresas e pessoas de fora, enquanto o povo morre à procura de uma migalha de pão, a ilegalidade não está nos poços, mas nas cadeiras dos poderosos que se beneficiam da miséria alheia. O que é realmente ilegal é o sistema que põe o povo contra a parede, empurrando-o para a morte por desabamento, enquanto as riquezas saem pelas portas e janelas do Estado para enriquecer os mesmos de sempre. Eduardo Galeano, em “As Veias Abertas da América Latina”, dizia: “A divisão internacional do trabalho consiste em que uns países se especializam em ganhar e outros em perder.” Moçambique se especializou em perder. Perde o rubi, perde os filhos, perde a esperança.
Não podemos continuar a normalizar isso. O Estado não é dono do povo. Se o Estado é território, povo e governo — quem governa? Para quem governa? Porque o território é saqueado, o povo marginalizado, e o governo ausente. O Estado tornou-se uma entidade que se justifica apenas no papel — e serve a quem está dentro dos gabinetes, não a quem dorme ao relento ao lado das pedras que nunca tocará.
Este é o preço da exploração desenfreada, é o preço de um governo que fecha os olhos para o sofrimento de seu povo, mas abre as portas para a ganância. E, assim, mais vidas são perdidas, mais sonhos se vão, mais gerações são sacrificadas por um sistema que não serve à sua gente. Em vez de lutar contra os verdadeiros problemas, o Estado se dedica a proteger o que é “legal” — e o que é “legal” no fim é apenas a perpetuação de um ciclo vicioso de opressão.
O luto é diário. Não apenas por aqueles que caem nos poços, mas por aqueles que caem nas armadilhas de um sistema que não os vê, não os ouve, não os entende. Enquanto a terra continua a ser explorada e o povo continua a morrer, a pergunta é: para quem é esse país? Quem é o verdadeiro dono da terra, do governo e do povo? O Estado ou o povo que nele vive? Se a terra é nossa, como é que a nossa luta é chamada de “ilegal”? Quem é o verdadeiro criminoso, senão o sistema que rouba do povo o que é dele por direito?
E ainda, a quem serve o Estado? Se o território é do povo, se o povo não tem nada, então quem é o verdadeiro usurpador? Não são os mineiros ilegais — são os que assinaram contratos para transformar a dor em estatística.
Dizem que é ilegal entrar na mina. Mas não dizem que é legal morrer de fome, ou vender o corpo para alimentar os filhos. Não dizem que é legal viver num país onde os recursos te pertencem no mapa, mas não na realidade. Não dizem que é legal chorar em silêncio por uma vida que nunca será digna.
E é por isso que gritamos. Porque até o silêncio tem limite. Porque Montepuez é só um dos nomes: há Cabo Delgado inteiro, Tete, Nampula, Manica, Niassa, Zambezia, Sofala, Inhambane, Gaza e Maputo… todos os lugares onde a riqueza da terra contrasta com a miséria do povo. O povo não é o problema. O problema é o sistema.
Que os rubis brilhem, sim. Mas que não ofusquem os corpos enterrados, nem as lágrimas das nossas manas vendidas por um prato de arroz. Que não esqueçamos que quem hoje é chamado de “ilegal”, amanhã pode ser o mártir de uma nação que já não tem mais para onde descer.
Moçambique, desperta.
Faz favor!
Is Pineal Pure a scam or is it legitimate?: pineal pure scam
Is CARBOFIRE a scam, or is it a legitimate product?: carbofire scam
Is Pineal Pure a scam or is it legitimate?: pineal pure scam
Is SonoVive a scam or a legitimate supplement?: sonovive scam
Is Cacao Bliss a scam or is it a legitimate product?: Cacao Bliss scam
Is AppaNail a Scam or Legit?: AppaNail scam
Is Cacao Bliss a scam or is it a legitimate product?: Cacao Bliss scam
Is Pineal Pure a scam or is it legitimate?: pineal pure scam
Is ProvaDent a Scam or Legit?: provadent scam
is DentiCore a scam, or is it a legitimate product that could help improve your oral health?: DentiCore scam
Is AppaNail a Scam or Legit?: AppaNail scam
It is in reality a great and helpful piece of information. I am happy that you just shared this helpful information with us. Please stay us up to date like this. Thanks for sharing.