Por Bendito Nascimento
Como podemos compreender tamanha contradição? Como um partido pode rejeitar a legitimidade de um processo eleitoral e, ao mesmo tempo, abraçar os frutos desse mesmo processo? O PODEMOS diz que a posse dos seus deputados não significa aceitação da fraude, mas um compromisso com os eleitores. Mas será que representar eleitores num Parlamento que é produto de um sistema que eles próprios condenam não é, de facto, validar esse mesmo sistema?
Albino Forquilha e o seu partido não estão sozinhos. A história da oposição moçambicana está repleta de episódios semelhantes. A RENAMO, por exemplo, grita aos quatro ventos sobre fraudes eleitorais, apenas para no final desfilar pelos corredores do Parlamento. O MDM não fica atrás. Será que essas atitudes reflectem a estratégia de “lutar por dentro” ou apenas a busca por espaços de poder, mesmo que em detrimento dos próprios princípios?
E Venâncio Mondlane? Apoiado pelo PODEMOS, ele recusa reconhecer os resultados e promete criar um tribunal paralelo para legitimar-se como o quinto presidente de Moçambique. Uma postura ousada, que até teria algum mérito se não fosse minada pela decisão do partido que o apoia, de participar num Parlamento que nasce da mesma eleição que Mondlane condena.
Em países onde a democracia é levada a sério, a oposição tem outro papel. Quando fraudes eleitorais foram denunciadas no Quénia, em 2017, Raila Odinga recusou participar na repetição das eleições, deixando claro que não legitimaria um sistema corrupto.
Na Venezuela, Juan Guaidó foi ainda mais longe, proclamando-se presidente interino e desafiando directamente o governo de Nicolás Maduro. Em Moçambique, porém, a oposição parece confortável em gritar fraude e, logo depois, vestir os trajes de deputados. Que mensagem isso transmite ao eleitorado?
Será que o PODEMOS realmente acredita que pode mudar o sistema de dentro? Se sim, onde estão os exemplos que provam essa eficácia? Onde estão as reformas promovidas pelas bancadas opositoras em legislaturas anteriores? Ou será que tudo isso é apenas uma encenação, uma dança política onde todos os jogadores sabem que nada vai mudar?
E o que dizer da FRELIMO? Enquanto a oposição tropeça nas suas contradições, o partido no poder segue firme, consolidando sua hegemonia. O Conselho Constitucional entrega mais uma vitória que poucos acreditam ser legítima, mas, ao fim do dia, quem se importa? A oposição vai ao Parlamento, o caos nas ruas é reprimido, e o país segue em frente, ou pelo menos assim parece.
O que acontecerá quando os deputados do PODEMOS tomarem posse? Será que vão lutar por reformas ou simplesmente se adaptar às dinâmicas de um Parlamento que há muito é controlado pela FRELIMO? E Mondlane, que promete criar tribunais paralelos, vai manter sua posição enquanto o partido que o apoia aproveita os privilégios do sistema?
Num país onde a confiança nas instituições é tão baixa, decisões como a de Forquilha e do PODEMOS não são apenas políticas; são simbólicas. Elas dizem ao povo: “Sim, o sistema é corrupto, mas estamos dispostos a participar nele, porque não temos outra escolha.” Mas será que realmente não têm escolha? Será que boicotar o Parlamento não enviaria uma mensagem mais forte? Será que a resistência real não exige sacrifícios reais?
E enquanto a oposição se perde em suas ambiguidades, o povo sofre. As manifestações que tomam conta das ruas não são apenas sobre resultados eleitorais; são um grito de desespero contra um sistema que parece ignorar as suas vozes. Mas até quando as pessoas vão protestar sem liderança clara, sem um movimento unificado?
Moçambique merece mais do que esta farsa. Merece uma oposição que não apenas fale de mudança, mas que esteja disposta a agir, mesmo que isso signifique perder temporariamente o acesso ao poder. Porque, no final, o que vale mais: uma cadeira no Parlamento ou a credibilidade perante aqueles que acreditaram no sonho de uma democracia verdadeira?
As acções de Forquilha e do PODEMOS são mais do que uma traição ao seu eleitorado; são um reflexo da crise mais ampla da política moçambicana. Uma crise onde os princípios são descartáveis, e a luta por poder sobrepõe-se à luta pela justiça. Será que algum dia aprenderemos que um sistema corrupto não pode ser reformado por aqueles que o aceitam?
Talvez o maior problema não seja o Conselho Constitucional, a FRELIMO ou a fraude eleitoral. Talvez o maior problema seja a incapacidade da oposição de ser coerente, de oferecer uma alternativa real. E enquanto isso, Moçambique segue preso nesse ciclo vicioso, onde a resistência é apenas mais um capítulo na longa história de rendição disfarçada.