“Se não há água potável na comunidade, então não há paz e segurança. As mulheres é que sofrem, pois têm de percorrer longas distâncias para conseguir água. Muitas vezes fazem essas viagens de madrugada, expondo-se a riscos de violência”, conta Lúcia Joaquim.
Como ela, centenas de mulheres tornaram-se actoras relevantes das suas comunidades depois de beneficiarem de formação como “sentinelas da paz”. Por exemplo, Helena Tomo Phumbe, 58 anos, tornou-se membro do Conselho Consultivo de Cheringoma, um importante órgão de discussão e tomada de decisões sobre a governação distrital. “Antes de me tornar ‘sentinela da paz’, eu não tinha noção dos meus direitos como cidadã, muito menos se os podia exigir em público”, lembra Helena, agora mulher influente do bairro Aeródromo, na vila de Inhaminga, sede do distrito de Cheringoma, em Sofala.
Em Ancuabe, um dos distritos de Cabo Delgado que recebeu maior número de vítimas do conflito armado no norte da província, as “sentinelas da paz” trabalham para devolver a esperança às mulheres deslocadas. Elas monitoram os casos de violência baseada no género e potenciais conflitos no centro de reassentamento de Marokani e participam no processo de resolução, usando a sua experiência de mediação e negociação adquirida nos treinamentos.
Em função da sua complexidade, há casos que são encaminhados para os tribunais comunitários, líderes tradicionais, esquadras da Polícia e para a Justiça. Neste último caso, as “sentinelas da paz” contam com o apoio técnico da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), parceira nesta iniciativa.
“Sentinelas da paz” são mulheres voluntárias que trabalham nas suas comunidades em prol da igualdade de género, denunciando casos de violência baseada no género, protegendo mulheres e raparigas de abusos e exploração sexual em contextos de conflitos armados e promovendo a participação da mulher nos espaços seguros e de tomada de decisão.
Foram treinadas no âmbito do projecto “Elas por Elas na Paz e Segurança”, uma iniciativa que promove a participação e a liderança das mulheres nos processos de paz, segurança e recuperação em Moçambique. O projecto é implementado por um consórcio de organizações da sociedade civil que integra o CESC, OPHENTA, H2N, GAMPIS, LeMUSICA e IESE, em parceria com a ONU Mulheres e o Governo de Moçambique, com o apoio do Reino da Noruega.
No segundo semestre de 2024, as “sentinelas da paz” foram treinadas sobre o uso do Cartão de Pontuação Comunitária (CPC), uma ferramenta de avaliação do acesso e qualidade dos serviços públicos que agora foi adaptada para monitorar e avaliar a Agenda Mulheres, Paz e Segurança, especificamente a Resolução 1325 das Nações Unidas adoptada pelo Moçambique há 25 anos. O CPC passa a servir como ferramenta de avaliação da participação das mulheres e da inclusão das perspectivas de género nas negociações de paz, na planificação humanitária, nas operações de manutenção da paz e na governação pós-conflito.
O treinamento incluiu a elaboração de planos de acção distritais sobre a Agenda Mulheres, Paz e Segurança nos distritos de Ancuabe, Montepuez, Chiúre (em Cabo Delgado), Cheringoma, Chibabava, Nhamatanda (em Sofala), Báruè (em Manica) e Meconta (Nampula).