Segundo o bastonário, o actual modelo de designação dos juízes conselheiros compromete a independência do órgão e a confiança pública na justiça constitucional.
Sob o lema “50 Anos Construindo o Poder Judicial: Nova Era, Novos Desafios”, o evento marcou o início do ano judicial num contexto de crise pós-eleitoral, que trouxe consigo uma profunda divisão social e uma crescente desconfiança nas instituições do Estado. O discurso do bastonário foi enfático ao destacar a necessidade de reformas estruturais que fortaleçam a justiça e promovam a pacificação e estabilidade social.
Despartidarização do Conselho Constitucional
Para o bastonário, o actual modelo de designação dos juízes conselheiros do Conselho Constitucional é uma das principais fontes de desconfiança. Actualmente, cinco dos sete juízes são indicados pela Assembleia da República, segundo o critério da representação proporcional, tornando o órgão vulnerável a influências político-partidárias.
“É tempo de despartidarizar o Conselho Constitucional, reduzindo o número de juízes conselheiros indicados pela Assembleia da República e permitindo que outras entidades, como os Conselhos Superiores das Magistraturas e a Ordem dos Advogados, participem na sua composição”, defendeu Carlos Martins.
A proposta visa garantir maior independência e imparcialidade, transformando o Conselho Constitucional em um verdadeiro Tribunal Constitucional, acessível a todos os cidadãos e com maior legitimidade para proteger os direitos fundamentais e a democracia.
Revisão constitucional e reforma da Justiça
A OAM propõe uma revisão constitucional abrangente, que inclua a ampliação das entidades com legitimidade para solicitar a declaração de inconstitucionalidade de leis e actos normativos. O bastonário considera essencial rever o papel do Conselho Constitucional e redefinir as competências dos Conselhos Superiores das Magistraturas, actualmente influenciados pelo poder político.
“Devemos distanciar o poder político do poder judicial, sob pena de minarmos a independência e a imparcialidade necessárias para o funcionamento de um verdadeiro Estado de Direito Democrático”, frisou.
Tribunal Administrativo e Justiça Administrativa
Outro ponto destacado no discurso foi a necessidade de transformar o Tribunal Administrativo em Supremo Tribunal Administrativo, introduzindo tribunais regionais de recurso para garantir maior celeridade e eficiência.
A OAM defende que a jurisdição administrativa deve manter a sua autonomia e que a justiça fiscal e aduaneira deve ser clarificada, para evitar confusões entre ilícitos administrativos e crimes fiscais.
A proposta inclui ainda a introdução do recurso extraordinário por parte do Procurador-Geral da República em casos de sentenças manifestamente injustas, garantindo maior transparência e justiça no sistema administrativo.
Ministério Público e reforma legal
No que diz respeito ao Ministério Público, o bastonário alertou para a importância de reforçar a sua autonomia face ao poder político. As reformas, segundo este, devem evitar soluções que coloquem em risco as garantias fundamentais de independência na investigação criminal. “O controlo deve ser apenas jurisdicionalizado, respeitando o quadro normativo de cada instituição republicana”, defendeu.
A OAM também manifestou preocupação com a interferência de advogados na composição dos Conselhos Superiores das Magistraturas, alertando para potenciais conflitos de interesse que comprometem a imparcialidade dos magistrados.
Reformas humanistas e protecção dos Direitos Humanos
O bastonário destacou ainda a necessidade de reforçar os direitos humanos e promover uma sociedade mais justa e pacífica. “É quase uma heresia falar de dignidade humana num contexto de violência e normalização do ódio. Precisamos recuperar o espírito de diálogo e reconciliação, que sempre foi uma característica do povo moçambicano”, concluiu.
Contudo, a abertura do Ano Judicial de 2025 ficou marcada pelo discurso directo e crítico da OAM, depois de mais de três meses marcados por tensão pós-eleitoral no país que condicionaram a violação de várias leis em paralelo com resultados eleitorais declarados fraudulentos por uma grande parte da sociedade. (Bendito Nascimento)