A ideia de aplicar punições proporcionais aos crimes cometidos pode soar, à primeira vista, como uma solução simples para um problema complexo. No entanto, ao adotar esse princípio de justiça retributiva, corremos o risco de não apenas perpetuar um ciclo de violência, mas também de minar os próprios alicerces da equidade e da reconciliação social.
A Lei do Talião é uma das mais antigas fórmulas de justiça, originada em civilizações como a Mesopotâmia, e que perdura em muitas tradições, inclusive no Antigo Testamento. Sua premissa básica é clara: a punição deve ser proporcional ao crime cometido. Em tempos de crescente violência e impunidade, muitos podem ver nessa ideia uma maneira de restaurar a ordem e a confiança nas instituições. No entanto, um olhar mais atento revela que as implicações dessa medida são, no mínimo, problemáticas.
Primeiramente, é importante questionar: o que significa, de facto, “justiça proporcional”? Embora o princípio da proporcionalidade pareça justo, ele pode, na prática, gerar mais danos do que benefícios. Ao aplicar uma punição direta e equitativa para cada ofensa, estaríamos apenas perpetuando a lógica da vingança. Isso não é justiça; é um ciclo interminável de retribuições, onde a verdadeira cura para os males sociais, como as desigualdades, a pobreza e a exclusão, fica em segundo plano.
Em uma sociedade como a moçambicana, marcada por profundas disparidades sociais e uma violência estrutural persistente, adotar uma medida tão punitiva sem considerar os factores subjacentes ao crime como a falta de oportunidades, a educação deficiente e a marginalização de comunidades inteiras pode ser um tiro no pé. A Lei do Talião não oferece um caminho para a reconstrução social, mas sim para a solidificação de uma cultura de retaliação e ressentimento. O que mais precisamos não são mais castigos, mas sim políticas públicas que abordem as causas profundas da violência.
Além disso, a aplicação dessa medida exigiria uma estrutura judiciária eficiente e imparcial, capaz de garantir que a punição seja de facto proporcional. No contexto de um sistema judicial que ainda enfrenta desafios significativos em termos de recursos, corrupção e eficiência, não podemos ignorar o perigo de uma implementação falha. Uma política mal aplicada pode facilmente se tornar uma ferramenta de opressão e injustiça, beneficiando os poderosos e marginalizando ainda mais os já vulneráveis.
É crucial lembrar que, ao longo da história, muitas sociedades que buscaram a justiça apenas por meio da retaliação acabaram por criar mais divisão, violência e desconfiança entre seus cidadãos. Em vez de curar, a vingança apenas alimenta o ciclo de ódio. Por isso, em vez de se concentrar em retaliações, é preciso investir em reconciliação, educação e reabilitação. A verdadeira justiça não é aquela que devolve o mal recebido, mas a que busca construir pontes, curar feridas e promover a inclusão.
Em uma era em que as pessoas clamam por justiça, é fundamental questionar se a resposta está na punição imediata ou no compromisso com a mudança estrutural. A aplicação da Lei do Talião não pode ser vista como uma solução simples para um problema complexo. O que precisamos é de um sistema de justiça que, acima de tudo, promova a igualdade, a reparação dos danos e o fortalecimento das instituições, para que possamos construir uma sociedade mais justa, pacífica e solidária.
O caminho para a justiça verdadeira não está na retribuição. Está, sim, em garantir que todos tenham acesso à dignidade, à educação e à oportunidade. Só assim poderemos quebrar o ciclo da violência e avançar para um futuro em que a verdadeira equidade seja alcançada.
Dedos D’eus