Por: João Alberto
Enquanto milhares de moçambicanos saíram às ruas em protesto contra os resultados eleitorais, arriscando as suas vidas por justiça e direitos humanos, Venâncio Mondlane, o rosto mais visível dessa luta, mantinha um acordo com o PODEMOS que lhe garantia benefícios financeiros e políticos. Essa revelação lança uma sombra sobre o discurso ético que ele pregou, levantando questões sobre coerência e responsabilidade na liderança política.
Venâncio Mondlane liderou uma campanha marcada por denúncias de fraude eleitoral e convocação de manifestações massivas. Milhares de pessoas atenderam ao apelo, ocupando ruas, enfrentando gás lacrimogêneo e a repressão policial. O resultado foi devastador: mais de 400 mortes, centenas de feridos e milhares de prisões.
Ao longo dessa jornada, Mondlane posicionou-se como um líder intransigente, afirmando que não reconheceria o resultado das eleições e pedindo aos moçambicanos que confiassem nele. Num dos momentos mais marcantes, ele pediu que olhassem nos seus olhos e garantiu que “dinheiro nenhum” o compraria.
O acordo com o PODEMOS
Porém, à medida que os eventos avançaram, surgiram informações sobre um acordo político entre Venâncio Mondlane e o PODEMOS. Entre as cláusulas, destacam-se o direito de Mondlane indicar 50% dos quadros para cargos públicos e assessorias parlamentares, como também a garantia de receber 5% das verbas do partido provenientes do orçamento do Estado. Outra que ressalta é a exclusividade na escolha de quadros para cargos relacionados à bancada parlamentar.
Essas cláusulas não seriam, por si só, incomuns em alianças políticas. No entanto, elas contrastam directamente com o discurso de Mondlane, que rejeitava qualquer acomodação no sistema que ele classificava como corrupto e ilegítimo.
A revelação desse acordo traz à tona contradições profundas. Apesar de convocar manifestações para contestar os resultados eleitorais e afirmar que não os reconheceria, Mondlane sempre soube que a posse na Assembleia da República seria inevitável. Como revela o ponto boldado na sua carta:
Único- Vai cumprir as cláusulas constantes no Articulado 7. Pontos 2 alíneas b): c) e d) e n.5 constantes, nas páginas 5 e 6 do Acordo Político Coligatório, celebrado em Manhiça aos 21 de Agosto de 2024?
Enquanto o povo enfrentava repressão nas ruas, Mondlane negociava direitos que garantiam vantagens financeiras e estratégicas dentro do sistema que ele condenava. Ao pregar um discurso de luta moral e sacrifício pelo povo, Mondlane colocou-se como símbolo de uma nova ética política. Manter os benefícios negociados enfraquece essa narrativa e coloca sua liderança sob escrutínio.
Reacções e impacto político
A carta enviada por Mondlane ao PODEMOS, na qual ele insiste na manutenção das cláusulas do acordo, gerou desconforto entre apoiantes e analistas. Muitos veem isso como um sinal de oportunismo, enquanto outros argumentam que tais acordos são inevitáveis num cenário político dominado pela hegemonia da Frelimo.
Por outro lado, a oposição como um todo pode sair enfraquecida. A percepção de que mesmo os líderes que pregam mudança estão dispostos a negociar interesses pessoais reforça o desencanto popular com a política e dificulta a mobilização para lutas futuras.
Venâncio Mondlane enfrentou um momento decisivo na sua liderança. A revelação do acordo e as contradições entre discurso e prática levantam uma questão ética crucial: pode um líder convocar o povo para sacrificar-se por uma causa, enquanto negocia benefícios dentro do mesmo sistema que critica?
Renunciar aos benefícios negociados e reconhecer os erros seriam gestos importantes para resgatar sua credibilidade e alinhar as suas acções ao discurso que pregou. Caso contrário, a luta pela justiça eleitoral e pelos direitos humanos corre o risco de ser deslegitimada, e Mondlane pode ser lembrado não como um símbolo de mudança, mas como mais um jogador no mesmo jogo que ele prometeu mudar.