O plano de fintar os arguidos das dívidas ocultas vem de longe. Por volta do mês de Junho, o Deputado da Renamo António Muchanga ter-se-ia pronunciado em plena sessão da Assembleia da República no sentido de um dos arguidos do processo das dívidas ocultas retirasse o recurso interposto no TSR por, segundo ele, “ser um recurso dilatório”. Por termos achado estranha a afirmação do António Muchanga, tentamos apurar o que estava escrito nos recursos interpostos, contactando os vários advogados. Não tivemos sucesso na nossa tentativa, mas conseguimos deitar a mão a três e-mails que, tecnicamente, deitam abaixo a acusação proferida pelo Ministério Público. Lembram-se das “50 milhões de galinhas”? Foi-nos contado uma mentira pelo Ministério Público.
Entendemos também o porquê o Juiz Efigénio Baptista tinha de, infalivelmente, condenar aquelas pessoas, mesmo sem provas para fundamentar os crimes. Toda esta batalha jurídica visava uma coisa apenas: expropriar os arguidos das dívidas ocultas de todo o seu património. Por mais incrível que possa parecer, este é o único mote deste processo.
No entanto, para lograr esse objectivo Filipe Nyusi e o Sistema de Justiça precisam de obter a condenação dos arguidos, e que a sentença transitou, definitivamente, em julgado. Enquanto o recurso não for respondido, a sentença condenatória não transitou em julgado. Neste momento, o recurso está a “acumular poeira” no TSR, há cerca de dois anos, não havendo previsão para a sua resposta. Mesmo havendo respostas nos anos seguintes por parte do TSR, os arguidos ainda podem recorrer junto do Tribunal Supremo (TS) e com a possibilidade de levarem o Estado Moçambicano à barra do Tribunal de Londres, onde existe uma sentença que inocenta os cinco arguidos que fazem parte do processo em Londres.
Vendo o tempo para o fim do seu governo a escorrer rapidamente, faltando apenas 20 dias até a tomada de posse do novo governo, Nyusi, em conluio com sistema da justiça engendra o plano de conceder o indulto aos arguidos das dívidas ocultas. A tarefa de “vender” o plano aos arguidos coube à não menos capaz Ministra da Justiça e Assuntos Constitucionais e Religiosos, Dra. Helena Kida, que reuniu várias vezes no Lingamo com os arguidos ali encarcerados, havendo fotografias circulando nos grupos de WhatsApp, provando a ocorrência de tais visitas.
Para quem quiser entender, irá admirar-se ao saber que a iniciativa de indultar os arguidos das dívidas ocultas foi do próprio presidente, no uso das suas competências presidenciais. Sendo a iniciativa do próprio Presidente da República, achamos muito estranho impor condições aos arguidos.
O decreto presidencial e a discórdia
Segundo o Código de Execução de Penas, no seu Artigo 274, os arguidos das dívidas ocultas qualificam-se para serem indultados. O artigo em alusão diz claramente que o indulto pode ser concedido a Condenados e a Preventivos. Tendo os arguidos interposto o recurso, a sua situação prisional actual é de “preventivos”.
Estranhamente, o Decreto Presidencial publicado ontem, dia 22 de Dezembro, deliberadamente e ostensivamente, omite o termo “preventivos” e usa apenas o termo “condenados”. Ora, o Código de Execução de Penas diz claramente que “O indulto, total ou parcial, da pena (condenados) ou medida de segurança (preventivos)…” o Artigo 276 (Instrução) não faz referência a nenhuma necessidade de o condenado ter completado metade da pena, muito menos exige que a pena tenha transitado em julgado.
Em face do decreto e da maneira como o texto foi formulado, impunha que os arguidos obtivessem o estatuto prisional de “condenados” e para tal, tinham de desistir dos seus recursos, para que as suas penas transitassem em julgado, e assim, qualificarem para o indulto. Este é o pômulo da discórdia entre os arguidos das dívidas ocultas e o sistema da justiça. Porquê indultar apenas os “condenados” e deixar de fora os “prevenidos”? Se o desejo de indultar fosse genuíno, o mais sensato seria incluir os termos “condenados e preventivos” para que o decreto os contemplasse, e não obrigar os arguidos a desistir do recurso e assumir culpa de crimes com os quais não concordam, só para poderem se beneficiar do indulto presidencial.
Quer nos parecer que as visitas da Ministra da Justiça Helena Kida visavam convencer os arguidos a desistir dos seus recursos. Pelos vistos, não teve sucesso.
Com todo este enredo, é justo levantar algumas questões quanto à integridade, profissionalismo e lisura do sistema da justiça em Moçambique.
Como entender que um processo destes, altamente político, leve tanto tempo para o seu desfecho? Em Londres, o processo era bem mais complexo, mas levou menos tempo.
Como é que o sistema da justiça pode pedir a alguém para abdicar de um direito constitucional de recorrer da sentença, mesmo sabendo que o Ministério Público é obrigado por lei a submeter um recurso obrigatório para a revisão da sentença? Será que iriam exigir também ao Ministério Público a abdicar do seu recurso?
Como é que seria tramitado o expediente de desistência do recurso num final de semana? Será que os tribunais abrem aos finais de semana? Que datas ostentavam os tais requerimentos de desistência do recurso?
Temos informações segundo as quais o Conselho de Ministros aprovou o Decreto Presidencial, na última sessão, contendo os nomes dos arguidos das dívidas ocultas, e que teria sido mandado na noite da quinta-feira, para a imprensa nacional, para efeitos de publicação, mas que teve de ser recolhido ante a recusa dos arguidos de desistir dos seus recursos. Se este for o caso, vale indagar em que Conselho de Ministros foi aprovado o Decreto Presidencial que foi publicado ontem, sem os nomes dos arguidos das dívidas ocultas?
Os jornais CanalMoz e CartaMoz que foram pioneiros na publicação desta notícia alegam terem tido informações segundo as quais os nomes dos arguidos das dívidas ocultas faziam parte das listas, daí terem publicado a matéria.
Saída para Nyusi
O mandato de Nyusi foi marcado por um falso combate à corrupção e, para o efeito, muitos processos foram abertos contra indivíduos ligados ao Governo de Guebuza. Feliz ou infelizmente, Nyusi também fez parte do Governo de Guebuza onde ocupou o importante cargo de Ministro da Defesa, e por via desse cargo, era membro integrante do Comando Operativo e do Comando Conjunto, neste último onde integram os membros do Comando Operativo e o Presidente da República para tomar todas as decisões importantes sobre o país. Por isso que, em muitos dos processos de corrupção mais mediatizados a sua mão está lá metida, e neste momento, precisa de encerrá-los para poder sair da Presidência com a tranquilidade de que estes processos não o irão perseguir.
A saída que ele encontrou foi a de oferecer o indulto às suas vítimas em troca de admissão de culpa. Uma vez admitida a culpa, Filipe Nyusi sairia do Governos de cabeça erguida como tendo vencido algumas batalhas contra a corrupção. Do jeito como as coisas estão, nada me espantará se, no futuro, ele vir a ser chamado a responder em alguns deste processo, incluindo o das dívidas ocultas, em que desempenhou uma função central.
E agora, o que será dele, uma vez que os arguidos das dívidas ocultas se recusam a oferecer-lhe a admissão de culpa? O futuro dirá!
Mas, agora é garantido que este processo continuará em aberto e os bens móveis, imóveis e financeiros dos arguidos continuam lhes pertencendo. A tentativa da justiça de expropriar os seus activos continua e a batalha promete ser mais renhida, com o principal promotor, Nyusi, prestes a ser posto fora do combate. Beatriz Buchili e Alberto Paulo estão tecnicamente e oficialmente fora da alçada do processo das dívidas ocultas.
Para terminar, só podemos celebrar estes arguidos das dívidas ocultas por manterem-se firmes e irredutíveis na defesa da sua inocência. Com tudo o que tivemos acesso e conhecimento, estamos certos e seguros de que um dia, mais cedo que tarde, ser-lhe-á administrada a justiça de que tanto clamam. (O.O.)