- Existe algo muito interessante e curioso sobre a receita de cozinha: diferentemente de um plano, ou de um projecto, a receita não garante a certeza de que o prato sairá igualzinho àquela fotografia, ou que saberá tão bem quanto o prato que um dia provámos! A receita é, deste modo, como o alegre sorriso de uma bela mulher desconhecida: embora saibamos que foi a alegria que a fez sorrir, não sabemos, ao certo, como fazê-la sorrir novamente daquele jeito. É isto que mais me intriga na receita; ela é uma miragem, uma viagem; não um destino. No entanto, temos visto, ultimamente, determinados grupos e pessoas a tomarem a receita pelo prato final e, enquanto ainda preparam o prato, adiantam-se e convidam à mesa toda a família, na certeza de que providenciarão uma refeição saborosa! Mal sabem eles que uma coisa é a receita e a outra é o prato! E isto nem é sobre a receita de cozinha!
Por sua vez, a receita médica, essa consegue ser mais interessante ainda! Devido à aflição, ansiedade e desespero do paciente, ela é automaticamente “vendida” como um fim em si, não como um procedimento. O paciente, em agonia, olha para a receita como uma verdadeira porção mágica que resolverá a sua enfermidade e, em extensão, resolverá as enfermidades que a sua família alega enfrentar. E, por isso, ele adquire imediatamente os fármacos, ingere alguns e leva o restante de volta a casa, a fim de poder administrar a todos aqueles que ele julga enfrentar problemas similares aos seus. Porém, a receita médica pode, em alguns casos, curar um paciente num determinado local e contexto sanitário e agravar o estado de um outro, em um ambiente distinto, mesmo padecendo da mesma enfermidade! Médicos, conto eu ou contam vocês? Deixem, até porque isto nem é sobre receita médica.
- Assim, diante destes dois pontos, há que ter muita cautela com “receitas dadas e pratos feitos”, pois, muitas vezes, as receitas médicas servem melhor para casos e ambientes específicos, e os pratos têm sido mais um produto da pessoa que prepara e da cozinha onde ela é preparada do que daquela lista de ingredientes. Na verdade, as vezes nem precisamos de receitas e nem de ir correndo ao médico. Precisamos, antes, de conhecer a nossa doença e encontrarmos nosso próprio medicamento. É necessário, também, dizermos ao cozinheiro que é ele e a sua cozinha (não a receita) que fazem aquele prato colorido saber tão bem. E, no fim, há que saber que cada caso é um caso; que nem tudo serve para todos em todos os lugares. Temos que ser frontais e termos a coragem de encarrar olhos verdes e azuis, e dizer:
– Ladies and Gentlemen, this is Africa! This is Mozambique!
René Moutinho, M.Sc.