“MILITARES SÃO NICES, NÃO SÃO COMO NÓS”

Caminhava pela avenida Guerra Popular, bem em frente à antiga fábrica Laurentina, na outrora charmosa cidade das acácias. Hoje, no entanto, é difícil chamá-la assim. A cidade perdeu o perfume das flores e adquiriu o cheiro acre do descuido: lixo espalhado pelas esquinas, urina regando as árvores que antes embelezavam as ruas.

Mas, não é sobre lixo que quero falar desta vez. Meu olhar estava fixo em outro detalhe da cidade: um polícia de protecção, vulgo “azulinho”. Ele conversava com um militar, trocando palavras que pareciam leves, quase amigáveis. Quando os dois se despediram, o polícia caminhou na mesma direção que eu, lado a lado, até que olhei para ele.

Com a informalidade típica dos jovens urbanos, ele me saudou:
“Como é, bro?”

Respondi no mesmo tom:

— Nice, mano.

Foi então que ele disparou, talvez sem pensar muito, ou talvez porque a sinceridade pede momentos como esses:

“Eu rendo com militares, não são como nós, que andamos a disparar de qualquer maneira e a matar pessoas”.

A frase, seca e directa, me pegou desprevenido. Só consegui responder com um “Opha”, meio desconcertado. Mas ele continuou:

“Mas não somos todos, são esses gajos da UIR. Deram-lhes malta 1500 meticais para andar a matar pessoas”.

A confissão, entre o casual e o chocante, ecoou no silêncio que seguiu. Perguntei, tentando entender:
— Por que vocês não aconselham eles a parar com isso?

Ele parou por um segundo, visivelmente embriagado, e respondeu com um misto de resignação e deboche:
” Como aconselhar um gajo que recebeu tako?”

A conversa acabou ali, mas deixou em mim a sensação de carregar mais do que palavras. Era um retrato vivo e cruel do que se sussurra em cada esquina, em cada mercado, em cada reunião informal. A UIR, que deveria ser símbolo de ordem, age como se fosse alheia ao peso da vida humana. Suas acções parecem automatizadas: qualquer tensão, qualquer manifestação é motivo para disparar, ferir ou matar, especialmente jovens.

Esses jovens, que ousam sair às ruas para protestar contra a violação de seus direitos, são vistos como ameaças. E no meio disso, polícias comuns, como aquele “azulinho”, vivem divididos entre cumprir ordens e reconhecer que algo está profundamente errado.

A cidade, assim como seus habitantes, parece ter perdido o brilho. Entre o lixo, a urina e as feridas abertas pela violência, resta a pergunta: até quando viveremos num lugar onde as armas falam mais alto que o diálogo? (Nando Mabica)

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