A promessa era de até 100 meticais por quilograma do produto, algo considerado lixo até então, levou as comunidades a se mobilizarem, alguns vasculhando lixeiras, mercados e quintais em busca do que poderia ser a solução para dias de fome e dificuldades financeiras.
Porém, como ficou provado mais tarde, tudo não passou de um engano. Não havia compradores, tampouco empresas interessadas, e o sonho de transformar caroços de manga em dinheiro desmoronou, deixando prejuízos, frustrações e muitas perguntas.
O início da história é incerto. Alguns dizem que começou em mercados de Quelimane, outros apontam para pequenos grupos em Nicoadala e Mocuba. A única certeza é que, rapidamente, a informação ganhou vida própria.
Alguns diziam que empresas chinesas estão a comprar caroços de manga para fabricar sabão, era o rumor. A narrativa parecia plausível o suficiente para convencer até os mais cépticos.
No distrito de Ile, circulou o rumor de haver um homem que era comprador, e que havia marcado um dia para visitar o distrito e que precisava de grandes quantidades do produto. Este reuniu dezenas de moradores, que passaram o dia a recolher caroços, mas, no dia seguinte, o misterioso homem não apareceu sem dar qualquer explicação.
No distrito da Maganja da Costa, um outro indivíduo começou a comprar caroços dos moradores, convencido de que poderia revendê-los ao misterioso comprador chinês. Contudo, ao perceber que nunca encontraria o suposto cliente, suspendeu as compras, acumulando prejuízos.
Com a notícia a se espalhar, a rotina em vários distritos foi completamente alterada. Em Mocuba, Quelimane, Gurué, Maganja da Costa e Nicoadala, lixeiras foram tomadas por pessoas em busca de caroços. O produto, que antes era descartado sem valor, tornou-se artigo de primeira necessidade.
Em Quelimane, tornou-se impossível encontrar caroços de manga nas lixeiras ou ruas. As pessoas passaram a guardar caroços em casa, esperando acumular uma quantidade suficiente para venda.
Em Nicoadala, um indivíduo (anónimo) chegou a comprar 40 sacos de caroços na esperança de revender mesmo não conhecendo o comprador. Investiu as suas economias no negócio, mas nunca conseguiu localizar o comprador.
“Disseram que ele estava no bairro X. Quando cheguei lá, disseram que tinha acabado de sair e estava em outro lugar”. Relatou o filho e isso aconteceu várias vezes, até perceber que era tudo mentira.
Com o boato ganhando proporções cada vez maiores, a Autoridade Tributária e o Balcão de Atendimento Único (BAU) foram questionados pelo Integrity Magazine sobre a existência de empresas chinesas registradas para a compra de caroços de manga. Ambas as entidades negaram a informação.
Quando a verdade começou a se espalhar, o impacto foi devastador. Na Maganja da Costa, um homem que havia comprado dezenas de sacos de caroços para revender precisou abandonar o negócio, acumulando prejuízos significativos.
Em Mocuba, onde a corrida pelos caroços foi particularmente intensa, os moradores, ao perceberem que tudo não passava de uma mentira, descartaram os caroços acumulados nas estradas no mercado Central.
Enquanto os caroços de manga voltam às lixeiras e as comunidades retomam a sanidade, o episódio ficará na memória como uma das mais curiosas mobilizações populares da Zambézia. Ele expõe não apenas a fragilidade de uma população em situação de vulnerabilidade, mas também a força das palavras e rumores, que podem alimentar sonhos ou causar grandes desilusões.
Ainda assim, algumas perguntas continuam sem resposta. Quem foi o autor desta mentira? Terá sido um brincalhão com demasiado tempo livre ou alguém com intenções mais sombrias?
Apesar de tudo, a saga dos caroços de manga deixa uma lição valiosa: numa terra onde a fome é mais real que a esperança, qualquer rumor, por mais absurdo que pareça, pode ser suficiente para mobilizar corações e mentes. (Bendito Nascimento, na Zambézia)