Ao afirmar que “mesmo se for para jorrar sangue contra as manifestações, vamos jorrar sangue”, o chefe de Estado deixou explícita uma postura que coloca em xeque princípios democráticos fundamentais.
Se, por um lado, seus apoiantes argumentam que tais palavras são uma tentativa de restaurar a ordem num país mergulhado em protestos e violência, por outro, seus críticos apontam uma violação clara da Constituição, que garante o direito à manifestação pacífica. O discurso do Presidente, ao comparar os manifestantes a terroristas e guerrilheiros, não apenas radicaliza o debate político, mas também reforça uma lógica perigosa de criminalização do protesto social.
Desde Outubro de 2024, Moçambique tem sido palco de manifestações lideradas por Venâncio Mondlane, candidato nas eleições presidenciais suportado pelo partido Podemos. O que começou como um protesto contra os resultados eleitorais evoluiu para uma onda mais ampla de insatisfação popular, reflectindo um descontentamento com a governação e com as condições socioeconómicas do país.
Em democracias saudáveis, o governo deve ser o primeiro a garantir canais de diálogo para escutar a população, em vez de recorrer à retórica belicista e à repressão. A promessa de “jorrar sangue” soa como um sinal de alerta para a escalada da violência, num país que já carrega feridas profundas de conflitos passados.
Egídio Vaz, deputado da Frelimo, defendeu que as palavras do Presidente foram retiradas de contexto, mas a verdade é que, em tempos de tensão política e social, qualquer discurso vindo do mais alto magistrado da nação deve ser calculado e responsável.
A população moçambicana não precisa de mais sangue derramado. Precisa de diálogo, justiça e respostas concretas para seus problemas. Afinal, como ironizou um internauta, “queremos água jorrando nas torneiras, não sangue”, disse um cidadão.
Se a liderança do país deseja, de facto, restaurar a ordem, que o faça através do respeito à Constituição e ao direito do povo de se expressar. Qualquer caminho contrário apenas aprofundará as divisões e alimentará um ciclo vicioso de repressão e resistência. (Nando Mabica)