Segundo organizações da sociedade civil e relatos de veículos de imprensa, os protestos resultaram em mais de 300 mortos, centenas de feridos, detenções arbitrárias e vandalismo generalizado. No entanto, além dessas perdas tangíveis, há um impacto invisível, mas igualmente devastador. o trauma psicológico das vítimas directas e indirectas.
Por Neque Alcino António IV
A resposta do governo tem sido justificar os acontecimentos e atribuir os problemas já existentes a essas manifestações, sem apresentar planos concretos de atenção e solução. Enquanto isso, a sociedade civil tem se mobilizado principalmente para fornecer ajuda financeira, assistência alimentar e visitas às vítimas dos confrontos. Porém, mesmo com a presença de psicólogos e outros profissionais de saúde mental no país, ainda há uma questão negligenciada: quem está cuidando da saúde mental dos cidadãos afectados?
Além das vítimas fatais e dos feridos, milhares de pessoas continuam a sofrer psicologicamente com os eventos que testemunharam. Moradores das áreas mais afectadas vivenciaram noites de terror, acordando com o som de tiros, sentindo o cheiro sufocante do gás lacrimogêneo e temendo serem atingidos por balas perdidas. Crianças, adultos e idosos foram expostos a uma violência incomum, que pode gerar traumas profundos e duradouros.
Estudos sobre crises semelhantes em outros países demonstram que eventos de violência extrema podem levar a Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), ansiedade generalizada, insônia, depressão e até aumento nos índices de suicídio. No caso de Moçambique, não há dados claros sobre quantas pessoas necessitam de acompanhamento psicológico após essas manifestações. Além disso, a falta de informações sobre os impactos emocionais pode fazer com que muitas vítimas sequer reconheçam a necessidade de ajuda profissional.
Até agora, não há informação pública clara sobre quais equipes de assistência o governo dispõe para actuar na área da saúde mental. Ainda que existam psicólogos no sector público e privado, a falta de uma Ordem dos Psicólogos no país impede a regulamentação da profissão, o que significa que o número de especialistas pode ser ainda menor do que o necessário.
Além disso, a sociedade civil tem actuado principalmente no auxílio material, mas algumas iniciativas independentes e acadêmicas poderiam estar contribuindo para o suporte psicológico. Por exemplo, universidades moçambicanas com cursos de Psicologia poderiam oferecer atendimento comunitário gratuito. No entanto, não há ampla divulgação sobre qualquer programa existente nesse sentido.
Se existem iniciativas voltadas para o apoio emocional, por que não há uma divulgação clara? Onde estão as campanhas de conscientização, as clínicas móveis de apoio emocional, ou os psicólogos comunitários actuando nos bairros mais afectados?
Experiências em outros países mostram que a recuperação psicológica de populações afectadas por conflitos pode ser mais eficaz quando há uma abordagem coordenada entre governo, sociedade civil e profissionais de saúde mental. Em Ruanda, por exemplo, após o genocídio de 1994, programas comunitários foram implementados para auxiliar as vítimas com apoio psicológico. Na África do Sul, iniciativas de justiça restaurativa ajudaram a lidar com os traumas do apartheid. Moçambique pode e deve aprender com essas experiências para reconstruir não apenas suas infraestruturas, mas também a saúde mental da sua população.
Se Moçambique deseja avançar para uma verdadeira reconciliação após esses eventos traumáticos, não basta reparar os danos materiais e indenizar vítimas directas. É preciso olhar para as feridas invisíveis da sociedade, cuidar das emoções daqueles que foram afectados e garantir que ninguém seja esquecido.
O governo, universidades, organizações da sociedade civil e cidadãos precisam pressionar por acções concretas. Onde estão os projetos de assistência psicológica? Quem será responsável por cuidar dessas vítimas? Essas são perguntas que precisam ser respondidas urgentemente.
Afinal, de que adianta reconstruir edifícios se a mente da população continua destruída?