O ministro, considerado por alguns como um visionário no sector agrícola, foi incapaz de garantir os resultados almejados e falhou em responder às crescentes críticas sobre a implementação do programa que, em teoria, seria um pilar do desenvolvimento rural no país. Enquanto o governo insistia em divulgar números que sugeriam progresso, a realidade enfrentada pelos agricultores mostrava um cenário bem diferente: promessas de insumos e equipamentos não entregues, a partidarização do programa e um ambiente de desconfiança em relação às políticas adoptadas.
As declarações de Celso Correia, como a afirmação de que “90% da população moçambicana consegue ter três refeições por dia” ou de que “não há falta de comida no país”, causaram um alvoroço, com disparidades entre a retórica do governo e a dura realidade vivida pela maioria da população.
Três refeições
Celso Correia, durante seu mandato como ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, tornou-se conhecido não apenas pela defesa do programa SUSTENTA, mas também por declarações que geraram polémica e contestação pública. Uma das mais marcantes foi a garantia de que “90% da população moçambicana consegue ter três refeições por dia” o que caracteriza Moçambique como um País sem risco de fome, contando apenas com 10% da população na linha da insegurança alimentar.
Essa afirmação feita durante o encontro que teve com o Director-Geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), foi apresentada como um dos marcos de sua gestão, foi amplamente questionada por especialistas, organizações da sociedade civil e mesmo por cidadãos comuns que convivem diariamente com a realidade de uma insegurança alimentar crescente.
Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e de organizações internacionais como o Programa Mundial de Alimentação (PMA) indicam que Moçambique enfrenta níveis altos de desnutrição e pobreza extrema, especialmente em zonas rurais e nas províncias mais afectadas por mudanças climáticas, conflitos armados e falta de infra-estrutura agrícola.
Com relatórios mostrando que muitas famílias moçambicanas lutam para garantir uma única refeição por dia, quanto mais três. Por exemplo, o alerta feito no segundo semestre de 2024 pelas Nações Unidas colocava Moçambique, junto com Angola, como países na região com fome severa, e outro relatório de Outubro, colocava Moçambique como um dos 22 focos de fome no mundo. A discrepância entre a declaração do ministro e a situação vivida por milhões de moçambicanos levantou dúvidas sobre a seriedade com que os problemas estruturais do sector agrícola são tratados no país.
A polémica foi ampliada quando Correia declarou que “no país não há falta de comida”. Essa afirmação, feita em um contexto de dependência crescente de importações para suprir alimentos básicos como arroz, trigo e óleo de cozinha, foi vista como um insulto por comunidades afectadas por crises alimentares cíclicas. Em 2023, por exemplo, várias regiões de Sofala e Zambézia enfrentaram longos períodos de fome devido à destruição de colheitas provocada por ciclones e inundações, enquanto o governo falhou em garantir uma resposta eficaz.
Portanto, essas declarações podem reflectir uma desconexão de Correia com a realidade rural, onde a maior parte da população depende de uma agricultura de subsistência fragilizada pela falta de apoio técnico e de recursos. Ao insistir em uma narrativa de sucesso que contradiz os dados disponíveis, o ministro contribuiu para a percepção de que sua gestão no MADER priorizou propaganda em vez de soluções concretas para os problemas do sector.
SUSTENTA: promessas grandiosas, resultados insustentáveis
Criado em 2016 e inicialmente implementado nas províncias de Nampula e Zambézia e, a partir de meados de 2019, expandido para o resto do país, Lançado como o maior programa agrícola de Moçambique, o SUSTENTA foi apresentado como a solução para transformar a agricultura familiar e integrar pequenos agricultores nas cadeias de valor produtivas. Sob a liderança de Celso Correia, o programa tornou-se a principal bandeira do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (MADER), prometendo reduzir a pobreza rural e promover o desenvolvimento sustentável. Contudo, a realidade que emergiu ao longo dos anos é de um programa marcado por falhas estruturais, má gestão e denúncias de corrupção.
No papel, o SUSTENTA era ambicioso. Prometia fornecer insumos agrícolas, equipamentos, mecanização e assistência técnica a milhares de pequenos agricultores, além de facilitar o acesso a mercados e financiar iniciativas produtivas por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável (FNDS). No entanto, na prática, os resultados ficaram aquém das expectativas:
Partidarização e favorecimento político – Um dos problemas mais apontados foi a politização do programa. Relatórios do Observatório do Meio Rural (OMR), citado pelo Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) revelaram que cerca de 90% dos beneficiários identificados tinham vínculos com o partido Frelimo, levantando suspeitas de que o SUSTENTA foi usado como ferramenta de campanha e favorecimento político. Pequenos agricultores que não eram filiados ao partido no poder denunciaram exclusão e discriminação, minando o carácter inclusivo do programa.
Denúncias de má qualidade e atrasos – Em diversas províncias, agricultores relataram problemas graves na implementação. Em Nampula, por exemplo, 115 agricultores denunciaram, em Fevereiro de 2021, que não receberam os prometidos tractores, fertilizantes e outros insumos agrícolas, três meses depois de terem assinado os contratos. Quando recebiam os materiais, muitos reclamavam da baixa qualidade das sementes e equipamentos fornecidos, comprometendo a produtividade.
A falta de capacitação técnica também foi uma falha recorrente. Muitos beneficiários não receberam treinamento adequado para utilizar os insumos e equipamentos, resultando em perdas significativas de produção. Essa lacuna, somada a atrasos frequentes na entrega de materiais, deixou milhares de agricultores frustrados e desacreditados no programa.
Crises dos extensionistas – Os extensionistas agrícolas, considerados a espinha dorsal do SUSTENTA, enfrentaram uma situação dramática durante a gestão de Correia. Desde 2020, atrasos nos salários tornaram-se recorrentes, chegando a quatro meses consecutivos em 2024. Sem recursos para manter suas próprias famílias, muitos extensionistas abandonaram suas funções, prejudicando ainda mais o suporte técnico aos agricultores. Por exemplo, em Julho último, o Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) publicou que cerca de 5 mil extensionistas estavam há quatro meses sem salários, sendo que no ano anterior (2023), os extensionistas passaram os meses de Setembro, Outubro e Novembro sem dinheiro merecido.
Em Dezembro último, perto da saída de Correia para o parlamento, um outro grupo veio a se queixar que desde Fevereiro, não recebem os salários acordados, o que levou à publicação de uma carta aberta direccionada ao Correia, exigindo esclarecimentos sobre o paradeiro dos pagamentos. Além disso, denunciaram que foram forçados a mentir para os agricultores sobre o andamento do projecto, devido à falta de informações confiáveis. Também, ameaçam paralisar suas actividades por 30 dias, caso os pagamentos não sejam regularizados.
Consequentemente, tais atrasos nos pagamentos também afectam directamente os beneficiários do programa. Sem os extensionistas em campo, as famílias rurais, que deveriam integrar cadeias produtivas, ficam sem o suporte técnico necessário para melhorar a produtividade agrícola. “
Irregularidades financeiras e falta de monitoramento – Auditorias conduzidas pelo Tribunal Administrativo relativos ao exercício económico de 2021, expuseram irregularidades graves no uso dos recursos do SUSTENTA. Entre elas, de acordo com o CDD, A falta de identificação das matrículas das viaturas beneficiárias de combustível; mecanismo de publicação das chamadas que não abrange todo o público-alvo; encarecimento de despesas e consequente incumprimento do plano do Projecto, motivado pela realização de despesas em meticais, com recurso a uma conta em dólares e inexistência de plano estratégico do Projecto;
Também, CDD continua citando, a falta de evidências de aprovação dos projectos financiados; falta de evidências de selecção dos Pequenos Agricultores e Comerciantes Emergentes (PACE) com base nos critérios definidos no manual de operações; falta de evidências que demonstram que os PACE possuem experiência em cadeias de valores; facturas sem a inscrição “pague-se” e sem a chancela do coordenador; cheques emitidos em nome dos colaboradores; processos de despesas com falta de justificativos.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável FNDS, principal financiador do programa, foi acusado de operar como um “saco azul”, alimentando redes clientelistas e ampliando o controlo político de Correia no sector agrícola.
Um relatório divulgado pelo Centro de Integridade Pública (CIP) em Setembro de 2023, apontou desvios milionários no (FNDS), entidade responsável pela execução do SUSTENTA. Segundo o documento, consultores contratados no âmbito do programa declararam impostos muito abaixo do valor devido, resultando em um prejuízo estimado de 17 milhões de meticais para o Estado.
Um programa insustentável e abandonado – Para começar, o Programa Sustenta falhou a meta para a Campanha Agrária 2021/2022, mesmo com uma maior alocação financeira de sempre, aumento de famílias integradas, usando mais sementes certificadas, mais fertilizantes e pesticidas e com maior assistência técnica agrária.
Em Agosto de 2023, o Ministério Economia e Finanças informou que o SUSTENTA contribuiu para o aumento da dívida pública nacional que cresceu em 77% nos últimos oito anos. Uma informação que constava num documento divulgado pelo MEF intitulado “Estratégia de Médio Prazo para a Gestão da Dívida Pública (2023 – 2025), revelando que, de 2014-2022, a dívida pública ascendeu até 14,4 mil milhões de USD, dos quais 10 mil milhões de USD são da dívida externa.
com o Banco Mundial, principal parceiro do Governo no Projecto SUSTENTA emprestando ao País cerca de 726,6 milhões de dólares norte americanos de 2014 a 2022. e em paralelo também, o pote de mel de muitos países africanos, o Fundo Monetário Internacional (FMI), se tornando credora de um empréstimo de 566,9 milhões de dólares norte americanos, num valor universal de cerca de 1,2 mil milhões de dólares. não ficaram de fora também o Fundo Africano de Desenvolvimento (FAD) e a China, que emprestaram cerca de dois mil milhões de dólares.
Ao longo de 2024, tornou-se evidente que o SUSTENTA estava longe de alcançar seus objectivos. Dívidas milionárias acumuladas junto ao Banco Mundial e outros financiadores internacionais tornaram o programa insustentável financeiramente, enquanto os benefícios propagados pelo governo não se reflectiram na vida das comunidades rurais.
No final do mandato de Celso Correia, o SUSTENTA foi praticamente abandonado pelo governo, saindo da lista de prioridades do MADER. O que deveria ser um símbolo de transformação tornou-se um exemplo de como políticas mal concebidas e mal implementadas podem aprofundar desigualdades e frustrar expectativas.
O SUSTENTA, inicialmente projectado como uma ponte para o desenvolvimento rural, terminou como mais uma promessa não cumprida. Ao sair do MADER, Correia deixa um programa desacreditado, comunidades desiludidas e um sector agrícola ainda mais vulnerável do que antes. (Bendito Nascimento)