A revolução que a China conseguiu na inteligência artificial com a ferramenta Deep Seek foi “um tiro no porta-aviões”, considera Paulo Portas, acrescentando que Pequim demonstrou “que consegue fazer mais com menos”. E, portanto, “tornando absolutamente evidente que a competição tecnológica não está fechada e vai ter muitas surpresas”.
É por isso, para o comentador da TVI, o “momento Sputnik”, que “é aquilo a que no sistema tecnológico se costuma chamar a um país que é líder e que pensa que tem essa liderança garantida e de repente vê outro, o seu principal competidor, conseguir uma proeza que esse país líder não tinha conseguido”.
Tudo isto terá consequências do ponto de vista geopolítico, sendo que para Portas, a mais importante é o facto de a “competição entre América e China” ser “essencialmente uma competição por tecnologias sensíveis”. “Na inauguração de um novo presidente, sem tarifas, sem gritos, a China mostra que é mais forte do que os Estados Unidos pensavam que a China era”.
Aliás, acrescenta, “do ponto de vista geoeconómico”, “teve uma consequência que foram cerca de 600 mil milhões de dólares que num dia desapareceram nas valorizações bolsistas”.
O que é que nós já sabemos sobre este aparecimento do DeepSeek? Esta foi uma das questões principais no programa Global. O comentador refere que, para já, se podem tirar duas lições. “A primeira coisa que sabemos é uma confirmação”. “No digital e na inteligência artificial, as ascensões são muito rápidas e as quedas também”. Dessa forma, “não há lideranças garantidas”.
Na mesma linha, “a segunda coisa que ficámos a saber é que a China, no domínio da inteligência artificial generativa, apesar das sanções e das limitações próprias da China, está muito mais perto dos avanços da Silicon Valley e dos Estados Unidos do que os americanos pensavam”. “Dizia-se que a China tinha um atraso de dois anos, aparentemente o atraso é muito menor”.
Depois, explica, é preciso perceber que o governo chinês acompanhou este lançamento. “O fundador da Deep Seek foi recebido pelo primeiro-ministro chinês no dia 20 de janeiro quando Donald Trump estava a tomar posse”. Depois, a China mostra aos investidores que é capaz de fazer uma aplicação mais avançada “sem gastar tanto dinheiro em recursos humanos, em energia ou em sistemas”.
“E, portanto, a China, com este gesto, desvaloriza aquele programa de inteligência artificial que Donald Trump e mais alguns ícones da inteligência artificial americana e alguns bancos tinham lançado de 500 mil milhões de dólares para o futuro”.
A competição tecnológica entre os Estados Unidos e a China está cada vez mais acirrada e a diferença entre os dois competidores está a esbater-se. Isto numa altura em que, no campo do comércio mundial, as políticas de Donald Trump adicionam cada vez mais tensão. Recentemente, Trump impôs tarifas de 25% sobre o Canadá e o México, os dois maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos, e de apenas 10% sobre a China, apesar de ter prometido tarifas de 60% durante a campanha.
“Manifestamente há uma viragem em Donald Trump poupando o conflito com a China”, sublinha Portas, destacando que é “estranho”, uma vez que o “Canadá é aliado comercial e de segurança dos Estados Unidos”. “Trumo atira primeiro aos aliados do que aos seus rivais”.
Ainda mais preocupante é o impacto destas decisões no Acordo de Livre Comércio da América do Norte (antigo NAFTA), que estava previsto para ser revisto em 2026. “Trump começa a dar cabo de um dos mais extraordinários acordos comerciais que o mundo tem, que ia ser revisto em 2026, e está a criar, obviamente, uma desconfiança entre parceiros”, afirma Paulo Portas. (CNN Portugal)