E agora, como num pesadelo kafkiano, ele poderá assinar, com caneta de ouro, a sentença que decide o destino da Coligação Aliança Democrática (CAD), população chamada por Anamalala.
É o mesmo homem. A mesma toga. A mesma assinatura.
Como é que se apita o jogo, se entrega o troféu ao time derrotado, e depois se senta no ministério para escrever as novas regras do campeonato?
Por John Kanumbo
Isso é mais do que promiscuidade institucional — é uma verdadeira orgia entre os poderes. Uma encenação obscena onde a Justiça se despe diante do Executivo, e a imparcialidade serve de travesseiro para o sono do partido dominante.
A pergunta que deve ser feita é direta: pode o mesmo juiz que chancelou a fraude eleitoral, agora, como ministro, legitimar ou rejeitar a existência de um partido que representa a oposição mais combativa? Pode. E vai.
O país está sequestrado. A democracia é apenas um bibelô decorativo em cima da mesa do Conselho de Ministros.
E não há maior escárnio do que assistir, em pleno século XXI, à transformação do Ministério da Justiça num balcão de validação partidária. O senhor Saíze — que deveria, por princípio, jamais exercer cargo político após julgar eleições — agora é o pastor constitucional que vai decidir se ovelhas como Anamalala podem ou não pastar no campo político.
O sistema eleitoral em Moçambique virou um jogo de cartas marcadas — e o baralho é da Frelimo.
Como explicar ao povo que quem julgou o pleito agora chefia a pasta que controla os partidos, as religiões e a Constituição? É como se o juiz do jogo de futebol fosse promovido a presidente da FIFA e ainda decidisse quem pode entrar em campo na próxima temporada.
Estamos num país onde o arbítrio virou hábito. Onde o que é legal, depende da fome do poder. Onde os tribunais são apenas portões de ferro forjado com promessas, e não com justiça.
É ou não é um país podre, este?
A verdade é esta: o futuro da Anamalala depende agora de quem, ontem, dizia ser neutro, mas hoje usa farda vermelha, boné partidário e pasta ministerial.
E se a Frelimo for, mais uma vez, o filtro por onde passa a legitimidade dos outros partidos, então, meus senhores, o país acabou.
Não há Estado de Direito onde o juiz vira ministro, o réu vira deputado e a justiça vira sombra. Só há um pântano — e estamos todos atolados até ao pescoço.
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