A presença do referido texto divide opiniões entre os diversos agentes sociais, pois enquanto uns entendem a acção como tentativa de difamar a imagem do artista, outros assumem tratar-se de um simples texto que se enquadra na tipologia textual em questão no livro.
Entre os alunos da referida classe com idades compreendidas entre 12 a 13 anos, o assunto também divide opiniões. Estes que ao serem apresentados o texto em questão, divergiram nas interpretações.
Marcelo Mate, aluno que no presente ano lectivo frequenta a oitava classe na Escola Básica de WaMatibwana, no município da Matola, para além de afirmar não ter conhecido o artista, após ler o texto teve o entendimento de que o rapper em questão é um consumidor de estupefacientes. “Não conheço Azagaia, mas aqui no texto vem que ele tinha drogas. Acho que fumava suruma, porque até foi preso por causa disso”, referiu o aluno.
Mas há quem já ouviu falar de Azagaia. É este o caso da Stela Nipaparia também aluna da oitava classe na Escola Secundária da Liberdade, que mesmo após ler o texto permanece com a ideia de que Azagaia é uma “boa” pessoa. “Aqui no texto está escrito que ele foi preso porque lhe encontraram com drogas, mas acho que ele era boa pessoa. Porque mesmo meus irmãos dizem que ele não era um mau cantor”, disse.
Professores entendem que se pretende difamar Azagaia
Por outro lado, a classe dos professores entende que a presença do referido excerto textual no livro da oitava classe na disciplina da língua portuguesa seja uma tentativa de enfraquecer a imagem de Azagaia perante a sociedade.
O presidente da Associação Nacional dos Professores Moçambicanos (ANAPRO), Isac Marrengula, manifestou o seu sentimento de tristeza em relação ao assunto em questão.
“É triste que num momento em que já temos vozes que dizem que o Azagaia tem que ser visto como um herói nacional, apareça em um livro escolar a ser conotado como um consumidor excessivo de drogas”, lamentou.
Marrengula defende ainda que com o texto, o governo tem a pretensão de perseguir o rapper mesmo que falecido, com a intenção de distorcer a sua “boa imagem” perante os seus admiradores.
“O que o governo pretende ao deixar um livro hostil, com um texto hostil como aquele é fazer uma perseguição na tentativa de querer ofuscar a própria imagem do Azagaia, que já é um herói”, disse o presidente da ANAPRO.
No seu entendimento, o texto referente a detenção de Azagaia é digno de ser descartado, e por isso assume também que nenhum professor fará o uso do referido excerto textual para explicar a tipologia jornalística, pois os mesmos recorrerão a outros exemplos que não difamem a imagem do rapper em alusão.
Para Stefka Laice, professora na Escola Básica do Tunduru, o texto peca primeiramente por tratar de assuntos sensíveis com alunos de pouca idade. “O texto está meio que deslocado, tendo em conta que o mesmo trata de um assunto sensível para falar com crianças da oitava classe que tem uma idade compreendida entre 12 a 13 anos, o consumo de drogas. Acredito que o texto seja agressivo”, afirmou.
Activistas sociais falam de perseguição ao rapper mesmo após a sua morte
Para a activista social Fátima Mimbire, a colocação do excerto textual como exemplo no livro didáctico terá sido infeliz, por acreditar tratar-se de uma perseguição ao rapper, tal e qual por diversas vezes verificou-se quando este estava ainda em vida.
“O rapper Azagaia foi alvo de perseguições em vida e até mesmo no dia do seu funeral. Não se pode ter dúvidas que essa é mais uma tentativa de denegrir a imagem do Azagaia, passando uma imagem negativa trazendo a ideia de que o mesmo cantava o que cantava sob efeitos de droga, o que não é verdade, pois sabemos muito bem que a música dele não tem nada a ver com o consumo de drogas”, comentou.
Em virtude desse facto, Mimbire aconselha aos professores e encarregados de educação a rasgar e jogar fora a página que retrata a detenção de Azagaia por alegada posse de drogas.
Por outro lado, a activista social Quitéria Guirengane assume que por mais que a intenção tenha sido de manchar a imagem do rapper, o governo cometeu duas gafes.
“Mas se a intenção era difamar Azagaia cometeu-se dois erros: primeiro reconhecem a dimensão do Azagaia até caber em um livro escolar, e é uma grande vitória o reconhecimento de que Azagaia é uma pessoa incontornável quando se fala da educação em Moçambique. E segundo, ainda na intenção de difamar o músico, pode ser um meio que perigoso para o próprio sistema de ensino por que se toda juventude está aprendendo que Azagaia é um herói e depois o ministério coloca no livro que fumava tendo sido preso, talvez amanhã toda juventude vai fumar e ser presa, ao ter Azagaia por referência”, referiu.
Ademais, Guirengane exige a correcção do conteúdo da página, pois segundo afirma, dever-se-ia colocar um exemplo melhor dos feitos do falecido rapper. “Exigimos a remoção dessa página e a correcção da mesma, porque Azagaia tem que constar no livro e isso nós sempre exigimos. Mas tem que constar lá no seu melhor porque é o melhor símbolo que temos do que a juventude deveria ser no país”, disse.
Família de Azagaia pode exigir a remoção do texto
O advogado Rodrigo Rocha afirma que o facto de ter sido uma notícia cuja fonte esta devidamente citada, faz com que não veja algum tipo de impacto jurídico.
“A notícia foi reproduzida e devidamente citada, em virtude de ter sido uma reprodução de uma notícia, não vejo nenhum impacto jurídico. Ou seja, a notícia está ainda ser divulgada num blog que costuma ter informações jornalísticas, assim como reproduções dessa mesma notícia em vários outros momentos. Por ser uma notícia pública não tem, a meu ver, nenhum tipo de implicação jurídica”, disse Rocha.
Por outro lado, no âmbito social, o advogado acredita que se poderia usar um exemplo melhor para o livro, este que não coloque em causa o nome do artista.
“Tenho algumas reservas em relação ao facto de pegar-se essa parte do músico Azagaia, pois Moçambique é um país que tem muita história para contar, algumas delas que não iriam chocar o bom-nome do Azagaia, embora no meu entender essa notícia não belisque o bom-nome do artista porque é um facto que já lá existe”, disse.
Refere ainda que, querendo, à família pode recorrer juridicamente por forma a exigir a remoção do excerto que aborda a detenção do entequerido. Entretanto, dúvida do sucesso da referida acção por tratar-se de um facto que continua disponível.
“A família pode sim recorrer, sentindo-se injustiçada, porém eu tenho dúvidas do sucesso dessa eventual acção, por um motivo muito simples: a notícia continua on-line e no livro está identificado que é um excerto de uma notícia publicada num determinado blog”, disse Rodrigo Rocha.
Enquanto Rodrigo Rocha mostra-se descrente no sucesso de um eventual processo jurídico protagonizado pela família do rapper, o advogado João Nhampossa, após assumir que o texto não deveria constar do referido livro por não agregar nenhum tipo de valor, referiu que o mesmo revela mais um ataque.
João Nhampossa também acredita que o governo moçambicano tentou através da educação trazer a ideia de que o rapper Azagaia era um drogado, e por isso entende que o governo deve indemnizar a família do mesmo pelos danos que foram causados aquando da circulação do referido texto.
Artistas e internautas exigem mais respeito para com a imagem de Azagaia
Azagaia também foi, nas últimas horas, a figura mais falada das redes sociais. Pois internautas, colegas de profissão e amigos do referido rapper usaram as suas redes sociais para manifestar a sua tristeza relativamente ao assunto em causa.
A título de exemplo, o músico Stewart Sukuma usou a sua página oficial da rede social Facebook para manifestar o seu posicionamento em relação ao facto da detenção de Azagaia constar do livro didáctico.
“Definir uma obra monumental como a do Azagaia com um acto isolado e ridículo, é uma ofensa não só para ele e sua família como para toda a classe artística séria e consciente! Assim sendo pedimos com todo o respeito, que nos foi negado até hoje, a reposição da dignidade de um homem que lutou e que nos inspirou nos caminhos para a liberdade de expressão e luta pela justiça social”, escreveu.
O rapper moçambicano K9 reagiu ao assunto em causa, afirmando que se deveria usar casos dos que atropelam as crianças por motivos de embriaguez, e não a imagem de Azagaia.
“No livro da oitava classe é assim como difamam o nosso herói Azagaia? Alguém que sofria de epilepsia e que o remédio (não droga) era usado para o seu tratamento! E ainda por cima a substância nem foi encontrada nele. (…) É triste está pseudo intelectualidade dos autores destes livros educativos”, lamentou o músico.
Para além de Stewart Sukuma e K9, internautas residentes na diáspora também reagiram ao assunto, assumindo que, contrariamente ao que se pretende, o músico Azagaia será sempre lembrado pelos seus “bons” feito em vida.
“Azagaia, foi e sempre será recordado pelos seus valores e pela sua luta a favor da dignidade humana e as suas intervenções enquanto activista, sempre fez passar imagem de quem quer um Moçambique do povo para povo, tudo o resto é falso e calúnia de quem tem medo de pensadores humildes como Azagaia, seu reflexo e influência junto dos Jovens aqui em Cabo-Verde é enorme, mando um forte abraço ao povo moçambicano”, disse João Fernandes.
Ministério da educação e cultura nega tentativa de difamação
Em torno do assunto em questão, duas reacções vieram por parte do governo. A primeira, veio após mais uma sessão do Conselho de Ministros, onde o porta-voz do governo, Inocêncio Impissa, fez saber que o referido livro da língua portuguesa não deveria estar a circular.
“A indicação que temos do sector é que se trata de um livro não integrado ao sistema, e circula estranhamente, (…) é um livro que não foi autorizado para circulação”, referiu.
Pouco menos de três horas depois, Silvestre Dava, em representação do ministério da Educação e Cultura (MEC), informou, que o livro em questão foi descontinuado, por meio de uma reforma curricular.
“O livro foi descontinuado uma vez que o ministério da educação e cultura tem estado a desenvolver a reforma curricular que iniciou em 2017 no ensino primário”, disse.
Segundo Silvestre Dava, a partir do ano 2023, a circulação do livro da língua portuguesa referente a oitava classe é ilegal, por esta não ter sido autorizada pelo MEC. “O que significa que a partir de 2023, a circulação deste livro torna-se ilegal uma vez que não há autorização do ministério da educação e cultura para que ele circule”, referiu.
Em relação às acusações de tentativa de difamação a imagem do rapper, o representante, revelou que não havia tal pretensão. Tendo justificado a presença do texto no livro, como sendo “calor de produção de um manual escolar”.
“De nenhuma forma o ministério da educação e cultura poderia usar um texto para atingir um cidadão. Se o texto passou, provavelmente tenha havido (…) não diria distracção, mas no calor da elaboração de um manual didáctico os autores recolhem um conjunto de materiais e o exemplo que o autor do livro da oitava classe pretendia dar era de um texto jornalístico”, disse. (INTEGRITY)