Durante uma entrevista, Marrengula classificou a iniciativa como irrealista e distante da realidade das escolas moçambicanas, especialmente nas zonas rurais, onde as condições básicas de ensino ainda são extremamente precárias.
“Estamos falando de uma promessa que não considera a realidade do nosso sistema educativo. A maioria das escolas nas zonas recônditas nem sequer tem acesso a corrente eléctrica, muito menos dispositivos tecnológicos. Como um aluno que nunca teve contacto com um computador vai usar um livro digital? Até os professores, que deveriam ser os primeiros a dominar essas tecnologias, não têm formação adequada”, afirmou Marrengula.
A ANAPRO também destacou os escândalos em torno da distribuição de livros escolares nos últimos anos. Marrengula recordou que, em 2024, mais de 400 milhões de meticais foram desviados do orçamento destinado à produção de livros impressos. “Tanto se debateu sobre isso, mas até hoje não vimos os responsáveis serem punidos. Estamos agora a poucos dias do início do ano lectivo, e os livros ainda não chegaram às escolas. Isso reflecte a falta de seriedade do governo”, criticou.
Este, reforçou que o fornecimento de material escolar é uma prioridade que deveria ser tratada com mais responsabilidade. “Em vez de promessas vazias, deveríamos saber quanto será investido este ano para garantir que os livros cheguem às escolas a tempo. Já não podemos continuar a aceitar atrasos que prejudicam o futuro dos nossos alunos”, concluiu.
Outro ponto central das críticas da ANAPRO foi a superlotação das salas de aula. Marrengula denunciou que algumas escolas chegam a ter até 200 alunos em uma única sala, uma situação que ele considera inadmissível. “Uma sala deveria ter no máximo 55 alunos, mas em algumas províncias temos quatro turmas em uma. Isso compromete seriamente a qualidade do ensino”, afirmou.
Para resolver o problema, Marrengula defendeu a construção de novas salas de aula com qualidade. “Não queremos salas feitas às pressas ou que desabem com a primeira chuva. Precisamos de escolas que realmente respondam às necessidades dos professores e alunos”, acrescentou.
A ANAPRO também criticou a politização das instituições de ensino. Segundo Marrengula, as escolas são transformadas em células partidárias, prejudicando a autonomia dos professores e o ambiente de trabalho. “Isso implica que uma das prioridades do governo rodando para as escolas seria a transformação de escolas em verdadeiras escolas, não células partidárias. Seria a eliminação das células despartidas nas escolas e a devolução da autonomia ao professor, porque essa autonomia já foi perdida”, declarou.
Outro tema central foi a melhoria das condições de trabalho e salários dos professores. Marrengula apontou que o salário inicial de um professor licenciado não chega a 31.000 meticais, valor que é inferior ao subsídio de comunicação de um ministro, que ronda os 56.000 meticais. “É inaceitável que um professor, que lida directamente com a formação das futuras gerações, receba menos que um subsídio de um alto funcionário que pouco faz”, criticou.
Ele também destacou a falta de promoções e reenquadramentos desde a implementação da Tabela Salarial Única. “Estamos há três anos sem promoções, e isso desmotiva ainda mais os professores. O governo precisa resolver essas questões com urgência”, afirmou.
Além disso, Marrengula criticou a falta de acesso à assistência médica e medicamentosa para os professores, apesar dos descontos feitos nos seus salários. “Somos descontados todos os meses, mas quando vamos a um hospital público, não somos atendidos. Não sabemos para onde vai o nosso dinheiro. É preciso que os descontos sejam canalizados para uma seguradora que garanta assistência médica”, propôs.
Questionado sobre a possibilidade de o novo governo resolver esses problemas, Marrengula foi enfático. “Se não acreditássemos, já teríamos considerado a falência da ANAPRO. Mas acreditamos que é possível, mesmo que o governo tenha que ser pressionado a cumprir suas promessas”, declarou.
Ele lembrou que, em 2024, a ANAPRO liderou greves em várias escolas do país devido ao não-pagamento de horas extras, o que levou à paralisação de exames em 63 instituições. “Se o governo não cumprir, teremos de adoptar outras estratégias. Não descartamos a possibilidade de novas greves ou manifestações”, alertou.
Durante o seu discurso de investidura, Daniel Chapo prometeu a distribuição gratuita de livros escolares, a construção de novas escolas, especialmente em áreas rurais, e a melhoria das condições de trabalho dos professores. No entanto, a ANAPRO mantém-se céptica e exige acções concretas para que as promessas não fiquem apenas no papel. (Bendito Nascimento)